sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

CONTOS DO MUNIR - 30

GILBERTO DUVAL DA SILVA
Era uma vez um garoto que se chamava Gilberto Duval da Silva.

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Carioca, talvez nem precisasse ser dito, como se verá pelo que ele aprontou. Nasceu em Botafogo, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, filho de Eriberto da Silva e Gilda Duvalina e daí a origem de seu nome.

Era um menino que adorava o mar. Do mar, os barcos à vela. Tinha uma paixão especial pelo Navio-Escola Almirante Saldanha, um lugar-escuna de quatro mastros e que navegava com suas velas brancas enfunadas, levando aspirantes e guardas-marinhas.
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Fez, por essa razão, exame para a Escola Naval e, embora não fosse muito de estudo, passou. Seu sonho era viajar naquele Cisne Branco.
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A rotina na Academia Naval começava com alvorada às 05h30min horas, toque de corneta e tambores, que os alunos musicavam assim: “Ai meu Deus que vida apertada! Paisano dormindo, aspirantada acordada!”.

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Uma corridinha de oitocentos metros na pista; um suco de laranja ou de tomate; intervalo para arrumar cama; higiene pessoal; café da manhã e formatura para cerimônia da Bandeira Nacional. Seguiam-se as aulas, intervalo de almoço, aulas de novo até ás duas horas da tarde, quando se iniciava o período de prática desportiva. Ao pôr do sol, nova formatura para arriar a bandeira. Após o jantar, estudo em sala até as nove da noite, ceia e às 21h30min horas o toque “fúnebre” de Silêncio.
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Quando Gilberto soube que a Marinha havia mandado cortar os mastros do Saldanha, seu ânimo, que já não era muito, arrefeceu, levando-o a abandonar o curso.

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O ex-aspirante passou a freqüentar o Iate Clube com a carteirinha da Escola Naval. Sendo bom velejador, era disputado como tripulante dos veleiros que corriam regatas. Inspirava tanta confiança que os donos deixavam seus barcos à sua disposição, quando não os estavam usando. Nessas ocasiões, nosso herói sentia-se rico, cobiçado por muitas meninas.

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Em determinada oportunidade chamaram Gilberto para uma regata oceânica. Foi para Miami e gostou tanto que resolveu ficar por lá. Mudou de nome e passou a se chamar - Gilbert Düval, sem o Silva que era o sobrenome do pai. Gilberto, agora Gilbert, trabalhava na marina de Miami. Inicialmente cuidando das embarcações e, logo depois, tripulante. Observou que lá, como no Rio, durante os passeios, quase todos tomavam uísque, vodka e cerveja. Ficavam bem alegres. Como ele não fumava e nem bebia, em algumas ocasiões o veleiro ou a lancha permanecia por sua conta.

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Entretanto, isso não estava rendendo muito dinheiro. O Gilbert, já um pouco mais velho, tinha outras aspirações: vontade de possuir um Cadilac. Custava muito caro. O jeito era procurar um emprego de motorista. Viu nos classificados do “Miami Herald”, que uma senhora buscava um chofer para carros de primeira linha: Mercedes, Rolls-Royce e Cadilacs.

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Com o nome francês, Gilbert Düval apresentou-se; boa aparência, fluente em inglês. Na entrevista foi perguntado se conhecia aqueles automóveis, respondeu que sim. Impressionando pelo seu desembaraço, foi admitido e mandado a uma alfaiataria para confecção de suas roupas. Iniciaria seu trabalho na semana seguinte. Restava um porém; nunca havia dirigido aqueles carros.
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Nosso Gilbert ficou conjeturando como sairia dessa. Teve a idéia de ir a uma revenda de carros caros e disse ao vendedor que estava por escolher e comprar um Cadilac, uma Mercedes ou um Rolls-Royce. Solicitou que alguém o acompanhasse e lhe dissesse as vantagens de um e outro carro. Experimentou os automóveis por dois dias e ficou de pensar na sua decisão.

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Quando ele voltou na semana seguinte ao local onde havia sido contratado, já de terno azul, estava perfeitamente familiarizado com os carros.
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A senhora, que era casada com um grande empresário, perguntou a Gilbert, se ele não gostaria de ganhar um pouco mais. Disse que seu marido chegava sempre por volta das seis horas da tarde e o que ele mais gostava de fazer era sentar-se em sua poltrona predileta e tomar seu uísque preferido. A nova atribuição do Gilbert seria preparar a bebida e servi-la. Depois disso estaria liberado. Claro que o Gilbert concordou.
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Tão bem desempenhou seu papel que o nosso “artista” passou a ser figura obrigatória nas festas promovidas pelos seus patrões. Servia de manobreiro dos automóveis dos convidados a barman de drinques especiais. Gostava de ser apresentado como “este é o nosso Gilbert Düval”, com pronúncia afrancesada, e ver o efeito que causava.
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Em uma dessas recepções, o barman Gilbert conheceu uma divorciada italiana, chamada Giovana, morena de uma beleza mediterrânea, amiga do casal e também muito rica. A moça tinha olhos que pareciam duas grandes pérolas negras, não saía de perto do bar, nem que bebesse tanto assim. A química fez seu efeito sem álcool. Era fácil perceber que se sentiam atraídos.
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Depois de algumas recepções, o motorista Gilbert deixou o emprego e foi trabalhar de amante da linda italiana. Tinha agora dinheiro, automóvel, se vestia com ternos Armani que realçavam sua bela figura. Bem tratado, mais atraente, Gilbert Düval não soube resistir ao charme das amigas de sua Giovana. Passado algum tempo, acabou perdendo o bom cargo, demitido pela italiana e como era “diretor”, não teve direito nem a aviso prévio.
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Nosso “astro” tinha que recomeçar sua vida. Seu antigo emprego de motorista já estava ocupado por outro latino esperto. Gilbert voltou para a marina. Trabalhando duro, granjeou de tal forma a fé dos milionários americanos que passaram a lhe pedir para que transportasse seus veleiros e lanchas oceânicas para outras partes do mundo. Passou a ganhar mais dólares e comprou um Cadilac velho e uma casa em Biscayne.

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Certo dia, Gilbert Düval, agora piloto naval com prática reconhecida, recebeu oferta irrecusável. Trabalharia somente para a “Columbus Small Ships”. Suas obrigações seriam levar veleiros e lanchas para a Riviera, retornaria de avião e, mais tarde, iria buscá-los de volta.
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A empresa comprou para ele uma nova casa, mais perto da marina, um Cadilac um pouco mais novo e ainda lhe deu um cartão de crédito, com os gastos, até um limite bem alto, por conta da companhia.
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Se Gilbert Düval soubesse o que estava transportando, além das embarcações, teria recebido muito mais. A sua sorte foi que seu interesse maior era o de estar no mar.
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Como eram barcos modernos, tinham sua navegação computadorizada, piloto automático, radares com alarmes de colisão e outras parafernálias eletrônicas de segurança. Gilbert viajava quase sempre só.
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Notava que ao pegar os barcos de volta, as balsas e coletes salva-vidas eram sempre novos.
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Certa vez a Companhia lhe deu a incumbência de entregar, em uma mansão da Côte d’Azur, uma bicicleta “Cannondale” de fibra de carbono, amortecedores dianteiros e traseiros, freios a disco e outras que tal. Saiu do barco pedalando.
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No percurso Gilbert foi detido pela policia francesa. Acreditou estar sendo preso por contrabando. Para sua surpresa foi levado para uma seção especializada em repressão ao tráfico de drogas. Lá desmontaram o quadro da bicicleta recheado de um pó branco e fino.

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O inferno astral de Gilbert voltara. Amargou um ano e oito meses na cadeia, acusado de traficante, com interrogatórios sucessivos e sem dar respostas que o ajudassem. Realmente pouco sabia. Teve confiscado o cartão de crédito, o carro e a casa. Foi liberado após a conclusão do inquérito.
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Desencantado, Gilbert viajou para o Rio de Janeiro, montou uma escolinha de vela no Iate, deu aulas de inglês e conseguiu pensão do INPS. Está morando em uma cobertura de Ipanema com uma viúva espanhola, um pouco mais velha, ainda atraente, que não lhe dá boa vida, mas o deixa livre.

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Passou a gostar de chope e pode ser sempre visto com seu copo em um antigo bar do Leblon. Comprou uma Mercedes prateada, ano 80.

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Retomou seu antigo nome - Gilberto Duval da Silva. É feliz e diz que esta é a vida que pediu a Deus. De vez em quando é chamado para levar um barco para o estrangeiro. Só aceita quando não é para a Riviera!

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Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ARTIGO DO GUI

CARNAVAL CARRUM NAVALISCARNEVALE:
”tempo em que se retira o uso da carne”.
Homem das cavernas, em volta da fogueira, dança, música, celebração. Egito 6000 AC Deusa ISIS, rituais, fertilidade, colheita, lavouras a margem do Rio NILO. Grécia incrementou BEBIDA, SEXO, cultos ao Deus DIONÍSIO. Aos primeiros raios do SOL da primavera, séqüito de SÁTIROS, pés, pernas de bode, habitantes das florestas, NINFAS, saudados pelos fiéis, ALGAZARRA VIOLÊNCIA, TRAGÉDIA. Roma,bacanais, saturnais, lupercais, Deuses BACO, SATURNO, PÃ. Crítica político-social, sátira aos governos e governantes. Renascimento Europeu. Veneza. Carros-navios, homens e mulheres nus abriam festejos. Saturnálias. Tribunais, escolas, fechavam. Escravos alforriados, povo dançando nas ruas, euforia geral! Senado Romano 186 AD proibiu bacanais, desordens, escândalos. Sacerdotes PÃ saiam nus dos templos, banhados em sangue de cabra, lavados com leite, capa de bode, açoitando pessoas com correias e as virgens se tornavam férteis num só grito:OBAMA é MENGÃO CAMPEÃO!! Civilização judaico-cristã: abstinência, culpa, pecado,castigo, penitência, redenção: CONDENAÇÃO. Séc.XV Papa Paulo II, evolução, estética,baile de máscaras, permitiu em frente ao seu palácio na Via Lata o carnaval romano. Proibiu orgias sexuais, substituídas por corridas, desfiles, fantasias, deboche, morbidez, tornando-se ordeira, regrada, de caráter artístico, bailes, alegorias. COLOMBINA, PIERRO, REI MOMO.
Nietzsche:arte, justificativa para o sofrimento do homem. Carnaval é trégua, alívio da hipocrisia social e medo do corpo. CASTAS, HIERARQUIAS, nobreza, campesinato, escravos criticando senhores, nitidamente separados por classes onde acentuam-se libertinagens, licenciosidades, VÁLVULAS de ESCAPE. Séc. XVII ENTRUDO português, pessoas jogavam ÁGUA, OVOS, FARINHA num período anterior a QUARESMA significando LIBERDADE. Brasil Séc.XIX, blocos, cordões, “corsos”, carros presos por serpentinas, confetes, desfilando nas avenidas. Dom Pedro I e seu filho Pedro II, limões de cheiro, brincavam na Quinta da Boa Vista, longe do povo. Governador Brizola, Prof. Darcy Ribeiro e arquiteto Niemeyer criaram o sambódromo, imitado por todo o Brasil, misto de ESCOLAS durante o ano letivo e outros eventos artísticos. Meus avós se conheceram no carnaval.

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Apesar de católicos fervorosos, fui criado com todas as fantasias: cada ano, MORCÊGO, DIABINHO, REI dos DIABOS, MORTE, CLÓVIS, SUJO, etc...

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Comprávamos bexiga de boi no matadouro de Santa Cruz e batíamos no chão com tremendo barulho. Meus cunhados, decepcionados com o desânimo do carnaval de rua, nos levou para um condomínio no Méier. Mais de 30 crianças com largas fantasias de cetim super- coloridos, colete de veludo preto circundado por arminho e mil enfeites. As famílias olhavam perplexas pelas janelas, e o choro das crianças, misto de alegria, nervosismo e espanto. No final do espetáculo, as mães traziam os seus filhos, levantávamos as máscaras, emprestávamos a bexiga e brincávamos como nunca. PUREZA, ALEGRIA, INOCÊNCIA, ENTUSIASMO.

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Pasmo quando vejo que marginais usam fantasias para assalto. Quem sabe, algum dia, teremos as BRINCADEIRAS SADIAS, CORAÇÃO ALEGRE ESPONTÂNEO, EXPLODINDO ENERGIA e FELICIDADE. Assim como Jó nunca perder a ESPERANÇA.

Francisco Apocalypse Dantas Médico Escritor

e-mail apocalypsedantas@uol.com.br

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

CONTOS DO MUNIR - 29

A OVELHA AZUL
Era uma vez um pastor de ovelhas que tinha um rebanho todo branco e uma única ovelha azul, isso há muito tempo. O pastor a chamava Nilii. Era dócil e acostumada à presença humana. Por ser rara, era muito valiosa. Da origem de sua cor, pouco se sabia.
O pastor era muito orgulhoso de sua Nilii, tendo recusado boas ofertas para vendê-la. Muitos o invejavam. Conhecedor de seu tesouro procurava afastá-la dos machos do rebanho. Evitava assim que ela procriasse. Receava que as crias tivessem outra cor, desvalorizando-a.
Um dia, o pastor ouviu dizer que, em outro país, muito longe dali, havia um criador de ovelhas que possuía um carneiro azul. Pensou se não seria bom levar sua ovelha até lá, e dividir as crias com o proprietário do carneiro. Isso o obrigaria a atravessar um oceano e correr o perigo de ter sua carga preciosa roubada. Resolveu, então, pintar sua ovelha de branco, com o propósito de evitar a curiosidade e diminuir o risco na viagem.
Seguiu com sua ovelha. No barco tudo ia muito bem. Outros passageiros também conduziam animais. Junto com eles, o pastor e sua ovelha nem sequer eram notados.
Um dia, o tempo escureceu, nuvens pesadas cobriram o sol, uma violenta tempestade se abateu sobre a embarcação. O mar enfurecido varria o convés com enormes ondas e a todos molhava, a ovelha de branca se tornava azul pela tinta a dissolver.
Os demais embarcados ficaram muito impressionados, porque a tempestade serenou quando a ovelha ficou toda azul. O sol apareceu e sua lã, muita limpa pelo banho tomado, resplandecia.
Todos começaram a chamá-la de Nilii, que em árabe significa azul. Ela atendia, porque assim era o seu nome, o que causava ainda maior espanto.
O pastor era muito carinhoso com sua ovelha e ela correspondia, aconchegando-se a ele. Todos acharam que o pastor tinha algo de santo. Na verdade, era um homem bom, em sua aldeia, muito querido.
O barco seguiu para o porto de destino...
Era um país estranho, com muita gente, e a falar uma língua esquisita que o pastor não compreendia. Todos tinham a pele amarela, aparentavam estar sempre ocupados, apressados e preocupados. Seus olhos eram repuxados. Notaram a ovelha azul com aquele homem diferente e indicaram, para o pastor, o caminho para a casa do dono do carneiro.
Parece que criadores de ovelhas possuem uma linguagem própria, e eles logo souberam o que queriam. Depois de algum tempo, o pastor entendeu que sua ovelha e o carneiro eram chamados, por aquele povo, de filhos do “Yang-Tse-Kiang” ou rio Azul, (assim chamado por causa dos reflexos azuis em suas águas de rochedos em suas margens), que descia das montanhas chinesas e passava por aquela região.
Muito conversaram, no idioma dos pastores, e acertaram que a primeira cria seria do dono do cordeiro. De primeira, nasceu uma fêmea e em seguida um cordeirinho azul, que o pastor levou com ele de volta ao seu país e as suas terras.
Era primavera. Em um bosque, junto a um lago, desabrochavam lindas flores azuis. O pastor lembrou-se de uma passagem bíblica* onde as ovelhas eram conduzidas para se acasalar diante de varas coloridas e concebiam cordeiros malhados. Levou para lá seu carneiro azul e uma ovelha branca vigorosa.
Em breve se constituiu um rebanho de ovelhas azuis que enriqueceram o nosso pastor.
Hoje, as ovelhas azuis só são encontradas em seu habitat, as estepes do Sião.
*A passagem bíblica encontra-se em Gênese 30,30-43, quando Jacó negocia com Labão, pai de Raquel, o seu salário a receber em ovelhas manchadas.

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

CONTOS DO MUNIR - 28

EXPERIÊNCIA DE MÁQUINAS E OS ANJOS DA CASA DE LUZ VERMELHA
Foi na época em que os comandantes eram senhores e quase donos absolutos de seus navios.

O contratorpedeiro se encontrava em Recife há algum tempo, tempo suficiente para que uma grande parte da guarnição fixasse moradia nas casas de luz vermelha - residências das meninas que negociavam seus afetos. Tinham em suas portas lâmpadas vermelhas indicativas.

Alguns oficiais também aderiram. Era menos oneroso que um quarto de hotel ou de pensão, com a vantagem da companhia noturna.
Éramos quatro oficiais dos mais modernos e inexperientes da Marinha, iríamos ser promovidos a primeiros-tenentes em uma cerimônia naval bastante singular. Esta não é a história que iria contar, mas uma lembrança traz outra e faço um parêntese.

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O imediato, exercendo interinamente o comando, nos comunicou a boa nova: havíamos sido promovidos e a nossa troca de platinas seria feita em um jantar, após a sobremesa.

O uniforme seria o branco completo, também chamado pirulito por ser engomado e fechado até o pescoço. Ainda não existia o “Chiquinho” (uniforme branco-camisa de manga curta com platinas). Para nossa surpresa, não encontramos nenhum de nossos dólmãs. Na década, a camisa branca do pirulito levava preso, com pinos de metal, o colarinho sem pontas, duro de tanta goma; depois se passou a usar o colarinho já não tão rijo, abotoado à gola do próprio dólmã.

Apreensivos e bobos que éramos, comunicamos o fato ao comandante que não se mostrou preocupado e disse que vestíssemos um paletó de terno por cima da camisa, que até a sobremesa se daria um jeito.

Fomos jantar no salão reservado para nós em um restaurante próximo ao cais e, embora o comandante alegre como sempre, nos animasse, nos sentíamos constrangidos, parecíamos clérigos.

Na hora da sobremesa, o comandante fez um brinde de saudação aos novos primeiros-tenentes e anunciou a troca de platinas, bateu palmas e quatro formosas figuras femininas, vindas das casas de luz vermelha especialmente para a cerimônia, apareceram vestidas tão somente com nossos dólmãs. Nos ombros as platinas de segundo-tenente. O comandante determinou que trocássemos as platinas e vestíssemos os nossos dólmãs. Consideramo-nos promovidos e deixamos de ser quatis-rabudos, ou seja, pretensos oficiais.

Ah! Esqueci de dizer: pagamos a conta do restaurante!

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Mas continuemos com a história que o título sugere: no Recife, o contratorpedeiro estava atracado há alguns meses e, enquanto o pessoal da base executava os reparos estruturais, o de bordo trabalhava nas máquinas. Terminada a faina de motores, o comandante decidiu fazer uma experiência de máquinas e resolveu aproveitá-la para realizar um passeio marítimo com o povo da cidade. Cada membro da tripulação teria direito a um convidado ou convidada.
O comandante convidou o prefeito sua esposa e outros membros do gabinete.
Um oficial natural da terra, que tinha estudado em um colégio religioso, convidou alunos e alunas e também umas freiras, suas antigas professoras. Como era de se esperar, alguns jovens marinheiros convidaram moças das casas de luz vermelha.
O comparecimento no dia foi geral. Todos os convidados vestiram suas roupas mais bonitas. O colorido destas, em contraste com o cinza austero do navio, transformava tudo em festa. Nem as amiguinhas dos marujos foram notadas a não ser pelo fato de que já eram conhecidas de toda a tripulação.
O comandante havia chamado para ajudá-lo um prático, velho conhecido no Nordeste, com fama de ser excelente marinheiro.
Na hora de desatracar, o prático, conhecedor profundo das correntes locais, ao invés de fazer a clássica manobra de afastar primeiro a popa do cais, pediu máquinas adiante.
O comandante estranhou a manobra, mas não interferiu. Teria dado certo, não fosse por um pequeno guindaste na popa, chamado turco, que, estando em posição incorreta, projetava-se ligeiramente além do casco. Na ocasião em que o navio seguia adiante, quase raspando a doca e afastando-se dela por força da maré (como o prático havia previsto), o turco foi quebrando as lâmpadas dos postes da beira do cais, assustando todo mundo.
Fora do porto, o mar estava bravo e mais bravo ficava à medida que o contratorpedeiro se distanciava de terra.
No navio, uma onda de enjôo tomou conta de quase todos os convidados, à exceção das moças das casas de luz vermelha que, por razão desconhecida, pareciam verdadeiros lobos do mar.
A praça d’armas virou um verdadeiro hospital e em breve as “marinheiras” estavam lá ajudando as mocinhas do colégio, as freiras e até mesmo a esposa do prefeito que pareciam náufragos de tão enfraquecidas pelas náuseas.

Algumas “marinheiras” foram para a cozinha preparar chá, outras seguiram a orientação do médico de bordo na acomodação e administração de remédios às mareadas. Uma das madres disse que elas eram anjos.
O regresso ao porto foi abreviado. Antes do desembarque, o prefeito fez um discurso de agradecimento e enalteceu a solidariedade daquelas jovens e carinhosas moças. Verdadeiros anjos caídos do céu, concluiu ele.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com