Uma história libanesa
(Brimo)
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Abu-Gaza
tinha vinte anos quando chegou ao Brasil. Vinha de férias do Líbano, mas
precisamente da aldeia de Zahle, onde era professor. Seus “irmões” como ele até
hoje fala, já estavam estabelecidos no Rio de Janeiro, com lojas no Saara.
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Abu
usava terno, era um só, mas bem talhado, parecendo sempre novo. Em Zahle, suas
aulas de filosofia eram ministradas com a brilhante oratória de que era dotado,
quando citava Platão, Aristóteles Sócrates, Descartes, Kant, Schopenhauer e
Nietzche. Tinha estudado em Beirute e seu francês era fluente. Lia Proust no
original, no intervalo das classes. Os políticos da região recorriam a ele,
para assessorá-los em seus discursos.Uma viúva ainda jovem, com mais vinte anos
que Abu, o iniciou nos segredos do amor- e ele parece que gostou.
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Foi
fácil para o libanês aprender português. Tão logo chegou ao Rio de Janeiro,
comprou os jornais locais e passou a lê-los diariamente e breve falava o idioma
tão bem como seus irmãos que estavam no Brasil há alguns anos. As férias- não
teve, foi gerenciar uma das lojas de propriedade da família e nisso sua
ancestralidade dos comerciantes fenícios o ajudou. O sucesso foi tal que os
“irmões” não o deixaram voltar. Cedo, já era sócio da cadeia de lojas que se
espalhavam pelo Rio:Nova Iguaçu, Tijuca, Botafogo, Copacabana, Ipanema e
Leblon.
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As
carreiras de professor e de futuro brilhante político (tinha uma visão social
acurada) e até a viúva, foram esquecidas. Só não esqueceu os movimentos que
fazia quando se deitava no Líbano, em seu colchão, ao rés do piso, dobrando o
joelho para deitar-se. Faz isso até hoje, mesmo com a cama alta.
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Anos
mais tarde, o irmão mais velho, líder da família, resolveu de comum acordo que
era chegada a hora de cada um conduzir seu próprio destino. Sem discussão, sem
contratos assinados, foi feita a partilha das lojas e da caixa em dólares,
acumulada durante anos - eles não sabiam, foi repartida na ocasião.Todas as
notas eram de cinquenta e eram tantas, que eles resolveram não contar e optaram
por colocar em seis sacos, com pesos iguais e distribuir pelos seis irmãos.
Desde então Abu só faz negócio recebendo dinheiro a quilo.
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A
mãe de Abu, Adiba, tinha um sobrinho, Afif, rapaz inteligente, porém mulherengo
que estava desempregado, pediu a Abu que o empregasse.
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Abu,
lembrando-se da acolhida que tivera por seus irmãos, atendeu o pedido da mãe,
colocando o primo como gerente de uma de suas lojas na rua Senhor dos Passos.
Acostumado à relação de confiança da palavra empenhada, valendo mais que um fio
da barba do profeta, Abu acreditava que Afif prestava contas com a seriedade
que ele usava quando sócio no conjunto do comércio.
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O
pai de Abu veio do Líbano visitar os filhos, almoçava no Cedro do Líbano,
restaurante frequentado pela colônia árabe do SAARA muito próximo da loja de
Afif. Estranhou de Afif comprar doces árabes e distribuir por patrícios
vizinhos.
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Foi
conversar com o filho e alertou-o que alguma coisa estava errada.
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Abu comentou que talvez ele estivesse
comemorando seu aniversário.
Um
dia apareceu na porta da loja de Abu um sujeito baixinho, já de certa idade,
vestindo um casaco preto que lhe descia até os joelhos.
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-Quero
falar com o senhor -disse incisivamente!
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Abu
olhou-o dos pés a cabeça,quase que agressivamente-
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-O
que senhor quer? O camarada tinha jeito de fiscal.
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-Quero
falar com o senhor, mas não aqui na rua, na minha casa, ou na sua; retirando os
óculos escuros, entregou um cartão onde estava escrito:
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Manoel
Fernando
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Policial
Federal Matricula xxxx
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Aposentado
Investigações Privadas.
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Rua
xxxxx Cep xxxx.
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Tef
xxxxxx.
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Mais
tarde, Abu ligou e precavido, marcou a conversa em um restaurante em
Copacabana.
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O
homenzinho chegou num fusca preto.
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Desta vez, calçava sapatos
de verniz, havia feito a barba o que o remoçara e estava sem os óculos escuros,
o casaco preto era o mesmo. Foi direto para a mesa de Abu.
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-Sei que seu irmão Nabi
está sentado ali na outra mesa e está armado. Sei também que o outro seu irmão
está lá fora com o Gordini azul, esperando a nossa saída.
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- Vim em paz e lhe fazer
uma proposta.
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- Espero ganhar algum
dinheiro com isso, mas o senhor vai ganhar muito mais.
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-É sobre seu primo Afif
Abdullah...
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Abu, meio aborrecido mas
curioso, pediu que ele dissesse logo o que sabia.
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- Bem, o senhor não tem
nenhum depósito ou galpão de estocagem em Madureira.
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Abu confirmou, balançando
a cabeça.
- Vi seu pai Salim
observando seu primo na loja de doces a distribuir, e revelando cultura
gastronômica libanesa, Belawa, Ataif,Mamul,Halwa e Tamr para a porção de
patrícios que ali estavam.
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Estranhei, como seu pai
também, que um gerente de loja não iria gastar tanto dinheiro assim, a não ser
que estivesse sobrando.
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Senhor Abu, ganho dinheiro
fazendo contratos para descobrir pessoas que desviam verbas de bancos ou de
empresas. Passei a investigar o comportamento de seu “brimo”, como vocês dizem.
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Notei que ele estava
frequentando boates onde gastava fortunas. Tinha comprado um carro do ano,
levava moças para o fundo da loja e certa vez o vi, entregando muitas notas
para uma delas.
Abu ouvia estarrecido.
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-Não tenho contrato com o
senhor, mas o senhor já perdeu muito, e está na hora de parar. Posso levá-lo ao
depósito onde estão as mercadorias desviadas, cujo valor está aqui. Entregou
uma folha de cálculo para Abu.
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Abu fez uma cara de
espanto ao olhá-la.
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-Minha proposta é que o senhor
me pague, como o senhor gosta, com um saco de meio-quilo de notas de cinquentas
dólares, daqueles cinco quilos guardados no cofre da loja depois que recebeu o
que lhe cabia de seu irmão.
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O senhor verá que não é
nem um por cento do que vai recuperar.
Abu não disse nada, viu
que o cara era muito esperto, parecia saber de tudo. Fez sinal para que ele
esperasse, levantou-se e foi falar com o irmão.
Voltou.
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- Está tudo bem! Vamos lá
agora!
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O policial federal:
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-Hoje não! É sábado.Tenho
as chaves, vamos amanhã, tenho um fusca amarelo, taxi; levo o senhor e seus
irmãos.
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E mais, não precisa
assinar nada, eu o conheço bem e sei que honra a sua palavra.
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Domingo bem cedo, estavam
os quatro dentro do depósito em Madureira.
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Os três irmãos se
assustaram ao ver a quantidade de calças, camisas, bermudas, cuecas e outras
peças de vestuário masculino, amontoadas nas prateleiras e até no piso do
armazém. Muitas com placas de papelão escritas:
Vendidas.
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Nomes dos compradores.
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Abu e Nabi foram direto
para a casa do “brimo safado” como Abu a ele se referia.
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Tiraram Afif Abdullah de
casa e o levaram para os fundos da loja onde ele era gerente.
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O outro irmão fretou duas Kombis
e recolheu a mercadoria do depósito.
Afif percebeu que tinha
sido descoberto, ajoelhou-se chorando, pedindo perdão a Abu.
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-Passa o talão de cheques
e assina todos em branco, “brimo safado”! Você vergonha da família! Entrega
chaves! Devia apanhar que nem cachorro!
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No dia seguinte Abu
encontrou-se com o federal no café da esquina da Senhor dos Passos. O saco de
papel era da Casa Pedro, parecia cheio de pistache.
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Abu disse:
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-O pistache não conta no
peso.
Autor:
Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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