quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ARTIGO DA MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA

DISCURSO DA IMORALIDADE

Maria Lucia Victor Barbosa

20/11/2011

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Não é à-toa que a classe dirigente petista odeia a liberdade de pensamento que inclui a imprensa livre, aquela que dá azia em Lula da Silva. Incomoda aos outrora defensores da ética o escancaramento da corrupção dos companheiros e de seus sócios em falcatruas, ou seja, da base aliada.

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Exemplos de imprensa “inconveniente” não têm faltado, a ponto de se pensar que o Brasil está sendo governado por um sindicato do crime onde larápios do povo se esparramam pelos Três Poderes, refestelados na impunidade que lhe é facultada por não serem “pessoas comuns”.

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Recorde-se, para citar um exemplo, a reportagem da Veja (31/08/2011) que trata de um dos mentores do PT, o ex-ministro, deputado cassado, chefe da quadrilha do mensalão (como a ele se referiu um Procurador-Geral da República), homem de duas caras, José Dirceu.

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Segundo a Veja, Dirceu é um homem de negócios que gosta de ser chamado de ministro e mantém uma espécie de gabinete em hotel de Brasília por onde transitam figurões como ministros, senadores, deputados, presidentes de estatais e magnatas da chamada elite capitalista. Todos devidamente fotografados pela revista para que não reste dúvida sobre os bons relacionamentos de José Dirceu junto à classe A da economia e da política.

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A romaria vai em busca da influência que Dirceu ainda mantém no Congresso, no Judiciário, nas estatais, nos bancos públicos, nos fundos de pensão, na telefonia, nas empreiteiras, nos bancos particulares. Dirceu é, pois, um “cardeal” da seita PT e seus “amigos” nacionais e internacionais contam com o sigilo da confissão e o charme do mistério que envolve os “interesses”. Portanto, Dirceu continua íntimo dos que ele chama no pior sentido de “elites”. Afinal, é “consultor de empresas”, entre outras, as do setor do petróleo e gás.

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No seu partido José Dirceu exerce enorme fascínio. Se não ultrapassa Lula da Silva, pelo menos é a segunda estrela fulgurante a ser seguida e adorada. E como tal que fez sucesso no 2º Congresso da Juventude do PT realizado recentemente.

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No evento Dirceu proferiu o discurso da imoralidade criticando a “luta moralista contra a corrupção”. Ele se referia aos movimentos espontâneos, que das redes sociais acorrem às ruas e às denúncias da imprensa não cooptada pelo governo petista.

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O poderoso homem do PT fez bonito para a juventude dourada petista, devidamente doutrinada para crer que moral é coisa de burguês. Algo que não deixa de soar delicioso porque abre as comportas da roubalheira oficial aos companheiros. Não importa se o povo é lesado pela conduta criminosa dos ministros que têm caído sob o peso de documentos, fotos, depoimentos.

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Antigamente o PT dizia ser o defensor dos pobres e oprimidos, que são os mais prejudicados pelos ministros corruptos de Lula/ Rousseff, incluindo Carlos Lupi, do Trabalho, que se agarra vergonhosamente ao cargo. Um péssimo exemplo para a juventude, mas, como ensinou a presidente no discurso do cinismo: “passado é passado”.

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Não podia faltar também da parte do misto de lobista e guru do PT o discurso contra as elites. Aquelas que sustentam as campanhas petistas e que devem lhe dar, assim como a muitos companheiros, lucros nada desprezíveis. E os jovens petistas, deslumbrados, agraciaram o ídolo com uma camiseta onde se lia: “Contra o golpe das elites – Inocente”.

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O golpe das elites, teoria da conspiração forjada por Dirceu produz aquela excitação aos que se julgam superiores por conhecer certos segredos inacessíveis ao vulgo, aquele prazer de denegrir quem se deseja atingir. Desse modo são forjados mitos que prevalecem como verdades inquestionáveis por mais idiotas que sejam. Ou, então, vingam-se recalques contra os melhores, pois a inveja é sentimento intrínseco ao ser humano. Exemplo: os Estados Unidos são o grande Satã Branco. Os judeus matam criancinhas em seus rituais e querem dominar o mundo. O holocausto não existiu.

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No seu discurso da imoralidade Dirceu não podia deixar de mencionar o PSDB. Estranha obsessão contra um partido que, com exceção de alguns de seus políticos nunca foi oposição ao PT. Mas, contra o PSDB Dirceu foi moralista ao sentenciar: “Quando dizem que tem de responsabilizar o ministro e o partido por problemas no ministério, então, tem que se responsabilizar o PSDB, o Geraldo Alckmin e o José Serra pelo escândalo das emendas (?) em São Paulo”. Nessa toada tem que se responsabilizar Lula e seu partido pelos inúmeros escândalos de corrupção de seus ministros. O mesmo serve para Rousseff se não fizer uma faxina de verdade.

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Lembre-se, porém, Dirceu, que dentro de todo ser humano existe a capacidade de diferenciar o bem e o mal, independente da época e da sociedade. Por isso, até o mais cínico e hipócrita dos ministros de Lula repassados a Rousseff oculta seus atos corruptos ou trata de mentir sobre eles porque sabe que pode ser julgado, não pela burguesia moralista, mas pela opinião pública.

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Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

mlucia@sercomtel.com.br

www.maluvibar.blogspot.com

CONTOS DO MUNIR 76

TUCHA

Tucha, fique quieta! - Dizia Luiz para a Rottweiler de rabo não cortado, o que a tornava diferente dos cães de sua raça.

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Tucha era extremamente dócil, seu tamanho amedrontava. Pesava cerca de 40 quilos, medindo do focinho ao longo da cauda negra, 1m40cm. Cresceu em uma casa cheia de crianças, que lhe puxavam o rabo comprido sem se incomodar com isso. Tucha odiava motos. O ruído do motor a enfurecia, ficava quase incontrolável. Bicicletas, automóveis, ônibus e caminhões não a perturbavam. Já explosões de fogos, a apavoravam.

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Luiz seguia a rotina de passear com a cadela todas as tardes. Ia até a praia, depois andava pela rua Aperana e às vezes subia a Igarapava, onde tinha uma namorada. Sentavam-se os três na escada do prédio e a Tucha no degrau mais baixo a vigiar os dois.

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Tucha entrou no cio e Luiz levou-a a um canil em Jacarepaguá. O dono criava Rottweiler e um deles era Thor, rabo cortado, um pouco mais baixo, porém mais forte e pesado, de um pedigree super disputado.

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Dois dias se passaram e o veterinário, dono do cão, ligou para Luiz pedindo que ele fosse buscar a cadela, que, embora no cio, não aceitava o Thor. Ele mesmo, como dono de canil e veterinário, não entendia o que se passava. Dizia mais: a cadela ficava quieta em um canto do canil, parecia muito triste; breve, o período da cruza passaria.

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Luiz foi no mesmo dia buscar a Tucha. Ao chegar, ela pulou de alegria, colocando as patas dianteiras no peito de Luiz, querendo abraçá-lo.

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Thor aproximou-se e ela o aceitou. Olhava para Luiz, com uma expressão quase humana, como se pedisse perdão pelo que fazia.

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Até mesmo quando teve crias, não se alterava quando os meninos se aproximavam. Muito pesada, dormiu sobre as crias, asfixiando-as; eram seis.

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O tempo correu oito anos de convívio.

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Tucha, quieta! - repetiu seu dono, tensionando a guia.

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A cadela insistia em comer a carne de galinha em um prato com farofa amarela que fora deixado como despacho nas pedras do final do Leblon, onde seu dono a levava em seu passeio quando chegava a casa.

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Ainda comeu um bocado.

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Ao regressar, Luiz meio zangado começou uma conversa não muito amistosa com a cadela. Aborrecido, dizia, elevando a voz, que ela não deveria ter comido aquela macumba. A conversa demorou algum tempo, a Tucha ouviu com paciência, até quando começou a rosnar talvez por efeito da toxidade da droga que havia no que ela tinha comido. Fato é que Luiz abaixou a voz e a deixou quieta no terraço onde tinha o seu abrigo.

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Na manhã seguinte, Luiz esperava ver a cachorra junto à porta com a guia e a coleira na boca pronta para o seu passeio, mas ela não estava lá. Luiz foi ao seu encontro, subindo a escada em caracol. Encontrou-a deitada, desanimada. Nem o bocado da ração temperada, a qual ela mais gostava a animou. Desceu a escada preguiçosamente quase arrastada.

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Na rua, a moto barulhenta sem silencioso passou. A reação de Tucha quase zero.

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Luiz a levou ao veterinário;

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Dois dias depois, e Tucha, por efeito do veneno já impregnado em seu organismo, veio a falecer. Ainda houve a tentativa de operá-la.

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Tucha deixou saudades em casa, nos porteiros que a conheciam e na rua Igarapava.

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Nota do autor:

No tempo em que esta história se passou cães da raça Rottweiler não eram obrigados a usar focinheiras, o que poderia ter salvado a vida de Tucha.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - Parte 4 (Final)

George

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Capítulo 4-Final

Não participei dos eventos subsequentes, pois em novembro de 1970, eu fiz uma viagem sozinho a New York. Estava participando de um encontro preliminar, para organizar o Concert for Bangladesh, beneficente, que seria feito em 1971, para ajudar aquele pobre País, e aproveitei, para tentar ver Flora, Charles e minha filha Janet. Ao chegar, me hospedei no Grand Hyatt Hotel, e minha intenção era vê-los na manhã seguinte. Acordei numa cama de hospital.

Flora e Janet estavam olhando para mim e nós três ao mesmo tempo demos o maior berro:

-Ele acordou, socorro! Ajudem aqui. As duas me beijaram e me abraçaram como loucas. Flora não era tão gostosa como Pattie, mas até que ela tinha dado uma caprichada legal neste período. Janet estava muito linda.

A princípio achei que eu tivesse sonhado tudo, aquilo, mas além de Flora, todo o hospital veio me cumprimentar, por ser o amigo de George Harrison. Mostraram-me as fotos para que eu “acreditasse” que ele tivesse vindo me visitar. Tive de fingir surpresa, mas confirmei que éramos amigos. Flora ainda me deu uma bronca por contar segredos nossos.

-Isto não se fala nem a um Beatle amigo, dizia ela, é um absurdo!

E assim foi tudo, eu tinha perdido uns 30 kg; quando levantei já praticamente estava habituado, pois era o peso que eu tinha como George. Resolvi me manter assim daqui para frente. Flora adorou! A primeira coisa que fiz ao sair do hospital foi comer carne. Para isso fomos todos à Mineta Tavern no Greenwich Village, onde comemos até quase cairmos das cadeiras. Depois disso, voltei a comer habitualmente meus pastramis, dos quais eu morria de saudade.

Em Dezembro, Paul foi à justiça para determinar oficialmente o fim dos Beatles. O sonho acabou.

Hoje me pergunto se a minha chegada foi o catalisador que fez desandar aquela fantástica fórmula de sucesso? Isso nunca me sairá da cabeça! Procurei encarar tudo o que aconteceu com a maior naturalidade possível para não enlouquecer. Volta e meia ainda acordo assustado sem saber se ainda sou Charles ou se voltei a ser George.

Soube que George, depois daquele absurdo acontecimento, logicamente, nada contou para ninguém. Ele poderia ser internado em um manicômio, mesmo sendo um Beatle! Hoje acredito que a mente de George esteve o tempo todo lá no “nosso” corpo, abafada pela minha, porém absorvendo subconscientemente boa parte, ou mesmo tudo o que vivenciei e ao mesmo tempo sendo a minha verdadeira inspiração; depois que voltei a ser Charles, nunca mais consegui compor nada que prestasse. Portanto o mestre era mesmo o grande Georgie.

Vocês já imaginaram acordar de repente, num quarto de hotel em outro País e descobrir ter perdido oito anos de memórias? George dormiu com a namorada Pattie e ao acordar, descobriu estar casado com ela, estar com sequelas psíquicas de LSD e que seu grupo Beatles estava acabando, sem que ele tivesse participado ou composto nada para eles, esse tempo todo? Sim, pois após a instrumental Cry For A Shadow que ele fez com John Lennon em 1961 e Don't Bother Me, de 1963, o resto tinha sido trabalho meu. O quê meus amigos? Realmente eu só compus graças a George inconscientemente ter me dado a inspiração, mas ele não tinha como saber naquele momento, não é?

Mas o pior mesmo era saber que alguém o teria substituído esse tempo todo, em tudo o mais... Que choque não deve ter sido! Ele deve ter feito frenéticas pesquisas para descobrir o que aconteceu na sua ausência. Não sei como ele conseguiu esconder isso da mídia. Arrisquei ligar alguns dias depois para Pattie, que estava em Londres. Eu fingi ser ele e ela me perguntou quando “eu” iria sair do Hospital e se “eu” queria que ela viesse a New York para me dar uma força. Foi assim que eu soube, que secretamente ele tinha se internado em NY mesmo, para superar essa crise. Essa ligação, reconheço que foi um risco; e se George já estivesse em Londres, com ela? Ia dar uma bruta confusão.

Contei tudo para Flora e Janet; elas acreditaram, me perdoaram e têm um grande orgulho de ter um marido e um pai que foi um Beatle.

Fiquei com receio de que George, ao fazer suas pesquisas, descobrisse a minha existência, como seu alter ego. Poderia me criar sérios problemas, mas nada aconteceu. Acho que ele não era tão louco de ir tão fundo.

Quase dois anos depois de acordar, soube que ele ficou mais místico ainda do que eu já era, e passou a beber muito, o que dificultou mais ainda a sua readaptação à realidade e minou a relação com Pattie, tendo se voltado para amantes. Pattie, por sua vez começou a se interessar mais e mais pelo Eric Clapton, nosso falso amigo. George acabou se separando da minha linda Pattie, que inevitavelmente se casou com o Eric. George se casou mais tarde com uma mexicana, Olivia que não conheci

George abandonou a “nossa” casa, que foi demolida, indo para bem longe com a nova mulher. Com ela teve um filho Dhani, que hoje parece um clone de seu pai. Ele conseguiu recuperar o tempo perdido, compondo daí para frente, centenas de músicas; escreveu muito mais do que no tempo Beatle, quando éramos tolhidos por John. Agora ele estava livre!

Adotou também, não por coincidência a filosofia Hare Krishna; certamente ele foi influenciado por um restinho de minhas memórias, que ficaram impregnadas em seu cérebro e até mesmo pela decoração oriental da casa. George até incorporou o mantra Hare Krishna, no seu My Sweet Lord, adotando essa filosofia como sua. Ele organizou na época, com sucesso o Concert for Bangladesh, que eu tinha começado, usando essa influencia.

Pensei em contar a verdade para George, mas fui adiando, até que nada mais foi possível fazer, pois como vocês sabem, ele cumpriu o seu destino na Terra, vitimado por um câncer. Senti ao saber, como se parte de mim tivesse morrido. Chorei como criança durante vários dias, sentindo-me em parte responsável pela sua morte precoce. Flora e Janet também compartilharam esse sofrimento.

Nada posso provar para ninguém! É a minha palavra contra a de todo o mundo. Tenho a minha foto autografada por George, mas o que isto prova? Nada! Pois se alguém a examinar, verá que a assinatura foi forjada! Mas claro que sim, pois se foi a minha primeira tentativa de assinar algo, como sendo George, lembram? No entanto, os que me lêem, vão tentar acreditar, não é? @

(Final )

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com

sábado, 12 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - Parte 3

George

Capítulo 3


No disco seguinte Revolver, eu me impus um pouco mais e consegui colocar Taxman, porém embalado pela inspiração, quase em seguida fiz Love You To, com instrumentos indianos, tocados por mim e pelo Ravi Shankar, meu amigo indiano e I Want To Tell You. John e Paul não tiveram como recusar. Nesse disco apareceu a música Dr. Robert, que me fez reviver as lembranças da minha vinda. Para combinar com meu novo estilo, mandei redecorar a fachada de nossa casa com pinturas psicodélicas.

Naquele final de 1966, eu continuava firme com a minha deliciosa Pattie e o Ringo se mantinha bem com sua mulher Maureen, mas desde a minha vinda, as relações de John e Paul com suas mulheres balançavam, e as relações internas também não estavam muito boas, mas procurávamos manter as aparências para o nosso público. Quem seria louco de naquele momento pôr tudo a perder?

Em outubro de 1966 eu já estava tão integrado que quase esquecia que eu era Charles Beckham. Mas volta e meia a memória voltava e então ligava para minha mulher para saber como Charles estava. A resposta sempre era de que a situação continuava a mesma. Ela chorava e eu a consolava da melhor forma possível. Um vez fui a um florista e pedi para lhe enviar 10 dúzias de rosas amarelas. Naquele mês o John e a Yoko foram presos por estarem portando maconha. Corremos para a delegacia par ajudar e conseguimos que eles apenas pagassem uma multa. Um nota preta! Foi a gota dágua que acelerou o divorcio de John e Cynthia.

Levaria quase um ano para eu escrever de novo. O estilo indiano fez tanto sucesso que passei a usar com frequência, como a musica que escrevi em 1967 Within You Without You, que entrou em dezembro daquele ano, em Sgt. Peppers. A capa do disco, que era muito rebuscada criou os rumores idiotas nos quais Paul estaria morto. Essa série de gravações seguidas nos desgastou muito. Paramos um pouco e após um grande intervalo, durante o qual fizemos alguns shows aqui e ali.

Quem morreu mesmo e nos deixou arrasados foi o Brian Epstein, e foi assim que soubemos que ele usava drogas pois foi um overdose que o levou.

Em 1967, escrevi Blue Jay Way, que entrou no divertido Magical Mistery Tour, escrevi também com inspiração indiana. Eu fui me tornando pouco a pouco um Hare Krishna, pois essa filosofia religiosa me ajudava muito a entender a minha dualidade.

Para relaxar de tantas loucuras e tentar a recuperação do grupo, passamos uma longa temporada na Índia, em 1968 onde frequentávamos sessões de meditação transcendental com o meu conhecido guru Maharishi Mahesh Yogi, que me ajudaram muito a aceitar a minha louca condição. Melhorei na viagem o meu modo de usar vários instrumentos típicos indianos, que já tinha usado e usei em várias outras músicas que escrevi. No entanto, o guru estava mais a fim de pegar a Mia Farrow, que estava lá conosco, do que realmente meditar. Isso me fez largar as sessões antes do tempo. Se ao menos ele pegasse a Yoko, ao menos a gente se livrava dela.

Ao voltar para Londres, aonde cheguei antes dos demais, eu soube que agora tínhamos um selo para os nossos discos. Tinha sido formada a Apple Records e logo no fim do mês teríamos de gravar um disco, que ficou conhecido como o White Album, que tinha sido quase todo composto na Índia. O John Lennon estava super inspirado e em pouco tempo, ele e Paul escreveram quase trinta musicas lá mesmo. O fato é que para ganharmos tempo, escolhemos a capa mais simples possível: Completamente branca! Fiz para o disco, uma canção chorosa, bem apropriada para o que sentia na época, da qual gostei e parece que o público também: While My Guitar Gently Weeps, na qual pus Eric Clapton para tocar conosco, mas as outras três, Long, Long, Long, Piggies e Savoy Truffle, confesso que as fiz, muito rápido sem trabalhá-las o suficiente, pois precisava ter algo com meu nome no White Album; não gostei do resultado e sofri muito por isto, porém sem elas o disco seria 100% John & Paul! Nosso público, entretanto aceitava tudo que tivesse a marca Beatle e as críticas foram surpreendentemente boas.

As coisas não estavam nada bem. John, que sempre implicava comigo e me criava problemas para encaixar minhas músicas nos LPs, parece que também não gostou delas e passou a me dificultar mais ainda.

Paul, que ao contrário de John, era um grande amigo, me disse que estava se separando da sua noiva de muitos anos, Jane Asher, pois tinha se apaixonado pela Linda Eastman, que lhe foi apresentada pela minha Pattie, fotógrafa como ela. Logo em seguida em 22 de agosto o Ringo nos deixou na mão durante as gravações do White Album. Só depois de muito paparico conseguimos que ele voltasse. Pusemos até flores na sua bateria para a festa da volta.

Em 1968, logo no dia 2 de janeiro começamos a filmar Let It Be. Eu já sentia pelo clima ambiente que seria uma de nossas últimas apresentações. Como parte da filmagem, nós nos apresentamos no teto da Apple na Saville Row.

Em 1968 e 1969 parti para um experimento ousado lançando dois álbuns solo: Wonderwall Music, de 1968, e Electronic Sound, de 1969. O primeiro com músicas instrumentais foi trilha sonora do filme homônimo. O álbum contou com a participação de Ringo Starr e Eric Clapton. Todos, inclusive eu usamos pseudônimos, devido a problemas contratuais. O segundo, considerado um álbum experimental, trouxe várias músicas tocadas em sintetizador Moog e uma capa com um desenho feito por mim.

Fiz na época uma música para Pattie, Something, com intenção de afastá-la do Eric. Ela adorou. Demorei muito para burilá-la e ela acabou sendo lançada quase um ano depois, mas valeu a espera, pois a crítica a considera minha obra prima.

Em março de 1969 eu e a Pattie, fomos flagrados com maconha! Se eu e ela fossemos um casal qualquer, estaríamos fritos. Pagamos uma nota e nos soltaram, mas não pudemos ir ao casamento do Paul com a Linda. No dia seguinte fomos ao de John que casou com a Yoko em Gibraltar. Depois eles na Holanda fizeram aquela palhaçada de ficar nus na cama pela paz. O Paul e a Linda ficaram putos, pois tirou bastante do brilho do casamento deles. A loucura do John chegou ao ponto de mudar o seu nome do meio de Winston para Ono. Depois disso, ficamos muito tempo sem gravar e só percorrendo o planeta com shows. A situação do grupo ia piorando a cada um deles.

Lançamos Abbey Road em setembro de 1969, com gravações que eu já tinha feitas, como Something. De novidade, também minha, havia Here Comes The Sun. Sem falsa modéstia sei que poderia ouvi-las com orgulho até o fim de minha vida. Logo após, John nos deixou, e eu também me afastei, mas nada disso ainda tinha sido passado para o público, pois tínhamos de respeitar o contrato, ou nos teriam feito pagar muito caro. Em maio de 1970, daquele ano, um mês após a saída de Paul de nosso grupo, ainda conseguimos nos reunir para gravar o ultimo LP; o nome seria Get Back, que significa “Volta ou Retorno”, mas acabou sendo Let it be, que profeticamente significa “Deixa Estar”. Foi a última esperança, mas frustrada de relançar a banda. Para esse escrevi e cantei I me Mine e For You Blue, que também me deram muito orgulho e foi o fim de tudo!

Poucos dias após gravarmos I want you, uma das faixas, no dia 22 de agosto, eu e Pattie fomos à casa do John em Berkshire, a oeste de Londres, onde foi o nosso último encontro como Beatles. John morava muito longe. Rodamos depois mais de 100 km pra ver a nova filhinha de Paul e Linda, Mary McCartney, na casa dele em Saint John's Wood, que ficava ao norte. Podíamos nos separar, mas ainda éramos amigos.

(continua...)

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

ARTIGO DO AUGUSTO ACIOLI

"A Corda Poderá Arrebentar"



Só pela leitura das inúmeras e a cada dia mais iradas manifestações populares contra a corrupção e a impunidade, no Brasil, não tenho qualquer dúvida de que em algum momento, a corda poderá arrebentar e aí, sim, não deveremos nos surpreender com o que iremos testemunhar em relação ao ódio que vem sendo represado nas costas de todos aqueles que já começam a ser extorquidos a partir de seus contracheques mensais, assistem incrédulos às roubalheiras, deboche, cinismo e pouco caso de autoridades, são tungados, diariamente, por superposta, continuada e desigual tributação, além de serem glosados pela Receita Federal quando têm a audácia de requerer compensação fiscal para as elevadas despesas de saúde e educação incorridas em face de idosos parentes ou demais dependentes, de fato - não necessariamente consangüíneos - em razão da absoluta ausência de um serviço público eficiente e digno para atendimento à população brasileira, nas referidas necessidades essenciais.


Chega a dar náuseas assistir a tantos desvios de conduta e de fundos públicos e, ao mesmo tempo, não podermos abater de nossas declarações de Imposto de Renda elevados valores comprovadamente pagos e documentados sob a justificativa, p. ex., de que: "seus pais têm renda própria, ele recebe 03 SM e sua mãe 01 SM. Quanto ao menor Fulano, filho de pessoas de baixa renda, que você paga a educação, saúde, roupas, alimentação, livros, etc., por não ser seu dependente direto, o benefício fiscal só poderia ser obtido se você detivesse a guarda do infante."


Em outras palavras, os pais biológicos têm que ceder o pátrio poder para que seus filhos possam vir a obter, através de terceiros, os direitos que a Constituição da República garante, mas que o Estado lhes sonega.


Dá vontade de explodir os pulmões de tanto gritar junto ao ouvido desses indivíduos que se encastelaram em centros de poder e de arrecadação voltados, tão somente para alimentar - sem remorso - a vaidade de seus egos e a multiplicação exponencial de ilegítimas ambições patrimoniais.


Enquanto isso, também somos obrigados a ver e ouvir, em horários nobres e gratuitos de nossas TV`s, raposas políticas e outros candidatos a sê-lo, utilizando-se de vozes e trejeitos infanto-juvenis, proclamarem maravilhas de si mesmos ou de seus partidos, bem como em tom de pilhéria lançarem irresponsáveis e antiéticas ameaças veladas à governabilidade do país, indiscutivelmente, dentro do melhor estilo do velho balcão de negócios herdado de governos anteriores.


Autor: Augusto Acioli de Oliveira - Economista

Rio de Janeiro

domingo, 6 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - Parte 2

George

Capítulo 2

Assim que terminaram os shows, liguei do quarto mesmo para minha casa. O número estava bem claro na minha memória, embora eu ainda estivesse zonzo. Gotas de suor frio brotavam da minha testa, e eu fazia o possível para que os rapazes não percebessem a minha angústia. O telefone tocou e quem atendeu foi Janet, minha filha. Dei um profundo suspiro de alívio, pois eu acabava de provar para mim mesmo, que eu não estava louco. Pedi para falar com Charles, dizendo que era um amigo dele. Minha filha me disse que ele estava em coma no Hospital Bellevue e que Flora, minha mulher estava lá com ele. Fiquei horrorizado e perguntei qual o endereço e o número do quarto. Anotei tudo e avisei a todos, que ia sair no dia seguinte para visitar um amigo no Hospital Bellevue.

-Amigo? Aqui em New York? Disse Paul, quem pode ser essa pessoa, que nós não conhecemos? Você precisa ver a sua cara. Você parece que vai desmaiar. Por favor, não de novo! Que tal cancelarmos tudo daqui para frente? Você se interna para se recuperar. Não vai haver problema algum. Temos um seguro para essas coisas.

-Não há nada de mal acontecendo comigo nesse momento, além dos lapsos; Charles Beckham é um cara que era meu amigo de infância em Liverpool, antes de conhecer vocês e que veio morar ainda criança, aqui em New York. Temos nos correspondido desde então. Quem está mal é ele. Eu estou muito bem, não se preocupem.

-Muito estranho! Você não é capaz de se lembrar de várias coisas, mas lembra-se muito bem desse cara e do telefone dele! Disse John. Ele deve ser muito importante mesmo. Você quer que a gente vá junto? Já imaginou o choque que ele iria ter? Foi uma das únicas vezes em que John tentou ser simpático comigo.

-Obrigado John! Vocês nem precisam ter esse trabalho, pois ele está em coma e não iria reconhecer ninguém. Vou dar apoio à sua mulher, que é minha amiga também. Vou aproveitar e farei meus exames lá mesmo.

-Georgie, meu querido! Falou Paul. Pattie não vai gostar nada disso se ela souber. Antes que você pergunte, você ainda se lembra da Pattie, sua namorada, não?

-Claro Paul, não estou tão maluco assim. E ela não vai saber não é? A não ser que tenha algum fofoqueiro! Disse isso olhando feio para todos e sem ter a menor idéia de quem era essa Pattie.

Nesse momento chegou o médico, que me fez uma série de exames superficiais e me fez uma série de perguntas para saber se eu sabia onde eu estava, quem eu era e se eu havia perdido sensibilidade em alguma parte do corpo. Depois me tirou um eletro e concluiu que o pior já havia passado. Confirmou que eu tomasse os remédios prescritos na noite anterior e se retirou.

-Gente! Pedi eu. Alguém, por favor, pode me arranjar uns óculos escuros e um boné para esconder minha cara? E preciso um cartão de crédito ou dinheiro, onde está minha carteira? Vou descer para comer alguma coisa, pois estou em jejum desde ontem e comprar os remédios.

Ao mesmo tempo eu planejava parar numa banca de jornal, para ler alguma coisa sobre os Beatles.

-Tua carteira está onde você deixou no armário e lá também você encontrará teus disfarces. Fique tranquilo Georgie, ninguém vai contar nada do que aconteceu para ninguém, disse Ringo, fazendo uma cara engraçada. Não é mesmo, rapazes? Ameaçamos o médico e a gerência do hotel de processá-los judicialmente, se alguma notícia vazar.

Ringo era o que sempre imaginei. Um cara que nos fazia rir o tempo todo. Voltei ao armário, peguei um casaco, boné, óculos escuros e a carteira de George, que estava recheada de dólares.

Desci todo encapotado, agradecendo por estarmos em pleno inverno. Estava uns cinco graus abaixo de zero e havia restos de neve e gelo pelas calçada. Eu conhecia bem a região! Antes fiz um bom lanche ali a um quarteirão, no Stage Deli, onde me atraquei com um enorme e delicioso sanduiche de Pastrami e um Cheese Cake, pois estava morto de fome.

Numa farmácia Duane Reade na Broadway com 57st., achei os remédios que eu precisava.

Numa máquina na rua, comprei uma revista Time e uma Newsweek, em que éramos a grande notícia do momento. Nelas soube dos detalhes da “minha” vida e de meus companheiros: “Meu” nome era George Harold Harrison; nunca soube que havia esse “Harold”. Soube também que George era vegetariano e tive, portanto que largar meu desejo por carne, para personificar meu novo papel. Tive uma estranha compulsão de comprar cigarros, pois eu não fumava, mas li que George fumava muito cigarros Dunhill. Comprei alguns maços e fiquei com esse hábito também, para não chamar a atenção.

Pattie, na realidade Patrícia Anne Boyd, era uma linda inglesinha loura, de olhos azuis, que “eu” tinha conhecido durante a filmagem de A Hard Day’s Night no ano passado. Li que Pattie fez uma ponta nesse filme. Ela interpretou uma das colegiais que encontravam os Beatles num trem que estava indo de Liverpool à Londres.

Tinha várias fotos de Pattie, e de outras pessoas que eu deveria conhecer, como Brian Epstein nosso diretor, George Martin nosso produtor e Eric Clapton, um bom amigo. Quando vi as fotos de Pattie, pensei:

“Pobre Flora! Não dá para comparar. Esse Geor..., quero dizer eu, tinha ganhado na Loteria. Além de estar com uma lourinha super sexy, que parecia com a Brigitte Bardot, eu estava podre de rico e poderia ter tudo o que sempre quis”.

Pelos jornais soube que as namoradas, mulheres e o resto das famílias de nosso grupo, ficaram em Londres. Os Beatles faziam uma série de apresentações nos EUA, inclusive uma entrevista na TV no Ed Sullivan Show, que tinha sido no dia 9, alguns dias antes de minha chegada e um show em Washington antes de ontem.

Tive um pouco de dificuldade para andar, pois quando eu era o Charles, pesava quase cem quilos, enquanto George mal chegava aos setenta. Eu parecia flutuar e escorregava no gelo. Havia também o efeito de ainda não estar acreditando que aquilo pudesse estar acontecendo.

Voltei para o nosso quarto, após jogar fora as revistas. Fui dormir e tive sonhos muito loucos. Algumas imagens que me surgiam neles, não eram minhas e sim de George. Isso me fez ter um palpite: A mente de George ainda estaria dormindo dentro de meu atual corpo. Isso explicaria Charles estar em coma. Seu cérebro estaria vazio. Com o tempo, acabei vendo que era um palpite certeiro.

Logo cedo, pus de novo o disfarce e saí. Cheguei ao hospital e fui direto para o quarto de Charles. Fiquei absolutamente chocado com o que vi. Ele... eu, estava na UTI, cheio de tubos, saindo pelo nariz, pela boca além de vários outros nos braços.

Flora estava lá e eu a abracei. Quando tirei os óculos e o boné, ela me reconheceu e quase desmaia! Tive de segurá-la para ela não cair.

-Não é possível!É você o amigo de Charlie? Mas ele nunca me falou que conhecia um Beatle! Posso pegar um autógrafo?

-Não só conhece como é meu melhor confidente. Sei tudo dele e ele sabia tudo a meu respeito! Dê-me um papel, que é claro eu autografo, com todo o prazer. Flora me dá uma foto de Charles. Eu escrevi: “Ao meu bom amigo Charles! 13/02/1964- George Harrison”

-Obrigada! Posso te dar um abraço? Por que ele fazia segredo dessa amizade?

-Não faço a menor idéia, Flory, posso te chamar assim? É claro que quero um abraço teu. O que aconteceu com o meu amigo?

-Que engraçado! Flory é como Charlie me chamava! Claro que você também pode me chamar assim! O Charlie estava muito bem até o dia 11, dois dias atrás e ontem não acordou mais. Depois de muitas tentativas de acordá-lo, chamei uma ambulância do Bellevue. Ainda bem que somos sócios do Hospital, senão eu não teria condição de cuidar dele. Ele adorava participar do Village Beat e às vezes ele se imaginava sendo o próprio John Lennon. Ele te contou?

-Eu sei tudo! Até mesmo que você tem uma pintinha preta no seio esquerdo.

Flora ficou vermelha e disse:

-Que danado é o Charlie, se ele sair dessa eu o mato!

-Ora, ora! Flory! Deixe disso! Ele te ama e me contou isso com o maior carinho. Dizia para mim, como tinha o hábito de beijar essa pintinha na hora H!

-Mas como? Disse Flora, chocada.

-Ele não tinha o direito de expor nossa intimidade assim! Agora eu vou matá-lo com torturas inimagináveis!

Fui tomado de dúvidas incontroláveis. Contava ou não para a Flora a verdade? Ela entenderia? Deixei para tomar essa decisão numa ocasião mais oportuna. Despedi-me dela com mais um abraço e um beijo no rosto e dei um abraço também em Charles. Lágrimas me saíram involuntariamente.

Saí do quarto, procurei o clínico e apresentando a receita fiz uma bateria de exames. Pedi para enviar o resultado para minha casa em Londres. Tive de telefonar para John no Carnegie, para saber o meu endereço. Que vergonha!

Daí a uma semana, após mais uns shows, embarcamos para Londres.

Meu tão aguardado encontro com Pattie, transcorreu melhor do que eu esperava. Nós nos encontramos na belíssima casa de George em Surrey, ao sul de Londres, que tinha sido comprada há dois anos e estava magnificamente decorada. Ela vivia lá com George, apesar de ainda não serem casados. Paul me levou no seu carro, pois eu não tinha logicamente a mais vaga idéia de onde ficava.

Fiquei abismado com o gigantesco e bem cuidado gramado da casa. Ela era tão incrível, que era conhecida por um nome e não pelo endereço. Chamava-se Kinfauns, que significa “Faunos Irmãos”, mas nunca soube o porquê! Ao chegarmos, Pattie nos aguardava no interior da casa, pois fazia muito frio. Ela estava muito preocupada pois soube de meu desmaio, da amnésia etc. Ela me abraçou e me beijou muito e imediatamente me apaixonei, pois ela era muito linda e sexy. Ela era modelo e fotógrafa. Volta e meia era chamada para sair na capa da Vogue e na Vanity Fair.

Ela me mostrou os exames. Eu os li e me pareceu tudo absolutamente normal. Eu falei que estava bem, mas que iria ao meu médico, para lhe mostrar e para, se necessário fazer mais exames. No fundo, eu tinha certeza de que nenhum exame iria descobrir coisa alguma, pois eu estava passando por algo fora do alcance da medicina.

Passamos maravilhosos momentos juntos e ela, apesar de me achar meio diferente do normal, estranhando o meu jeito estranho de beijar por exemplo. Ela apenas achou que eu andava fumando muita maconha, pois isso explicaria meu desmaio e meus lapsos de memória. Tive de me conter para não parecer demasiadamente “saudoso” de sexo, mas Pattie respondeu, com o entusiasmo de uma gata no cio, a todos os meus desejos.

Eu estava no Paraíso, mas tenho certeza de que Pattie também, pois eu como ela, era jovem, belo, rico e amoroso. Na época não se usava ainda pílulas anticoncepcionais, pois ainda era muito recente a sua invenção, e nem usávamos qualquer tipo de proteção, mas não tivemos filhos. Pattie com certeza era estéril; o futuro daria provas disso.

Seu sotaque britânico era uma delícia, e eu sentia muita falta, após tantos anos quase sem ouvir o inglês da minha terra, pois Flora e Janet eram americanas. Como eu sou também inglês, como ela, não houve estranhamento no meu modo de falar.

Ao usar o cartão de crédito de George, nunca houve dificuldades pois naquele tempo não se verificava a assinatura com atenção, mas quando precisei assinar um cheque, haveria problemas. Minha assinatura era diferente e o banco certamente recusaria. É claro, pois eu não era o George. Tive de providenciar, a alteração dela nos bancos e nos cartórios, alegando que um problema nervoso a tinha mudado. Como isso era relativamente comum, não houve problemas.

Depois de alguns meses de adaptação à nova vida, fiz para Pattie a música I Need You, em Fevereiro de 1965, que ficou marcante para mim, pois foi além de uma declaração de amor, minha primeira composição como Beatle e que entrou no LP e no filme Help!, um ano depois. A segunda foi You Like Me Too Much, que também entrou! Uma fonte misteriosa me inspirava. Nunca antes havia composto, nem escrito notas musicais e muito menos coisas com essa qualidade! Suspeitava que o verdadeiro George, não totalmente encoberto por minha mente, tentava aflorar dessa forma. Para mim era a única explicação. Mais tarde comprovei que assim o era.

Em agosto foi lançado o filme A Hard Day’s Night, no qual tive pequena participação, pois a maior parte já havia sido filmada antes de mim. Eu fiz apenas umas refilmagens de cenas, mas gravamos a trilha sonora e fizemos a sua dublagem.

A filmagem de Help, em 1965, foi uma das épocas mais divertidas de minha louquíssima vida. Durante as filmagens nas Bahamas, conheci o guru Maharishi Mahesh Yogi, que me levou à Índia no ano seguinte e onde comecei a aprender a tocar sitar. Mas as coisas boas no nosso grupo estavam para terminar, talvez devido ao cansaço.

Rodei o planeta com eles. Um dos tours marcantes foi em agosto de 1965, quando fizemos duas sessões no Hollywood Bowl em Los Angeles.

Em 1966 John conheceu a Yoko Ono e abandonou sua mulher Cynthia. Nenhum de nós entendeu a troca, pois eu achava Cynthia muito graciosa e Yoko era para nós, intragável.

A Yoko nos acompanhava a todos os lugares. Ela era muito pegajosa e insuportável. Paul e Ringo pensavam o mesmo. O grupo começava a se deteriorar. Ficava pensando se eu ou a Yoko tinha culpa. Será que meu som não caiu no gosto do público? Mas não! A crítica aplaudiu entusiasmada aos discos. O Eric Clapton, meu bom amigo na época, me ajudou muito a suportar as minhas angústias. Ele, entretanto tinha uma queda pela minha Pattie, que me deixava mais enlouquecido ainda. Ele foi um dos responsáveis, que me fizeram experimentar o LSD. A primeira vez que usei foi como uma luz se acendesse na minha cabeça. Em dez minutos eu tinha a sensação de viver mil anos. Parecia em alguns momentos que eu era um astronauta na Lua, olhando para a Terra.

Eu me arrependi muito de ter usado essa droga; a única vantagem, é que na época que usei, consegui ser amigo de John, enquanto ele também a usava, porém corri um risco absurdo, pois exacerbou a minha dualidade Charles/George, e poderia ter me enlouquecido de vez. Levei muito tempo até me reequilibrar. Acho que foi ela que provocou em Charles/George um misticismo religioso que se aprofundou muito, após 1970.

Comprei nessa época um sitar, instrumento indiano influenciado pelo Maharishi e por um amigo, Dave Crosby do The Byrds, que me apresentou ao musico indiano Ravi Shankar.

Eu e Pattie nos casamos em janeiro de 1966 e quase em seguida lançamos o disco Rubber Soul, para o qual escrevi If I Needed Someone, e Think For Yourself, apesar de John e Paul tentaram se apossar do disco e me barrar. Mas consegui impor um arranjo, o meu primeiro indiano, para Norwegian Wood, no qual usei o meu sitar. As musicas ficaram ótimas e eles foram obrigados a me engolir. Ainda em 1966, lançamos o desenho animado e a trilha sonora de Yellow Submarine, que foi um grande sucesso. Contribui com Only a Northern Song e It's All Too Much e de novo, forcei a barra, pois eram um tanto fracas e só entraram para John não fazer de novo o LP todo sozinho.

Naquele ano de 1966, John para complicar o quadro começou a partir para novas experiências e abriu em julho uma exposição de “arte” em homenagem a Yoko, em Londres. Eram uns potes de plástico de doação para caridade, camisetas escritas You Are Here, outras coisas absurdas e até uma bicicleta velha, mas como vinham de um Beatle, vendeu tudo, lotando a galeria. You Are Here (To Yoko From John Lennon, With Love), era o nome pomposo. Ele soltou naquele dia milhares de balões brancos de gás, com cartões dizendo YOU ARE HERE.

Aí veio a declaração bomba de John Lennon de que éramos mais populares do que Jesus Cristo! Sumimos da mídia várias semanas até a coisa esfriar.

Naquela época era comum gravarmos compactos e Hey Jude/Revolution, para compensar, foi um recorde de vendas. Jude, era uma homenagem de Paul para Julian Lennon, filho de Cynthia e John, que tinha esse apelido, mas muita gente associou Jude, com Judeus, Judas e Jesus, e aí a coisa pipocou de novo! Foi uma África! Porém os Beatles mandavam e o público aparentemente nos perdoou!

(continua...)

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - GEORGE-Parte 1

George

Capitulo 1

Acordei de um sono extremamente agitado e ao pé de minha cama estava Paul McCartney! Ao lado, John Lennon e Ringo Starr! Eu me estapeei violentamente, pois era lógico que mesmo estando acordado, tratava-se de um pesadelo! Paul gritava:

-Vamos logo George, temos apenas 20 minutos para nos apresentar. Chega de dormir, porra! São vinte para as sete, da noite!

-Calma, calma! Respondi, ainda estou meio zonzo! Que dia é hoje? Quem sou eu? Onde estou? Apresentar-me? Onde?

-Você deve estar brincando né? O que será que houve afinal com você? Disse Paul. Santo Deus! Deve ser uma sequela de ontem à noite!

-Você é o George Harrison, continuou ele, hoje é dia 12 de fevereiro de 1964! Estamos no camarim do Carnegie Hall! Lembra agora? Vamos fazer o nosso segundo show nos Estados Unidos.

“Caracoles! Que porra era essa, que estava acontecendo comigo? A data estava correta, pensava eu. Na minha cabeça era mesmo no dia 12 de fevereiro, mas era uma das poucas coisas certas naquele momento, pois meu nome na realidade é Charles Beckham e não George Harrison. Sou um cantor e guitarrista inglês, amo os Beatles como qualquer um, mas moro em New York e não em Londres e definitivamente não era um Beatle.”

-Vocês devem fazer parte de minhas alucinações!Flora, meu amor! Eu me virei para falar com minha esposa. Você está vendo isso também, ou estou maluco? Epa! Cadê a Flora? O que vocês fizeram com ela?

-Flora? Que Flora? Falava Paul, você estava sonhando com mulher! Isso é típico de você!

-Esse George é uma piada! Falava John Lennon, aumentando ainda mais o meu desconforto.

-Para com isso, John, disse Paul, não faça piada, pois pode ser algo sério. George, meu querido, você não se lembra mais do que aconteceu ontem a noite? Você quase morreu!

-Ajudem-me a me levantar, pois estou zonzo, preciso ir ao banheiro e depois vocês me explicam isso direito!

Levantei-me com ajuda de Paul, mas mesmo assim quase caí da cama.

No banheiro, literalmente vomitei as tripas, quase desmaiando. Olhei-me ao espelho e foi o meu segundo maior choque; no reflexo eu via o George Harrison; o som da minha voz era o de George, inconfundível! Joguei um monte de água gelada na minha cara e me estapeei de novo:

“Não pode ser! Isso não está acontecendo! Pensava eu. Meus maiores ídolos estão aqui comigo, e eles me dizem que eu sou um deles! E o diabo do espelho mostra que sou mesmo! É sem dúvida o melhor, quero dizer, o pior pesadelo que eu já tive. Acorda, acorda, porra!” Olhei de novo e George Harrison olhava de volta, usando um quimono como pijama e também se estapeava, imitando cada gesto que eu fazia.

“Por que, por quê?” Eu perguntava desesperado, mas a resposta não vinha. Tive uma súbita cólica, mas seria muito desagradável descrever seus óbvios efeitos.

“O que faria agora?” Pensava em todas as alternativas possíveis:

“Será que sempre fui o George e sonhei que era o Charles? Ou foi o contrário? Será que eu estou sofrendo de dupla personalidade, portanto sou esquizofrênico?” Conclui que o melhor naquele momento era deixar o barco correr. Ouvi então uma campainha!

-Como é George? Você está bem? Já estão nos chamando! É o primeiro toque!Era Ringo, querendo saber de mim.

Perguntei dessa vez a Ringo:

-Que roupa devo usar?

-Vista a de sempre! Ali no seu armário! Você está mal mesmo George, tua cara está branca como papel! O médico já tinha me avisado de que poderiam acontecer mesmo sequelas. Fique bom, meu amigo, pois precisamos de você!

-Desculpe-me hoje, Ringo, deve ter sido algo que tomei ontem e vou fazer tudo para sair dessa, mas qual é o meu armário? E que história de médico e sequelas é essa?

-Tudo bem! Teu armário é o segundo a contar da direita para a esquerda! Depois do show a gente te conta o que aconteceu!

Peguei uma roupa, igual à que os três já estavam usando e que me caiu perfeitamente. Peguei a “minha” guitarra. Graças a Deus sou um guitarrista razoável e sei tocar todas as canções dos Beatles, porém o toque pessoal de George é inimitável. Não havia outro jeito; fui em frente para o que der e vier.

Nos poucos minutos que restavam, tentei recapitular meus últimos momentos como Charles Beckham e o que poderia ter acontecido:

“Meu Deus! Isto está realmente acontecendo? Vamos lá, por partes: Eu, Charles existo mesmo e sou o guitarrista principal do The Cavern, tentativa de copiar o Cavern Club de Liverpool, mas que fica em Greenwich Village, em New York. Eu faço a parte de John Lennon no conjunto Village Beat, que faz cover do Fab Four, o carinhoso apelido dos quatro garotos de Liverpool. Meu último pensamento era o de estar dormindo com Flora, minha mulher. Mas espere aí, onde eu estou? Que cidade é essa? Ah! Porra! É claro que o Carnegie Hall fica em New York!”

Ah bem! O choque seria ainda maior se eu estivesse na Inglaterra; seria ainda mais difícil de explicar, não é mesmo? Como se fosse fácil de explicar aquele absurdo que estava acontecendo. Mas não havia mais tempo para pensar. Fui gentilmente empurrado para o palco do Carnegie Hall, as luzes se acenderam e tocamos para valer. Eu fechava os olhos e me imaginava tocando junto com meu grupo cover, Village Beat. Tudo deu surpreendentemente certo, mesmo sem eu ter ensaiado e mesmo com as pessoas na platéia gritando nossos nomes, e cantando as canções junto conosco, a ponto de quase não ouvirmos uns aos outros.

Depois da apresentação, vieram os três Beatles conversar comigo:

-Georgie, dizia John. Hoje você se superou e está tocando demais! Ainda bem que o que aconteceu ontem à noite, não afetou o teu talento! Mas o que é que deu em você, para inventar aqueles acordes novos, sem ter ensaiado com a gente antes? Em Washington no nosso primeiro show, você fez diferente, mas tudo bem! Deu super certo! Meus parabéns, embora pudesse ter posto tudo a perder!

-Desculpe-me John, e a todos vocês. O que foi que aconteceu comigo? Não me lembro de nada da noite passada! Alguém pode me ajudar?

-Georgie, Georgie! Continuava John, não me recordo de você bebendo mais do que os cinco ou seis uísques habituais, que nunca te derrubaram, mas ontem à noite você estava com o sono muito agitado e nos acordou a todos. De repente você parou de se mexer e de respirar. Tomamos um susto, pois achamos por alguns segundos que você tivesse morrido. Em seguida você voltou a dormir normalmente. Chamamos um médico indicado pelo gerente. Ele te examinou e disse que você poderia ter sofrido uma apneia ou uma parada cardíaca, que poderia gerar algumas sequelas. Deve ter sido isto que provocou essa amnésia. Ele checou suas reações e viu que não tinhas ficado com nada paralisado, portanto a principio descartou um AVC, mas foi por pouco.

-Ele disse para hoje você ir fazer esses exames aqui, e tomar esses remédios, disse Paul, me entregando uma receita. Depois do show ele vai voltar para te ver. Antes do programa Ed Sullivan, você também quase não foi, pois ficou doente. A gente teve que te encher de remédios, mas você não vai se lembrar, né? Dois episódios, quase em seguida são muito preocupantes!

-Realmente não me lembro de nenhum desses dois episódios! Para ser sincero, não consigo me lembrar dos últimos meses. Pensei com meus botões: ”Claro que eu não poderia lembrar daquilo que não vivenciei! Eu teria de daí para frente continuar contando mentiras”.

-Não precisam responder por que não me disseram antes, continuei, pois é lógico que foi para não me deixar mais nervoso ainda, não é? Em Londres, eu vou me tratar.

-Acho que você deve procurar o Dr. Robert para ver o que está acontecendo, disse Ringo.

-O Dr. Robert está aqui? Perguntei.

-Não, não! É uma piada Georgie, falou Ringo, rindo nervosamente. Ele não existe, é apenas o apelido que a gente deu pro John, que está sempre cheio de Pílulas, e é também uma música que ele está escrevendo! Meu Deus! Se você não se lembra disso, você está mesmo mal. Eu se fosse você, parava de beber, até ver o que está acontecendo contigo, falou Ringo. Agora se prepare, pois vamos entrar para o segundo show! E assim repetimos o show e de novo a casa veio abaixo.

(continua...)

Autor:José Frajtag

E-Mail: josefrajtag@ymail.com