quinta-feira, 30 de outubro de 2014

CONTOS DO MUNIR 016/2014



O SEQUESTRO
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Já era domingo, 26 de outubro de 2014, segundo turno para eleição do Presidente e Governador.
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O telefone tocou às duas horas da manhã, chamada a cobrar.
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Pedro que mora só atendeu, a voz de mocinha dizia:
-Pai! Fui sequestrada!
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Pedro:
-Alexandra minha filha! Onde está você?
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-Estou no carro com bandidos
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Voz de homem:
-Se você quer ver sua filha de volta vai ter que pagar cinquenta mil.
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Pedro:
-Já é domingo, só tenho mil reais.
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Bandido:
Se vira, arranja aí umas joias. Onde você está?
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Pedro:
-Na Maré!
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-Vê se pede algum emprestado.
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Pedro:
- É ruim sair na Maré a essa hora. Só tem bandido.
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-Então a gente vai brincar um pouquinho com a Alexandra.
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Pedro:
-Não dá pra deixar para mais tarde um pouquinho?
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-Tá legal, mas traz pelo menos dez mil.
Pedro:
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-Pera aí, a campainha da porta está tocando.
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Alexandra querida! Soltaram você!
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Bandido:
-Você deu sorte.
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Pedro:
-Alexandra, esse pó que você trouxe é coisa fina!
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Pedro falando alegre com o bandido:
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- E ai cara vai votar em quem?
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Pedro fungando e exclamando:
-Maravilha! Maravilha!
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E como é que é cara vai votar?
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Bandido:
- O coroa tá chapado, doidão!
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Pedro:
-Vota no Aécio!
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-Bandido:
 Vou votar na Dilma, ela dá bolsa pra gente.
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Pedro:
-P. Q. P. Ela vai ganhar!
P.S. - Não tenho filha, não moro na Maré, não cheiro pó e não preciso mais votar.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

CONTOS DO MUNIR 015/2004



CARIDADE e DESMAIOS
A mensagem dizia:- Estamos no Fronteira comemorando o aniversário da Cellya, aguardamos você.
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Tinha acabado a sessão de cinema, um filme longo, quase três horas, o celular desligado.
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Olhei a hora do SMS, uma hora atrás. Liguei, estavam já na sobremesa. Eu no Shopping Leblon, eram já nove horas da noite, pensei que daria tempo, se me apressasse, de chegar e encontrar a turma toda reunida. O Fronteira fica a poucas quadras. Caminhei rápido até lá. Queria dar um abraço na Cellya.
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Estavam todos em uma grande mesa nos fundos do salão. Notei a movimentação diferente, o marido de Cellya correndo para a rua, a mãe dela, muito pálida, quase deitada em um sofá.
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Tinham já ligado para a ambulância, que não chegava, e alguém saíra para pegar um taxi. A senhora foi carregada e levada ao hospital.
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Cellya e o marido a acompanharam.
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Não tive oportunidade de cumprimentar a aniversariante. Pensei em comer alguma coisa, como era tarde, não queria jantar. O Alemão é um restaurante vizinho ao Fronteira, lá tem um Mil Folhas, um  folheado delicioso, com muito açúcar e que equivale a uma refeição. Melhor dizer, tinha, quando cheguei havia acabado, o que mais aumentou a minha vontade de comê-lo. Bem perto, uma confeitaria, a Pavelka, faz na hora. Pedi que embalassem, iria comer em casa.
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Ansioso já sentindo o prazer de degustá-lo, apressei o passo. Ao passar em frente a uma loja de roupas, um mendigo de avançada idade, ao me ver com a embalagem, pensando que fosse uma quentinha exclamou:
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-Senhor! Dá essa comida para mim! Estou com muita fome!
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Segui o meu caminho dizendo:- Não é quentinha, é doce! O pobre insistiu:- Moço me dá, estou sem comer desde ontem!
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A dúvida me assaltou, uma culpa, não sei de quê, me fez voltar e dar para ele o mil folhas. Ele agarrou o doce com sofreguidão e praticamente o deglutiu na mesma hora. Sua cabeça pendeu para um lado, seu corpo desabou na cadeira, onde estava sentado, pensei que era um AVC.
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Como já tivera anteriormente uma experiência com a doméstica da minha casa, disquei 192, o telefone da SAMU. Em menos de cinco minutos a ambulância chegou e, ao homem de branco eu disse o que tinha acontecido.
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Sem demora, ele aplicou uma injeção no idoso, que quase imediatamente voltou ao normal. Ai foi a minha vez de saber o que havia se passado. O paramédico explicou:- Ele é diabético e teve uma crise de hipoglicemia, o que fiz foi injetar insulina, e a dosagem de açúcar se normalizou.
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No dia seguinte, fui ao médico pedir um exame de sangue. Prometi nunca mais dar doce ou qualquer espécie de alimento para mendigos. Fiquei imaginando se desse um salgado para um  de pressão alta e, o cara enfartasse?
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A mãe da Cellya se recuperou e passa bem, foi só um problema de pressão baixa.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

terça-feira, 14 de outubro de 2014

CONTOS DO MUNIR 014/2014



A vizinha da cobertura

Na cobertura tem piscina, lá só vi o pessoal do apartamento uma vez, quando nova, depois, só os filhos da empregada.

A vizinha, loura, ainda mais ou menos jovem, tem um cachorro da raça Chow Chow, parece um leão em miniatura e tem a língua azulada, dizem que era o cão favorito dos imperadores chineses, chama-se Hope. O nome foi dado porque seu marido gostava de cães, ela não; andavam meio brigados, e o cãozinho foi presente dela, vinha com a esperança de paz, é manso, não incomoda ninguém.

Há muito tempo não a vejo acompanhada, a não ser pelo cão que a segue por toda a parte.

À tardinha, estava o nosso grupinho no Armazém do Café, e passam ela, o cão e uma empregada que usa um uniforme azul, mais escuro ainda, tem uma cicatriz branca atemorizante no lábio inferior, provavelmente de queimadura.

A loura ao voltar sem a doméstica, nos diz que está com medo, Está sozinha, acredita que aquela moça que trabalha em sua casa tenha furtado três mil reais, não tem certeza, mas ao meio-dia quando regressou inesperadamente ao apartamento, ficou espantada com a reação da serviçal, tremendo ao vê-la.

Pediu que ela descesse, e a esperasse no portão do edifício. Foi olhar no quarto dela, encontrou a porta trancada.

Perguntava para nós se deveria mandar abrir ou não. O chaveiro cobrava duzentos reais para isso. Nós dissemos que sim, parece que ela não aceitou. Disse que iria despedir a empregada.

Na outra tarde, passaram novamente por nós, a loura, a moça de azul e também o cão. Fez um sinal discreto, como se pedisse sigilo.
Duas horas mais tarde, volta só a escura da cicatriz branca, o rosto sério, traz o Hope.

Olho do meu terraço, a piscina está vazia.
Desde aquele dia, não vi mais ninguém da cobertura do lado.

Curioso, pergunto ao porteiro. Ele me diz que a dona viajou e a empregada levou o Chow Chow para a casa dela ????

A atendente do Armazém, que sabe tudo da Rua Rita Ludolf, diz que o marido da minha vizinha sumiu.
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Dois meses se passam.

No Origami, restaurante japonês ao lado do Café, a mesa festiva de jantar, a minha vizinha, o marido e filhos que eu já não via há tempos, comemoram alegres. O Hope, ao lado parece sorrir mostrando sua língua azul.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com