quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

CONTOS DO MUNIR 003/2014=ATRAÇÃO

ATRAÇÃO

Avenida Vieira Souto, quinta-feira, abril ao entardecer, o sol já procurava seu refúgio atrás do morro Dois Irmãos.

A Mercedes e a camioneta Volvo pararam no sinal... A moça no banco do carona, morena, olhos claros, a cor a variar pela claridade e reflexo do que vestia. Poderia ser castanho, naquele momento com a luz direta em seu rosto se tornavam esverdeados. Ela sorriu, um sorriso transmitindo muito além de simpatia. Era quase um convite.

O condutor da Mercedes sorriu de volta.

-Te le fo ne, articulou inaudível.

 Um quase imperceptível gesto de cabeça mostrou assentimento.

Àquela hora o trânsito era lento. A Volvo parou, a Mercedes ao lado. A camioneta mais alta que o sedan; dois braços estendidos; na mão delicada, um cartão dobrado, recolhido por Eduardo, que dirigia a Mercedes.

Lia-se:

Consultoria Empresarial

Natasha

Analista. Business.

Telefone 21-2xxx-7261

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Sexta- feira, dez horas da manhã.

-Dra Natasha?

-Sim – disse a voz do outro lado da linha.

-Eduardo, do por do sol...

(Riso baixo...)

-Já ligo de volta, deixe seu telefone.


Sexta- feira catorze horas

-Eduardo

-Sim

-Quer ir ao cinema?

-Claro, estou no centro.

-Daqui a meia-hora no Odeon. Estarei na última fila.

                            x-x

Sábado dezessete horas Leblon Rua Rita Ludolf.

Natasha acaba de subir para o apartamento de Eduardo.

A Volvo, chega pouco tempo depois.

Estaciona nas proximidades do Armazém do Café.

O motorista ainda pergunta ao guardador:

-Viu uma moça morena de vestido verde, sabe em que prédio entrou?

(Estende uma nota de cem.)

Milton, discreto, amigo do porteiro e de Eduardo, diz que não; fala com Pedro:

-Avisa ao Comandante que ele está se metendo em uma fria.

Sábado vinte e uma horas.

O interfone toca no apartamento de Eduardo.

-É o Pedro.

- A moça já pode descer, mas sozinha.

Natasha passa em frente ao Armazém, o dono da Volvo a vê. Interrompe seu café e a interpela:

- Onde você estava? Por que não me avisou? Vamos para casa!

Entram na Volvo que sai desabalada para a Barra da Tijuca. O homem na direção parecia embriagado, embora estivesse sóbrio. Não deixava Natasha dizer uma palavra. Ela só fazia chorar.

E ele:

- Não sabia que sua tia tinha mudado para o Leblon!

-Que tia é essa que você arranjou?

-Ou será um tio?

-Vamos para o motel Vip’s fazer amor!

-Não quero fazer amor com você em lugar algum!-disse Natasha.

-Vamos sim!- insistia o homem.

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Domingo oito horas

Eduardo pega o jornal que Pedro já deixou junto à porta. Ao seu lado, Nicole
afasta seus longos cabelos louros e veste a camisa “Uv line” de Eduardo, azul da mesma cor dos olhos dela, por cima de seu busto nu. Ali perto, Zug, o Cavalier King Charles de Eduardo mordiscava uma sandália feminina.

Uma notícia chama a atenção de Eduardo:

-“Volvo despenca na noite de sábado pela encosta da Avenida Niemayer na altura do motel Vip’s, o casal está em estado desesperador”, continua:

-“aparentemente, houve perda de direção por parte do motorista. Ambos desfaleceram, e só não tiveram morte imediata, graças à segurança proporcionada pela cabine da camioneta que funcionou como um cockpit de um carro da Fórmula 1. A mulher no banco do carona, estava com uma das mãos agarrada ao volante, talvez na tentativa de evitar o acidente.”

Nicole comenta:


- Nossa! Eduardo, você parece abalado. O que houve?


Eduardo:


- Foi esta notícia de um acidente trágico aqui perto.


Nicole:


- Conhecia alguém?


Eduardo disfarça:


- Não, não, mas me espanta como mesmo depois da Lei Seca ocorrem desastres como esse.


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Você, amigo leitor(a), tem agora o poder de continuar a história.

Mate os dois.

Salve o homem castigando Natasha.

Mate o homem, salve Natasha.

Ou invente outro final menos trágico.

De qualquer forma, o jornal de segunda dirá o que aconteceu realmente.

Autor: Munir Alzuguir

E-Mail: alzumunir@gmail.com

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

CONTOS DO MUNIR 002/2014

CEM ANOS
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Mario completa cem anos. O cenário é a padaria Rio Lisboa no Leblon.
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As mesas estão todas ocupadas. Na calçada muita gente conversa em voz alta. Um conjunto de argentinos toca bandoneon, um chapéu recolhe as contribuições. A moça do contrabaixo é loura e alta. Como tocam bem e músicas conhecidas dos cariocas, a féria é boa.
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Um carinha, cabeça branca, repaginado por cirurgias plásticas, bermudinha branca dos anos cinquenta é o mais agitado. Compra duas velas, dessas que não se consegue apagar e grita: “Viva o Mario”, “Viva o Mario”, muitas vezes.
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Além da turma-“A um passo da Eternidade”, como nos apelidou uma das moças que passam por ali, está todo o grupo do “Baixo Vovô”,os atuais e os antigos. Um ex- juiz de futebol, do tempo do Nilton Santos, a tudo assiste em sua cadeira de rodas.

O Mario está, como sempre, com uma de suas camisas de linho, mangas compridas, magistralmente bem passada. Em uma de suas mãos enluvadas porta a bengala de cedro, instrumento mais de elegância do que necessário. Usa óculos ray-ban. Atualmente devido à insistência do filho carrega um celular no bolso da camisa, não ouvia quando no bolso de suas calças, e obrigava o Júnior a ir lá vê-lo.
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Na mesa principal, duas garrafas de champanhe, um enorme bolo encimado com duas velas. As fotos se sucedem, todos querendo ficar próximos ao aniversariante.
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Uma senhora já entrada em anos entrega um bombom ao Mario. Ele a apresenta:
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- É minha sobrinha mais nova!
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A irmã de Mario não veio, está com cento e dois anos, mora em São Paulo, ele disse que a última vez que a viu foi quando ela completou noventa anos.
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O aniversário de Mario vinha em contagem regressiva de meses, passou a ser contado em dias e depois em horas.
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Alguém pede a Mario que diga algumas palavras.
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Ele começa:
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-Meus amigos, vocês me perguntam como é chegar aos cem anos. Eu vou dizer que é muito bom, mas um pouco triste também.
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Tem a história do sonho do Gabriel Garcia Marquez, que mostra essa tristeza.
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Ele conta que sonhara que assistia ao próprio enterro, a pé, caminhando com seus melhores amigos. Estavam todos felizes, inclusive ele. A festa acabava e todos saiam, ele tentou acompanhá-los, mas um de seus mais chegados companheiros lhe disse gravemente: “Não, você é o único que não pode.”
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Garcia Marques conclui o sonho dizendo que morrer é nunca mais estar com amigos.
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E Mario continuou com lágrimas nos olhos:
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Eu não sei o que é pior: você continuar a ouvir a música, ver a dança. Ver todos os seus antigos amigos partirem.
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Agora estou com vocês, que me trazem toda a alegria do mundo.
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A fila se formou para abraçarem Mario.
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A festa continuou, os champanhes espocaram, as velas teimavam em ficar acesas.
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P.S.1- A cada um que o abraçava, e eram quase todos de mais de oitenta, .
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Mario dizia sorrindo baixinho:
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-A velhice é uma M.
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P.S.2- Um casal de turistas chegava da praia e ao ver aquela agitação, perguntou de que se tratava, quando souberam, ficaram a olhar Mario com espanto e a menina que estava com eles comentou:
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-E ele fala! (isso foi contado pelo próprio Mario).
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com