terça-feira, 26 de novembro de 2013

CONTOS DO MUNIR 020/2013



Uma história libanesa (Brimo)
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Abu-Gaza tinha vinte anos quando chegou ao Brasil. Vinha de férias do Líbano, mas precisamente da aldeia de Zahle, onde era professor. Seus “irmões” como ele até hoje fala, já estavam estabelecidos no Rio de Janeiro, com lojas no Saara.
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Abu usava terno, era um só, mas bem talhado, parecendo sempre novo. Em Zahle, suas aulas de filosofia eram ministradas com a brilhante oratória de que era dotado, quando citava Platão, Aristóteles Sócrates, Descartes, Kant, Schopenhauer e Nietzche. Tinha estudado em Beirute e seu francês era fluente. Lia Proust no original, no intervalo das classes. Os políticos da região recorriam a ele, para assessorá-los em seus discursos.Uma viúva ainda jovem, com mais vinte anos que Abu, o iniciou nos segredos do amor- e ele parece que gostou.
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Foi fácil para o libanês aprender português. Tão logo chegou ao Rio de Janeiro, comprou os jornais locais e passou a lê-los diariamente e breve falava o idioma tão bem como seus irmãos que estavam no Brasil há alguns anos. As férias- não teve, foi gerenciar uma das lojas de propriedade da família e nisso sua ancestralidade dos comerciantes fenícios o ajudou. O sucesso foi tal que os “irmões” não o deixaram voltar. Cedo, já era sócio da cadeia de lojas que se espalhavam pelo Rio:Nova Iguaçu, Tijuca, Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon.
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As carreiras de professor e de futuro brilhante político (tinha uma visão social acurada) e até a viúva, foram esquecidas. Só não esqueceu os movimentos que fazia quando se deitava no Líbano, em seu colchão, ao rés do piso, dobrando o joelho para deitar-se. Faz isso até hoje, mesmo com a cama alta.
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Anos mais tarde, o irmão mais velho, líder da família, resolveu de comum acordo que era chegada a hora de cada um conduzir seu próprio destino. Sem discussão, sem contratos assinados, foi feita a partilha das lojas e da caixa em dólares, acumulada durante anos - eles não sabiam, foi repartida na ocasião.Todas as notas eram de cinquenta e eram tantas, que eles resolveram não contar e optaram por colocar em seis sacos, com pesos iguais e distribuir pelos seis irmãos. Desde então Abu só faz negócio recebendo dinheiro a quilo.
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A mãe de Abu, Adiba, tinha um sobrinho, Afif, rapaz inteligente, porém mulherengo que estava desempregado, pediu a Abu que o empregasse.
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Abu, lembrando-se da acolhida que tivera por seus irmãos, atendeu o pedido da mãe, colocando o primo como gerente de uma de suas lojas na rua Senhor dos Passos. Acostumado à relação de confiança da palavra empenhada, valendo mais que um fio da barba do profeta, Abu acreditava que Afif prestava contas com a seriedade que ele usava quando sócio no conjunto do comércio.
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O pai de Abu veio do Líbano visitar os filhos, almoçava no Cedro do Líbano, restaurante frequentado pela colônia árabe do SAARA muito próximo da loja de Afif. Estranhou de Afif comprar doces árabes e distribuir por patrícios vizinhos.
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Foi conversar com o filho e alertou-o que alguma coisa estava errada.
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 Abu comentou que talvez ele estivesse comemorando seu aniversário.
Um dia apareceu na porta da loja de Abu um sujeito baixinho, já de certa idade, vestindo um casaco preto que lhe descia até os joelhos.
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-Quero falar com o senhor -disse incisivamente!
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Abu olhou-o dos pés a cabeça,quase que agressivamente-
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-O que senhor quer? O camarada tinha jeito de fiscal.
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-Quero falar com o senhor, mas não aqui na rua, na minha casa, ou na sua; retirando os óculos escuros, entregou um cartão onde estava escrito:
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Manoel Fernando
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Policial Federal Matricula xxxx
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Aposentado Investigações Privadas.
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Rua xxxxx Cep xxxx.
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Tef xxxxxx.
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Mais tarde, Abu ligou e precavido, marcou a conversa em um restaurante em Copacabana.
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O homenzinho chegou num fusca preto.
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Desta vez, calçava sapatos de verniz, havia feito a barba o que o remoçara e estava sem os óculos escuros, o casaco preto era o mesmo. Foi direto para a mesa de Abu.
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-Sei que seu irmão Nabi está sentado ali na outra mesa e está armado. Sei também que o outro seu irmão está lá fora com o Gordini azul, esperando a nossa saída.
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- Vim em paz e lhe fazer uma proposta.
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- Espero ganhar algum dinheiro com isso, mas o senhor vai ganhar muito mais.
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-É sobre seu primo Afif Abdullah...
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Abu, meio aborrecido mas curioso, pediu que ele dissesse logo o que sabia.
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- Bem, o senhor não tem nenhum depósito ou galpão de estocagem em Madureira.
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Abu confirmou, balançando a cabeça.

- Vi seu pai Salim observando seu primo na loja de doces a distribuir, e revelando cultura gastronômica libanesa, Belawa, Ataif,Mamul,Halwa e Tamr para a porção de patrícios que ali estavam.
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Estranhei, como seu pai também, que um gerente de loja não iria gastar tanto dinheiro assim, a não ser que estivesse sobrando.
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Senhor Abu, ganho dinheiro fazendo contratos para descobrir pessoas que desviam verbas de bancos ou de empresas. Passei a investigar o comportamento de seu “brimo”, como vocês dizem.
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Notei que ele estava frequentando boates onde gastava fortunas. Tinha comprado um carro do ano, levava moças para o fundo da loja e certa vez o vi, entregando muitas notas para uma delas.
Abu ouvia estarrecido.

Manoel Fernando, o agente aposentado, continuou:
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-Não tenho contrato com o senhor, mas o senhor já perdeu muito, e está na hora de parar. Posso levá-lo ao depósito onde estão as mercadorias desviadas, cujo valor está aqui. Entregou uma folha de cálculo para Abu.
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Abu fez uma cara de espanto ao olhá-la.
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-Minha proposta é que o senhor me pague, como o senhor gosta, com um saco de meio-quilo de notas de cinquentas dólares, daqueles cinco quilos guardados no cofre da loja depois que recebeu o que lhe cabia de seu irmão.
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O senhor verá que não é nem um por cento do que vai recuperar.
Abu não disse nada, viu que o cara era muito esperto, parecia saber de tudo. Fez sinal para que ele esperasse, levantou-se e foi falar com o irmão.
Voltou.
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- Está tudo bem! Vamos lá agora!
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O policial federal:
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-Hoje não! É sábado.Tenho as chaves, vamos amanhã, tenho um fusca amarelo, taxi; levo o senhor e seus irmãos.
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E mais, não precisa assinar nada, eu o conheço bem e sei que honra a sua palavra.
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Domingo bem cedo, estavam os quatro dentro do depósito em Madureira.
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Os três irmãos se assustaram ao ver a quantidade de calças, camisas, bermudas, cuecas e outras peças de vestuário masculino, amontoadas nas prateleiras e até no piso do armazém. Muitas com placas de papelão escritas:
Vendidas.
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Nomes dos compradores.
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Abu e Nabi foram direto para a casa do “brimo safado” como Abu a ele se referia.
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Tiraram Afif Abdullah de casa e o levaram para os fundos da loja onde ele era gerente.
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O outro irmão fretou duas Kombis e recolheu a mercadoria do depósito.
Afif percebeu que tinha sido descoberto, ajoelhou-se chorando, pedindo perdão a Abu.
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-Passa o talão de cheques e assina todos em branco, “brimo safado”! Você vergonha da família! Entrega chaves! Devia apanhar que nem cachorro!
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No dia seguinte Abu encontrou-se com o federal no café da esquina da Senhor dos Passos. O saco de papel era da Casa Pedro, parecia cheio de pistache.
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Abu disse:
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-O pistache não conta no peso.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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