LADRÃO
DE BICICLETA
Quinta feira, antes do
carnaval de 2014. Manhã no Arpoador.
Lá estava ele, branquelo,
sentado, descalço, ainda jovem e sem banho há algum tempo, as mãos amarradas
atrás das costas por uma fita de nylon, três guardas municipais a vigiá-lo,
aguardando a chegada da polícia chamada pelo dono da bicicleta, um almirante da
reseva.
A história começou quando
o infortunado ladrão estava recolhendo alumínio das latinhas de cerveja e
refrigerantes,espólio do por de sol de quarta-feira.
O catador encontrou uma
velha chave de rodas e se viu tentado a roubar uma bicicleta, também de
alumínio. Estava na manobra de usá-la como alavanca-Princípio de Arquimedes intuitivo,
nunca estudou Física- para quebrar o cadeado,quando o almirante o encontrou.
O militar:-
-Dá licença, vou pegar
minha bicicleta. Ao notar a chave de rodas. Puxa! Você está querendo roubar
minha bicicleta! Está preso!
O ladrão:- Não senhor. É
que odeio cadeados e quero rebentar todos.
Saiu correndo aos gritos de
“Pega ladrão”! “Pega ladrão”!.
Foi para a praia do Diabo,
largando o saco preto de sua coleta, dois a persegui-lo e mergulhou, como não
sabia nadar, voltou para areia onde os três guardas o agarraram.
Eu estava sentado,
apreciando, no estrado de madeira que compõe o
monumento monstrengo em homenagem ao Millor. Uma estrutura de ferro, já enferrujada para não enferrujar.
Era para ser colocada no sentido Leste Oeste e fazer a sombra do humorista projetada, talvez ficasse bonita-a sombra- mas alguém achou que iria atravancar a passagem dos caminhões da Comlurb e mudou o local. Claro que o criador da obra não gostou.
monumento monstrengo em homenagem ao Millor. Uma estrutura de ferro, já enferrujada para não enferrujar.
Era para ser colocada no sentido Leste Oeste e fazer a sombra do humorista projetada, talvez ficasse bonita-a sombra- mas alguém achou que iria atravancar a passagem dos caminhões da Comlurb e mudou o local. Claro que o criador da obra não gostou.
Foi quando o outro chegou.
Escuro, também jovem, bigodinho de mocinho de cinema, óculos de sol, bermuda
caqui, camisa branca, sandálias havaianas, mochila nas costas e uma caixinha de
isopor. Sentou-se ao meu lado.
-É horrível o cara ser
preso!-comentou, olhando para o catador imobilizado.
- É mesmo.-respondi.
-Sei como é que é-continuou.
-Você já foi
preso?-perguntei.
- Já- disse o dono da
caixinha.
-Eu também- e
acrescentei:-acusado de comunista.
-Por que?- voltei a
perguntar.
-Porte de arma. Comprei lá
no morro do Turano, ia fazer uma segurança, mas o revólver estava com a
numeração raspada, a polícia me agarrou e fiquei lá dois dias. É muito ruim.
Estou aqui esperando o
gelo pra ir vender minhas garrafinhas de água na areia. To com sete reais, o
gelo é cinco. Vou ver se faço uns trocados pra poder comer alguma coisa. To
morando na rua. Ontem dormi lá em cima disse, apontando para as pedras. Aqui
dentro da mochila tem um lençol e um cobertor. Em março, vou ver se junto
quinhentos reais e alugar um quartinho em Santa Cruz, custa cento e cinquenta
por mês.
-Por que não arruma um
emprego?- inquiri.
-Perdi meus
documentos.-respondeu.
E falando como se
antecipasse as minhas indagações:
-Meu pai é o culpado da
vida que estou levando,-em uma percepção Freudiana, sem nunca ter feito análise-.
Ele é artesão, ganha um bom dinheiro vendendo o que faz em cobre na feira
Hippie em Ipanema. Tem duas casas, bebe muito e batia na minha mãe que eu
protegia, e eles acabaram se separando. Agora ele nem quer saber de mim.
-E sua mãe?-indaguei.
E o vendedor de água:
-Minha mãe foi morar em
Rio Comprido, e lá eu não posso ir, sou jurado de morte, a arma que eu peguei
era de um traficante.
Levantou-se para pegar o
isopor e só então vi que mancava. Uma recordação veio à minha cabeça e achei
que já o conhecia, ainda não tinha certeza. Eu tinha nove reais comigo e dei
para ele, dizendo para comprar alguma coisa para comer. Agradeceu muito, e
fomos embora. Eu com a minha bike e ele com a caixinha de isopor.
*
Há dois anos, estávamos
sentados no Arpoador, eu mais o Zé, a Bete, o Paulo e a Carla. Ela acabara de
comprar uma bicicleta Trek bem moderna, com freios a disco, vinte e sete
marchas, câmbio Shimano, raios de alumínio e outros acessórios, que para nós
eram novidades. Ela estava nos mostrando, quando o cara apareceu. Apontou o
revólver:
-Vou levar a bicicleta!
Saiu montado.
Notei
que capengava.
Ele
na Trek, se voltou e disse:
-Ninguém
grita senão eu atiro!
Sem
que o ladrão visse, tirei uma foto com o meu antigo celular.
*
O
carro da polícia militar levou o branquelo.
O
almirante foi embora com a sua magrela, perdeu a sua tranca, que os policiais
levaram junto com a chave de rodas, como evidência.
*
Na
hora do almoço me lembrei da foto e fui procurar o celular velho.
Se
não era o mesmo, era muito parecido, não tinha bigode, usava um boné, mas o
físico igual.
À época, tinha mostrado a foto na delegacia.
Disseram que não era fichado.
Quem
sabe... Se eu levar novamente identificam.
*
Não
levei.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com