quarta-feira, 22 de julho de 2015

CONTOS DO MUNIR 010/2015



Professor de Física
COM UM POUCO DE TOM VERMELHO
Conheci Leonilda no antigo Colégio Vera Cruz, talvez o único com piscina no Rio. Ficava na Tijuca na Rua São Francisco Xavier, bem pertinho do Colégio Militar. De vez em quando, saía um barraco entre seus alunos.
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Leonilda era de uma turma abaixo da minha, namoramos todo o tempo de colegial, cabelos castanhos, não era nenhum tipo de beleza, mas atraía pelo porte físico, tinha mais de um metro e setenta, usava saltos altos, sua conversa, inteligente.
Acreditando ser a mulher de meus sonhos, terminei casando com ela, tão logo nos formamos. Ela em Administração, eu em Física.
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Sempre detestei concursos, entrei para a Universidade por uma bolsa de estudos, era bom aluno.
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Leonilda passou em primeiro lugar na Receita Federal e logo promovida a Chefe de Auditoria.
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Eu dava aulas em vários colégios, tendo de correr de um para outro. Comprei uma moto, me arriscando, como os entregadores de pizza, no trânsito do Rio.
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Minha mulher, de automóvel, possuía vaga privativa no prédio onde trabalhava.
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Leonilda era estéril, pensamos a princípio em adoção, um exemplo em família nos fez desistir. Também não tínhamos nem cachorro, gato ou passarinho. Sempre tive vontade de ter um filho, um gato ou um cachorro; passarinho, não; crueldade prender na gaiola. Quando menino, eu tive uma cadelinha que me amava.
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Nas férias, viajávamos para Paris, Nova York e toda a Europa. Cada viagem era uma nova lua-de-mel.
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Nos primeiros anos de nosso casamento nós fazíamos sexo às claras, depois eu mesmo apagava as luzes.
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Leonilda passou a usar de artifícios para apimentar a relação, creio que se matriculou secretamente em algum curso especializado.
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Vestia-se de menina de colégio, de odalisca, de babá, de garota de programa, de marinheira e outras tantas fantasias usando máscaras pretas, lingeries sensuais, meias arrastão, algemas e até chicotinhos.
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Sempre calçando sapatos vermelhos Loubotin de saltos de cristal.
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Perfumava-se com Chanel e me untava com cremes de sabores morango ou chocolate que depois ela degustava.
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O tempo inexorável, entretanto, fazia seu efeito, já estávamos completando quase trinta anos de casados e os efeitos especiais viraram rotina.
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Eu continuava na minha batida cansativa de professor, e nem mesmo a Física Quântica, que passei a estudar, me animava.
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Para nos curar da mesmice, tivemos a ideia de viajar pelo Brasil de carro. A primeira parada seria São Paulo.
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Um novo Shopping acabara de ser inaugurado. Só lojas de grife, fomos ver.
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Leonilda encontrou uma vaga, no estacionamento quase lotado, no quinto andar a uns vinte e cinco metros de altura. A vista maravilhosa para o Viaduto do Chá. O automóvel, ao lado do nosso, saiu, liberando o espaço. A mureta reforçada de uns oitenta centímetros defendia possíveis quedas de veículos.
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Minha mulher ficou bem próxima ao murinho, no espaço da vaga liberada. Sua altura acrescida pelos sapatos ultrapassava de muito a proteção construída.
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A imaginação do professor de Física se pôs a trabalhar, calculei que, na posição em que se encontrava um pequeno desequilíbrio formaria uma alavanca que a precipitaria no espaço. Percebi também que estava no ponto cego do retrovisor.
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Ela deslumbrada com o visual, não percebeu o Mercedes, que de ré estacionava. Mercedes são carros muito silenciosos.
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Li uma vez que o Presidente da Mercedes Benz ouviu do Diretor da fábrica, que o único ruído que se escutava era o tic-tac do relógio, no que ele retrucou: tira o relógio.
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Leonilda caiu no piso do Shopping, estatelando-se a uma velocidade destrutiva. Teve, é claro, morte imediata.
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Na hora fiz o meu papel de marido desesperado.
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Era casado com Leonilda em comunhão de bens. Passei a receber a pensão de Auditor.
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Afinal, professor no Brasil ganha pouco.
Né?
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

quinta-feira, 16 de julho de 2015

CONTOS DO MUNIR 009/2015



VESTIDO VERMELHO CABELOS LOUROS
Uma história de amor no Leblon.
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Roberto estava no Rio de Janeiro depois de muitos anos de ausência, havia trazido da América, onde morava, seu cão Cavalier.
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Era um domingo de sol, a Avenida Delfim Moreira fechada para o trafego de veículos convidava o passeio.
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O rosto de uma senhora loura, na calçada acenando com refrigerantes nas mãos para dois rapazes que surfavam, chamou sua atenção.
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Eles correram em sua direção.
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Roberto:
- Heloisa?
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Apresentando os dois surfistas, quase da mesma idade, ela disse:
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Este é o Luiz Fernando que você viu pequenininho, e esse aqui é o Zug, você não chegou a conhecer, e olhando na coleira do Cavalier leu o nome: Zug.
Sorriu.
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Roberto D’Alzug seguia com seu Karman Ghia para São Conrado onde morava.
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O sinal fez com que ele parasse na altura do hotel.
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A loura, cabelos soltos, atravessava a rua conduzindo um carrinho de bebê cor vermelho vivo como o seu vestido, um pouco aberto em sua parte superior. Os grandes botões pretos, semelhantes aos usados em jogos de futebol de mesa, não alcançavam as casas. O vestido comprara há um ano, embora tenha quase voltado ao peso anterior à gravidez, seu busto ainda se mostrava entumecido.
Heloisa, era seu nome, estava hospedada no Sheraton, seu guri estava com um mês de nascido.
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Recém-separada mudara-se para o Leblon, aguardava no hotel a obra de seu apartamento.
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Passou muito próxima ao automóvel de Roberto. Ele não pôde deixar de notar a beleza da jovem e comentou:
-Bonito o seu carrinho.
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Ela:
-O seu também.
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Roberto interrompeu sua viagem, parou o carro no estacionamento do hotel, foi ao encontro da moça. A encontrou sentada no saguão tomando um café. Ela sorriu.
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Um sorriso convidativo, ele sentou-se.
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Ficaram conversando até perceberem que o tráfego na Niemeyer se tornava pesado e Roberto achou que era hora de voltar.
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Marcaram de se ver no mesmo local no dia seguinte.
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A centelha da paixão incendiara seus corações, a ansiedade se apossara de ambos.
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À tarde do outro dia fez Roberto voltar ao seu tempo de menininho de colo, e fartar-se nos seios de Heloisa.
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O apartamento na José Linhares ficara pronto, Heloisa se mudara.
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Roberto saía do escritório direto para lá, o colchão ainda sem o estrado da cama. Ali faziam amor, o bebê no carrinho vermelho, amamentado, dormia quietinho.
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Semanas voaram e o amor aqueceu ambos, no outono e no inverno.
Heloisa fora casada com um ator de TV cerca de três anos.
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Roberto vinha adiando, por causa desse romance, sua ida para a Universidade nos Estados Unidos onde faria seu mestrado e doutorado em Direito Internacional.
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Já era noitinha, Roberto saindo do apartamento de sua querida, sentiu que estava sendo seguido, foi abordado na altura do bar Bracarense.
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Senhor:
-Sou o marido de Heloisa, o senhor não me conhece, mas sei quem é o senhor, que é advogado, casado e tem dois filhos, sei também onde trabalha e onde mora.
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Estou tentando reconstruir minha família.
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Disse isso sem rancor, e quase de forma humilde.
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Roberto emudeceu, mais tarde ligou para Heloisa, deu a desculpa que tinha sido chamado a São Paulo e lá ficaria por duas semanas.
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No domingo seguinte embarcou para a Califórnia onde faria seu curso. Sua família viajaria mais tarde.
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Tornou-se docente da Universidade fixando residência nos Estados Unidos, raramente vinha ao Brasil e quando acontecia era São Paulo em Congressos ou proferir conferências na USP.
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E o tempo passou...
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 15 de julho de 2015

CONTOS DO MUNIR 008/2015



O ARMAZÉM DO CAFÉ E CACHORRINHOS
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Não só de mazelas tem o Leblon, há o outro lado nesse bairro tão nosso e único.
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O Leblon também tem alegres olhos: o feliz, belo e resplandecente.
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As atendentes do Armazém do Café: Sonia, com sua alegria aos nos dar boa-noite de carinha oval risonha de WatsApp; Ângela, feliz com a barriguinha de seu segundo filho, diz que encerra o seu ciclo de procriar. Joelma, moça suave encabulada com as brincadeiras do Mou. Silvia que aprendeu a dizer “Prego, resolveu estudar inglês.
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Clientes: Valentina, a professora, é mãe da Melanie, a jovem loura, alta, olhos azuis, linda, formada em Direito, estuda para Prático de Marinha. Tem esse Physique du Role.
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O Mou é libanês e como eu, que sou filho, tem o nariz grande, acho que o dele é um pouquinho maior, quando toma o maquiato fica a marca lá no apêndice. Não tem cão, mas a neta tem um teimoso.
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Alguns fregueses têm cachorrinhos, o meu é o Zug, um cavalier de pelagem branca e manchas castanhas vivas, a cor é chamada “blenheim”.
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O do Ferreira é um Yorkshire abusado que odeia cães de maior porte, avança desesperado. O Pitoco, cãozinho da mulher de meu filho, da mesma raça, age de igual maneira. Deve ser ciúme do dono.
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Dra. Dóriane tem um Chow-Chow, cão de meio porte, parece um leão em miniatura, tem a língua roxa, chama-se Hope.
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Xodó, o cão do Ferreira gosta dele.
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Gilberto também tem o Tico, um Bixon Frisé, nós nunca o vimos. 
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A psicóloga elegante tem um Poodle, a amiga dela tem um West Terrier. As duas são fumantes e ficam no banco fora do toldo para pitar seus cigarrinhos.
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Agora temos uma nova amiga: a Creusa, diretora de cinema, veio dos Jardins em São Paulo, também tem um cãozinho chamado Lolo que adora brincar com o Zug.
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A cirurgiã plástica Paula formou-se em Nova York, passa uma semana lá dando consultas, tem uma cadela vira-lata muito bem tratada, chamada Sofia, ela diz que é parisiense, foi adotada na Praça Paris no centro da cidade.
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A Heloisa, dona de fazenda no Paraná, tem o Sheik, um Poodle grande, também amigo do Zug, de vez em quando se estranham.
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Às vezes, a minha filha aparece lá com a Marrie, avó do Zug, ele não reconhece mais, a trata como uma fêmea. Macho Alfa que ele se acha, só porque cruzou com uma cadelinha da mesma raça dele. Verdade que precisou de um apontador para ajudá-lo.
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A Marrie é a matriarca de muitos Cavaliers que andam pelo Leblon, um dos seus filhos foi adquirido por um canil que vende as crias a mais de cinco mil reais.
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A menininha de cinco anos encantou-se com o Zug, os pais compraram um da mesma raça e cor, ela disse que o cãozinho já comeu um tênis, uma calça da mamãe e duas sandálias. Como achei o Flog gordinho, ela disse que dá muita comida pra ele. 
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Isso acontece no mundinho do Armazém da Rita Ludolf.
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Do outro lado da rua, a Flora passa em frente à Colher de Pau com seus Poodles.
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O povo do Leblon gosta de cães, no domingo algumas ONGS de animais levaram para a Praça Cazuza uns vinte vira-latas para adoção, todos de banho tomado e bem tratados, não sobrou nenhum.
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A Mara, de rosto oval, cabelos curtinhos é uma das moças do Arpoador, usa shortinho tem um Shih Tzu.
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Seu pai era oficial de Marinha, servia nos Estados Unidos, ela nasceu a bordo de um navio quando sua mãe regressava ao Brasil. Como estavam na costa americana, adquiriu dupla nacionalidade. Apenas arranha o Inglês.
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Matriculou-se no curso ali na San Martin. Nos dias de aula passa sempre em frente ao Café. Quando trabalhava no Metro do Rio era considerada a miss de lá.
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Esse é o pessoal do lado de fora.
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O público do ar condicionado é mais formal, tem a trigueira, bela e elegante, sempre de calças compridas e cabelos pretos curtos. Às vezes, se senta com um senhor que usa um táblet, outras, só toma um cafezinho e vai embora.
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No outro dia, coisa rara, apareceu de short, deu para ver; não precisa esconder as pernas.
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A moça, doutora, quase sempre de azul, tem sua mesa preferida, lembra uma artista dos filmes da Ingrid Bergman.
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A outra jovem de porte atlético, já divorciada espera o namorado que surge, sem falha, com uma rosa vermelha.
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A Lou gosta de ler o Jornal enquanto toma seu café.
Luciana mora em São Conrado e em Kuala Lumpur e, talvez por isso, fica dentro ou fora.
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Não sei se todos (as) usam cremes maravilhosos, o fato é que ninguém tem código de barras, - figura de linguagem, creio que hipérbole, clonada de colunista-, acima do lábio superior.
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Creio ser o milagre do cafezinho do Armazém
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Continua...
Uma história de amor no Leblon
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com