sábado, 24 de outubro de 2015

CONTOS DO MUNIR 014/2015




O URSO DE BERLIM
A história do urso de Berlim é bastante contraditória. 
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Existiram vários ursos. Hoje ele aparece na bandeira da cidade
, substituiu a águia prussiana que ainda tem seu lugar no topo da Porta de Brandemburgo.
 
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O mais famoso é o Knut, um urso que nasceu no Zoológico, viveu apenas quatro anos, levou milhares de pessoas a visitá-lo, e está empalhado no Museu de História Natural, um memorial em sua honra. Depois, reconto o que o Conrad, do restaurante italiano “Amiti” disse sobre ele.
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Outro urso mais conhecido por brasileiros, é o Tilo que vivia nas proximidades da nossa embaixada em Berlim.
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Há lendas, segundo alguns, na realidade o urso foi um herói prussiano, que tinha esse apelido e, por isso, foi homenageado na bandeira. Outros afirmam que o urso da bandeira de Berlim deriva da palavra alemã “Barlein”- ursinho-.
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Na verdade, hoje o urso está intimamente ligado à cidade, e é encontrado em quase todas as ruas, como escultura, ou bonecos de pelúcia de variados tamanhos. Existem lojas que só têm ursos e os vendem como lembranças de Berlim.
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Competindo com ele nas estampas das “T shirt” e também como souvernir, está o simpático
bonequinho de chapéu-“ampelman”- que aparece nos sinais de trânsito e tem como ele uma loja só sua. É vermelho, parado, de braços abertos, ou verde caminhando.
Vamos ao relato do Conrad, o garçom alemão do restaurante italiano “Amiti”.
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O Conrad, de inicio não foi muito simpático, depois, que estivemos numa segunda vez, tornou-se nosso amigo.  Estivera no Brasil há dois anos, tem parentes em Santa Catarina, passou dois dias no Rio, e foi assaltado em Copacabana por dois pivetes armados que levaram seu dinheiro. Perto, estava um policial, e Conrad o chamou, a resposta foi de que ele não poderia fazer nada, pois, os bandidos estavam armados.
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Segundo ele; - O Knut era um ursinho polar branquinho que logo ganhou a simpatia do Zoológico e dos berlinenses. Tendo sido rejeitado pela mãe foi adotado pelo seu tratador. O Knut cresceu desenvolvendo o complexo de Édipo ou algo parecido pelo seu cuidador. Os dois conviviam muito próximos, recebiam os visitantes abraçados. Morreram os dois no mesmo dia, disseram que foi do coração. O Conrad, deixando transparecer que havia algo mais, insinuou que foi de paixão e que acontecera um enfarte duplo. Falou assim em um tom malicioso. Penso que o nosso garçom, depois de trabalhar por tanto tempo no restaurante italiano, está mais para tempero latino do que germânico.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

domingo, 11 de outubro de 2015

CONTOS DO MUNIR 12/2015



UMA HISTÓRIA DE BERLIM

Estávamos em Berlim, eu e minha filha, resolvemos ir até a casa da Primeira-Ministra Ângela Merkel. Ao contrário de outros Chefes de Estado, ela mora no mesmo apartamento com o atual marido Professor Joachim Sauer, químico quântico, há muitos anos (Kurpfergraben 6, Berlin). Um prédio de classe média de cor laranja, em frente ao Museu Pergamon, cujas principais atrações são a escultura da Deusa Atena e o altar de Pérgamo.

No local, encontramos apenas um policial, não era alto, nem louro, nem forte, vestia um uniforme e quepe pretos, únicas lembranças do tempo do nazismo. Já tinha alguma idade, aspecto relaxado e parecia estar meio alheio do que estava fazendo ali.

Chegamos a ficar em dúvida, se estávamos no endereço certo. Perguntamos a ele, em inglês, ele só entendeu o nome Ângela Merkel e com cara de quem dizia que não era guia turístico nos apontou o edifício, não muito distante.  


Começamos a tirar fotos, inclusive da placa com a lista de moradores, onde aparece o nome do seu marido na entrada da portaria.

O guarda veio em nossa direção, já falando ao celular, e logo uma viatura policial apontou na esquina.

O vigilante nos pediu identificação e mostramos nossos passaportes. Ao ver meu nome, exclamou:
- Muslim!
Eu disse:
- Nicht. Nicht... Brazilian

Parece que dessa vez ele entendeu, abriu um sorriso, mostrou sete dedos e depois um. Fez um sinal que continuássemos a usar a câmera do celular.

Imaginei o que poderia ter sido notícia de jornal no dia seguinte:
“Turista brasileiro idoso e filha são presos em Berlim ao tentar violar a privacidade da Primeira-Ministra Ângela Merkel”.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

terça-feira, 4 de agosto de 2015

CONTOS DO MUNIR 011/2015



Professor de Física 2
Com um pouco de tom vermelho
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Recebi do dono da Mercedes uma indenização que me permitiu viajar para Amsterdam em classe executiva e passear pelas ruas de luz vermelha.
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Com o seguro de vida de Leonilda me mudei para uma cobertura no Leblon. Continuei com as minhas aulas, só que agora tinha carro com motorista. A pensão da falecida me propiciava esse luxo.
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Três meses se passaram até que me fossem entregues, já no novo apartamento, os pertences de Leonilda, deixados por ela em sua sala de trabalho: muitos livros de administração, diplomas de cursos por ela realizados e seu computador pessoal. Uma carta esclarecia a demora da entrega.
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O micro ficou muito tempo no meu escritório junto ao terraço onde eu tinha a minha rede, e escutava bem cedo pela manhã os bem-te-vis formando sua orquestra. Tentei acessá-lo, tinha senha que eu ignorava, dominado pela curiosidade, providenciei um técnico. A rapidez com que ele descobriu o código me espantou, apesar de eu não ser leigo no assunto.
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Antes não tivesse aberto o PC.
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Lá estava uma Leonilda que eu desconhecia.
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Um label chamado Red Lights além de muitos filmes pornográficos de várias nacionalidades, mostrava a minha mulher em transas cinematográficas com rapazes e até moças, onde Leonilda usava as mesmas fantasias quando comigo, mas nesses vídeos ela ainda se travestia na parte masculina.  
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Outra pasta com o nome Boss, a mostrava no gabinete do Diretor do departamento a praticar strip-tease e a dança do pole na luminária vertical que decorava o ambiente. Era um homem bem mais velho que Leonilda, já falecido.
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Vi, então, que seu curso de especialização tinha sido realizado com aulas práticas que ela frequentava com regularidade.
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Um número e letras apareciam em um título com o nome Suíça, deduzi que fosse de uma conta, as letras, as iniciais do nome do banco. Não foi difícil verificar o montante da dinheirama em euros lá existente. Na outra semana, me licenciei dos colégios e viajei para Zurique. De três em três meses, passei a fazer saques no quantitativo permitido por lei.
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Não sei qual a razão, o fato é que uma sensação angustiante que jazia invisível começou a se apoderar de mim. No inicio, eram devaneios sensuais com Leonilda. Acordava sobressaltado tal o sentimento de sua presença. Passei a tomar pílulas para dormir com medo dos sonhos recorrentes.
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Receoso de consultar um psicanalista e de revelar o meu segredo de culpa da morte de Leonilda, me refugiava em comprimidos. Consegui me acalmar com doses mínimas nos primeiros meses, logo elas já não eram efetivas. Dormia pouco, tornei-me irritadiço, os alunos detestavam minhas aulas, terminei por ser afastado dos colégios.
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As férias forçadas agravaram o quadro, mais tempo para pensar e recordar a cena de Leonilda despencando do quinto andar do estacionamento.
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Nunca tive remorso dos acontecimentos daquele dia. Com mais razão agora, sabendo ter sido traído praticamente durante todo o meu casamento.
Talvez a terapia pudesse resolver minha questão existencial, mas minha lógica de professor me fazia crer que eu próprio iria encontrar a solução.
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Logo que nos casamos queríamos um lugar perto do Rio para passar férias, encontramos uma casinha na praia de Maricá, bem ao lado de outra enorme, abandonada no meio da construção. .

Pagamos um preço bem abaixo do mercado, depois ficamos sabendo que o casarão pertencia a um jovem casal de noivos que brigaram por ciúmes e a jovem assassinara o namorado. O povo de lá acreditava que o local era assombrado.
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Leonilda era uma excelente nadadora desde os tempos do Colégio Vera Cruz. Somente ela e mais dois rapazes mergulhavam na piscina, pulando do prédio ao lado no quarto andar. Uma vez tomei coragem e fui até lá, ao ver do alto o pequenino retângulo azul, fugi correndo. Hoje sei a razão de ela não ter sentido medo ao ficar tão perto do parapeito da garagem do Shopping e me questiono se ela não quis dar um último mergulho.
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Minha mulher praticava pesca submarina, eu a acompanhava nas idas a Ponta Negra, bem próxima de nossa casa, de longe a admirava ao vê-la mergulhar no mar bravo em busca de sua presa apesar da água escura.
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Peguei o automóvel, fui a Maricá resolvido a ficar lá por uns dias.
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Consegui um sono tranquilo na primeira noite. Pela manhã de costas para o sol, caminhei na direção de Ponta Negra, os pesadelos voltaram fortes mesmo eu desperto. O que eu sentia, descobri: não era arrependimento e sim um tremendo ódio pela mulher que tinha amado por tanto tempo, e este sentimento retornava para mim cruelmente.
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A manhã estava linda em Maricá, o mar azul ciano refletia o sol em uma nesga dourada.
O gradiente da praia de Maricá cai abruptamente a poucos metros da areia.
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O convite a um mergulho, irrecusável. A Água fria acalmou minha cabeça, cada braçada a percepção de alívio.
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Tanto tempo sem o bem-estar em meu corpo, me fez esquecer que não era mais jovem, o cansaço tomou conta, pensei em retornar à areia, estava longe. De repente, vi Leonilda, nua ao meu lado, envolta em uma luz púrpura murmurava:
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- Amor, eu vim buscar você, você sempre foi meu único amado. Venha, querido.
Sorri o sorriso besta do corno manso...
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com