sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

CONTOS DO MUNIR 003/2016 - ULA



ULA

Era  Jandira, mas gostava  que  a chamassem de Ula.
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Ula era o nome da namorada do Brucutu, herói de histórias em quadrinhos dos anos setenta, uma espécie de Tarzan pré-histórico, usava só uma tanga de pele preta. E ao contrário do herói de Edgar Rice, era quadradão de físico, estava mais para o Hulk, só que não era verde. Já Ula era bonitinha, lembrava uma morena brasileira, tipo Juliana Paes.
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Jandira ou Ula era empresária em São Paulo, atraente, o marido esperto a usava para abrir as portas das empresas com as quais desejava fazer negócios.
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Contato inicial por telefone, quando se apresentava como sócia e diretora executiva, convite para almoço em restaurantes clássicos, pagamento com cartão corporativo, charme de atração e posterior visita à Companhia.
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Os resultados, quase sempre positivos. O esposo, de baixa estatura, compensava sua aparência corporal com sua cultura, dominava vários idiomas e também encantava os futuros clientes. Nesta fase, os contratos praticamente firmados.
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À semelhança da mulher do Brucutu da história em quadrinhos, Ula era fiel ao consorte, no caso com sorte de verdade pela mulher bonita, inteligente e ardilosa que tinha.
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Os dois sabiam que corriam riscos, porém o sucesso do empreendimento valia o perigo, apesar de há muito já esmorecido o amo.
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Mulher linda, dona de indústria de cosméticos, procura a Work World Nitid, WWN, queda de qualidade na linha de produção. Convite para almoço, iniciativa dela.
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Ula notou o perfume e indagou:
Que perfume você está usando? Delicioso!
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E ela:
-Perfume Charme de Pluma da linha Charme da empresa Helen Cosméticos, um sucesso de vendas.
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Caixinha oval com renda preta, presente retirado da bolsa Schultz, grande, de couro preta, com um bonequinho vestido de marinheiro.  Dentro da bolsa, um tablete da Aplle rosa, o de Ula tinha capa preta, Serei sua cliente, quero que você também seja compradora de meus produtos.

Continuou:
Não é um presente, é investimento, você sentirá a fragrância e a suavidade do perfume em sua pele, comparáveis ao Chanel Cinco que está usando. Suas amigas irão perguntar, tal como você fez, que perfume está usando e irão comprar.
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Ula conhecia a bolsa, tinha igual, só que não lhe havia ocorrido vestir a marionete de marinheiro.
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Ficou surpresa com a iniciativa da empresária, normalmente as investidas partiam dela. Viu que estava em frente a um fac-símile um pouco refinado. Cabelos louros soltos extremamente bem tratados, a pele suave e a moça, ela própria propaganda de sua indústria.
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Ula observava tudo na empresária, lingerie sutilmente mostrada no decote da blusa de seda, provavelmente da grife La Passion ou Loungerie, terninho preto feito sob medida, os sapatos de tiras pretas e saltos dezenove da Carmen Steffens. Única concessão a produtos estrangeiros: as meias de seda Wolford.
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A forma elegante, ereta e natural ao sentar, demonstrava que tal como Ula, aprendera no colégio desde cedo. Ula institivamente ajeitou-se na cadeira.
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A empresária carioca falou:
-A propósito Ula, meu nome é Helen, procurei vocês porque estou com uma queda na linha de produção e o fabricante das máquinas da minha indústria, que é seu cliente, recomendou a WWN como especialista nesse tipo de problema.
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Sei de sua empresa tão bem quanto vocês sabem da minha, seu marido fala bem o Mandarim, o que é muito bom, também estou aprendendo, pois pretendo montar uma filial ou até mesmo mudar para a China, o Brasil está caro.
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Fez questão de pagar a despesa com seu cartão negro corporativo.
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Dias depois Ula viajaria para almoço com empresários no Rio.
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Aeroporto fechado, Ula cancela o compromisso, liga para o esposo para buscá-la, daria tempo para almoçarem no Al Manara, ele poderia praticar o árabe.
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A mensagem gravada:
-“O telefone chamado não responde ou está fora de área”

Volta ao escritório surpreende o marido aos beijos com a dona dos cosméticos.
Um pensamento soturno martela a cabeça de Ula, seu marido e Helen a trocar juras de amor em Mandarim, nus no sofá do escritório.
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Pedido de divórcio, advogados, muito tempo de discussão, catilinárias. Negativas dele em dividir a companhia. Concordam com separação e divisão de imóveis. Divorcio concedido, desde que Ula permaneça na empresa.
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Com o tempo, a infidelidade não foi esquecida e nem perdoada.
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Ula voltou a usar seu Chanel.
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Mudança de comportamento de Ula...
Investidores selecionados passam a ter bônus extra.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

CONTOS DO MUNIR 002/2016-O TEMPO


O TEMPO

A jovem senhora olhava aturdida para a porta corrediça preta da livraria. Nela afixado um cartaz branco com a palavra “ALUGO” e um telefone celular.
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Era um sábado, cinco horas da tarde de um verão muito quente.
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O local era um ponto de encontro com seu namorado que conhecera lá.  .
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Acertaram que ambos, aos sábados, estariam àquela hora, em frente à Saraiva na Ataulfo de Paiva caso as comunicações falhassem, o que vinha acontecendo sistematicamente no Leblon. O Metrô, em construção, cortava as linhas de telefone e a Internet.
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Na Livraria, há mais de quatro anos, se olharam pela primeira vez. Ele, lendo um livro, interrompeu a leitura ao vê-la chegar, seus olhos se encontraram, o tempo parou, ele desviou a cabeça ao perceber que ela estava acompanhada por um rapaz jovem. Ela percebeu e propositadamente disse:
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- Filho senta aqui que a mãe vai pedir um café.
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O desenrolar do romance foi natural.
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Naquele sábado o namorado não apareceu, e também não se comunicaram mais. Parecia que nunca haviam estados juntos. Não mais se viram.
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A moça do cachorrinho pintava os cabelos de preto, tinha os quadris largos, mas ainda assim tinha charme, ia sempre ao café, o peludinho quieto ao seu lado.
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Morava lá pelos lados do Alto Leblon.
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Um companheiro nosso da mesa onde nos sentávamos à tardinha no Armazém do Café, sabia da sua história: um dia o marido saiu de casa e a deixou só com o bichinho, a partir de então só tinha olhos para ele, não namorava e nem flertava com ninguém, talvez com a esperança da volta de seu companheiro.
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Ela passou a vir só, um mês, dois meses, até que apareceu com um filhote de Yorkshire.
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Os cabelos da moça continuavam pretos, os quadris mais largos e estava usando óculos.
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Era mais bonita com o cachorrinho velho.  
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Pedro tinha três anos, o avô o colocava na cadeirinha trazeira da bicicleta e o levava até ao Arpoador, naquele tempo não se usava capacete, as laranjinhas ainda não existiam, a frequência de ciclistas era baixa, as colisões e atropelamentos, raros. 
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O menino ia de short e camiseta. Na praia se despia e mergulhava nu, para depois voltar na bicicleta com a roupa seca. Sua memória talvez registrasse a época em que, operado do coração aos sete meses e abriu o peito, passou muito tempo envolvido com ataduras e gazes. Odeia ter algo molhado sobre ele.
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Subindo nas pedras ao sentar-se na parte mais alta exclamava:
-Eu sou o rei do mundo.
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Fomos ao cinema ver o Rei Leão. Ao ouvi-lo rugir: “Eu sou o rei do mundo” no alto de um monte, virou-se para mim e disse:
-Vô, eu já falei isso.
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A Tutsi Bertrand andava sumida do Leblon. O avô de Pedro a encontrou.
-Tutsi onde andava você?
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E ela:
-Estava em Boston, o meu neto foi operado para fechar um buraquinho que tinha no coração.
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-Que idade ele tem?
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-Sete anos.
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Disse a ela que parecia assustada:
- O meu foi com sete meses. Esquia, faz alpinismo. Amanhã ele recebe o diploma de Engenheiro de Produção. É um rapaz bonito.
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Ela abriu um sorriso de esperança.

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

CONTOS DO MUNIR-001/2016



JOANA
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Joana está perto dos sessenta, aparenta bem menos, cuida-se muito, não pega sol e se protege, cobrindo seu corpo branco e trabalhado na Academia como se fora muçulmana. Joana é divorciada, tem um namorado mais velho, talvez uns vinte anos. Bonita de traços finos lembra uma deusa grega, daquele tipo que a gente encontrava na face das moedas. 
Conheci Joana na Escola Superior de Guerra, ela tinha feito o curso no ano anterior e por mérito fora efetivada como titular da cátedra de Direito. Paquerada por Coronéis e Generais não misturava seu trabalho com diversão desanimando investidas.
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Algum tempo mais tarde, já não mais trabalhando, veio morar no Leblon, não escondo que tinha atração por ela. Era comum encontrá-la nas minhas caminhadas com meu cão.
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Certa vez resolvi convidá-la para almoçar.
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Ela me disse:
-Almoçar é a única coisa que faço com meu namorado.
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Retruquei com malícia:
-Então vamos fazer outra coisa.
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Ruborizada, percebeu o sentido que eu emprestara às suas palavras, mas não conseguiu articular uma resposta e gaguejando disse que às vezes ia ao cinema.
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Joana como outras moças, também tem uma tia que ela utiliza quando quer fazer algo diferente dos programas que lhe são propostos.
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O normal é que a tia seja idosa, precise de cuidados e que a chame ao telefone nas oportunidades que Joana cria. A tia pode morar longe, e Joana ter que ir ao seu encontro, ou ter ido sem avisar para sua casa e dizer que não está passando bem, e chamar a sobrinha para acompanhá-la.
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Recentemente, fui a um barzinho, à noite, no final do Leblon. Para minha surpresa Joana estava sentada com alguns amigos em uma mesa ao lado. Tinha o cabelo preso, vestida como uma mocinha de 18 anos. Shortinho preto, bem curtinho, a blusa branca bem leve, amarrada na cintura deixando ver o umbigo. .
Na verdade aparentava ser bem mais moça e flertava com um rapaz na mesa ao lado. Fiquei em dúvida se era a mesma Joana que eu conhecia, ainda mais porque ela olhava de vez em quando na minha direção e não dava mostras de me reconhecer.
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Liguei para o celular dela, ela atendeu, perguntei:
-Oi Joana, tudo bem com você, pode falar?
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Ela respondeu:
-Posso sim
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Perguntei:
- Onde você está?
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Ela:
-Estou dando uma de cuidadora de minha tia, aqui em Vargem Grande e você?
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Eu:
Pertinho de você num barzinho chamado Fantasia.
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Ela:
-Não conheço.
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Era como se estivesse realmente falando a verdade, tal a credibilidade que sua voz transmitia. Joana já devia estar com o teor alcóolico elevado, sem que fosse necessário o bafômetro para testar.
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Continuava a olhar na minha direção e não me via. Parece que teve um momento de lucidez e fez um aceno discreto.
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Eu já estava de partida e ela me mandou um beijo de despedida.
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Joana agora, dois dias depois está sentada ao meu lado no sofá aqui de casa, e apesar do ar condicionado ligado, diz que está sentindo muito calor.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com