domingo, 28 de julho de 2013

CONTOS DO MUNIR 011/2013



SALÃO DE FESTAS
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Alice completa hoje quinze anos, nasceu ali no Leblon, estão todos lá em um lindo salão de festas no prédio, enfeitado com rosas vermelhas e orquídeas brancas.
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Alice está feliz, seu avô, cabeça branca, que ela tanto ama, a abraça e lhe entrega uma linda pulseira de ouro. O síndico do prédio também presente, agora sem a bela cabeleira negra de que tanto se orgulhava, a beija no rosto e ela sorri.
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O teto do salão, em forma de abóboda, tem proteção acústica; o DJ, fã de jazz romântico, toca Nanda Martins e Louis Armstrong seguidamente.
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A garotada do Santo Agostinho, (o único ginásio que ficou, o Saint Patrick fechou abruptamente) dança. Muitos moram nas proximidades, filhos de oficiais que compraram seus apartamentos através das Cooperativas Habitacionais de seus clubes. Hoje seria muito difícil um jovem tenente ali residir. Só o aluguel iria consumir metade de seu salário. À época, o Leblon não era um bairro sofisticado, os preços dos imóveis se comparavam aos da Tijuca. São muitos edifícios e o conjunto foi apelidado de Selva de Pedra, outrora Praia do Pinto, área pantanosa; favela que muita gente diz ter sido destruída por um incêndio criminoso. Seus moradores foram realocados na Cruzada São Sebastião, no Complexo da Maré e Vila Kennedy, Avenida Brasil. Naquele tempo os conjuntos ainda não se chamavam Che Guevara ou Lamarca.
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A história do salão de festas faz parte da história de Alice, ela nasceu nesse prédio onde ainda mora no primeiro andar.
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Sua mãe, há quinze anos atrás, não compareceu à reunião do condomínio convocada para a construção do salão e aprovada pela totalidade dos presentes.
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A derrubada das paredes fez muito barulho, ela reclamou, desconhecia o que estava acontecendo.
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Seu pai morava no prédio vizinho, além de militar era advogado, ele e o síndico do prédio de Alice, também militar, eram amigos, os casais saiam para o cinema e jantar juntos. A amizade terminou com a queixa da filha e a instauração de um processo contra o Condomínio, movido pelo advogado para impedir a construção do salão.
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Em primeira instância a obra foi embargada. Com o recurso do Condomínio por um grande escritório de advocacia, liberada. Novamente obrigada a parar; e outra vez, continuada.O tempo passando, os operários ora parados, ora trabalhando. O salão pronto, mas interditado.
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O escritório de nome, por estar caro, foi substituído por uma jovem advogada que surpreendentemente ganhou a causa, agora em julgamento final.
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Alice está feliz, inaugurando o salão. Seu avô e o síndico fizeram as pazes.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

sexta-feira, 12 de julho de 2013

CONTOS DO MUNIR 010/2013



Ciúme
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Quase meia-noite de um dia do princípio de Julho, a lua, no alto do céu, desenhava um “D” maiúsculo, mínimo e brilhante, na fonte “papirus”, indicando o término do quarto minguante. Estamos no hemisfério Sul, mais precisamente no Leblon, Zona Sul do Rio. A rua é a Rita Ludolf; o restaurante, japonês, o Origami.
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A moça chegou, vestia um conjunto preto, a calça comprida justa revelava o contorno atraente de suas pernas torneadas, um debrum branco atenuava a seriedade da roupa. A blusa rosa de gola rolê a protegia do frio da noite, bolsa rosa, Victor Hugo a tiracolo.
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Cabelos louros, longos, emolduravam um rosto bonito, porém sério. Sua única joia, um anel de ouro, na extremidade, a cabeça de uma pantera. Em um dos pés, a sandália, preta, salto alto de uma tira, deixava a mostra a tatuagem de uma camélia negra.
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 Camélia Negra, Poesia de Souza Caldas.
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-Por isso vos espera- O dia da Vingança!.
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Parada, atrás da árvore com orquídeas azuis, rosas e brancas, dando um toque oriental ao restaurante em frente. De vez em quando, olhava, como se procurasse alguém.
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Era sábado, trinta minutos antes, sentindo-se só-(seu namorado fora a São Paulo, negócios com japoneses, e regressaria domingo) ligara para Luiza, sua amiga, chamando-a para jantar.
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A amiga surpresa:
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- Mas, Nicole você não está já jantando? Passei de carro pela Rita Ludolf e vi de relance o Marcelo entrando no Origami.
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Nicole se desculpou. Com a cabeça a mil, partiu para o restaurante.
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Na mesa dos fundos, duas taças de vinho tinto, Marcelo sentado e a outra cadeira vazia, uma esperança assomou seu coração, logo desvanecida ao ver Natasha saindo do toalete, sentando-se , não sem antes beijar Marcelo.
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O primeiro impulso de Nicole foi entrar, e armar um barraco. Controlou-se, permaneceu ali imóvel, a raiva contida.
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O Armazém do Café, ao lado do Origami, estava quase cerrando as portas, quando Pedro, recém-chegado do cinema, entrou, pediu uma sopa de cenoura com agrião e hortelã. Ficou ali sozinho, a moça que servia, disse que as torradas tinham acabado, talvez ele desistisse. Pedro insistiu.
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Do lado de fora, duas mulheres fumantes enfrentavam o frio.
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A atendente falou que iria fechar as portas, para que ninguém mais entrasse.
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Nicole sentiu vontade de tomar um café, ao ver que tinha alguém no Armazém, bateu na porta. A garçonete fez sinal que estava fechado. Pedro pediu que abrisse, mentindo que a moça estava com ele.
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Nicole sentou-se junto a Pedro, pediu um macchiato .
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Ficaram ali conversando, Pedro é um cara divertido, conta e inventa histórias.
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Silvania, a atendente, não parecia estar gostando muito da demora e Pedro deixou disfarçadamente, em suas mãos, uma nota de cinquenta reais.
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Por um movimento aparentemente involuntário, um dos pés de Nicole tocou a perna de Pedro. Uma corrente eletro-orgânica percorrendo o corpo deles, catalisou uma química erótica entre ambos.
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Silvania já não estava tão amigável.
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As duas mulheres do lado de fora já tinham fumado os seus últimos cigarros, esvaziado os cálices de vinho do Porto e pedido a conta.
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Pedro perguntou a Nicole se não gostaria de prolongar a conversa em outro lugar. Sabia de uma boate na Urca chamada Zozô.  Afinal era sábado, ou melhor, já era domingo, ponderou Nicole dizendo que não estava em um momento de se ver cercada de gente.
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Pedro disse que morava ali ao lado e se ela não gostaria de subir ao seu apartamento escutar um pouco de música ou ver um filme.
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Nicole aceitou e foram à cobertura onde Pedro morava, bem perto, passaram em frente ao Origami, ela nem sequer moveu a cabeça.
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Por uma escada de ferro em caracol chegaram ao terraço. O céu estava sem nuvens, a lua no Zênite ainda mostrava o “D”.
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Pedro resolveu fazer uma brincadeira com Nicole,apontando para a lua, perguntou se era quarto crescente ou minguante.Ela que já havia morado em Paris, surpreendeu Pedro sorrindo, dizendo que se fosse no hemisfério Norte, o “D” seria de crescente, mas aqui no seu terraço é minguante, de decrescente.
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Na rua, gente correndo, gritando e fugindo das bombas de gás lacrimogêneo que a polícia lançava sobre os manifestantes, que, na Vieira Souto, a uma quadra dali, protestavam contra o Governador.
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Desceram para a sala, Pedro ligou a TV em música no ritmo de Blues, afastaram a mesa de centro e começaram a dançar. Rosto e corpos colados, pareciam dois adolescentes enamorados. Tomaram vinho tinto, Nicole não acostumada com bebida, adormeceu no sofá. Acordou ainda de madrugada descalça, Pedro tinha tirado suas sandálias e notado a camélia negra.
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Nicole pediu a Pedro que apagasse a tatuagem, era Henna e não precisava mais dela.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com