quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

CONTOS DO MUNIR 100



FRAGMENTOS  3
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Luiza tinha agora 13, Pedro completaria 15. A balança pendia agora para ela, tornara-se mocinha e passava a se interessar por meninos mais velhos. Então, aparece Alfredo que morava na vila chique confrontando a casa de Luiza, um Centro Espírita dirigido por seu pai.
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Quatro vilas, todas na encosta do morro do Turano, em declive acentuado. Uma ficava em frente à residência de Pedro, onde na primeira casa morava o Guarda-Civil Barnabé que saia cedo com sua farda verde folha, de quepe, apito e cassetete. Tinha duas lindas filhas, Alzira e Brasilina. Um dos irmãos, mais velhos de Pedro, namorava as duas ao mesmo tempo, mas gostava mesmo de Jurema do final da vila, irmã de Paulo, amigo de Pedro. Os dois lutavam Box no porão.
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Dona Malvina morava na outra vila ao lado, janelas para a rua. Um dia pirou, começou a jogar dinheiro na calçada, parece que se arrependeu, desceu, de camisola para pegar de volta, competindo com a molecada. Os vizinhos chamaram seu Barnabé que estava dormindo. Esse mesmo grupo, vinha rápido, sempre que ocorria algo diferente, da mesma forma que aparecem os vendedores de guarda-chuvas, tão logo caem as primeiras gotas ou os ambulantes de biscoitos e água nos engarrafamentos.
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Dona Juraci, sua vizinha, mãe do Dino de oito anos, garoto esperto que adorava a calçada, escondia sua roupa e o deixava nu para que ele não fugisse.
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No mês de Maio surgiam, à tardinha, os primeiros balões. Começavam a enfeitar o céu. Eram de diferentes formatos, dados, bonecos, tangerinas, charutos, poliedros. Coloridos, alguns pequenos, outros enormes. Vários tinham anéis de lanternas pendurados. À noite, eles pontilhavam como estrelas móveis levadas pelo vento. Quando caiam, logo os mesmos meninos se faziam presentes.
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Liderados pelo mais forte gritavam:- “Ninguém tasca”.
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Tempo das pipas, gigantescas, feitas com flecha e papéis finos coloridos. Ninguém usava cerol, era uma guerra de habilidade.
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Os patinetes, de madeira, as rodas de rolimãs de máquinas ou rodas de carro. Carrinhos de feira, ou para divertimento de descer ladeiras, também usavam esses rolamentos, alguns tinham até volantes.
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Os piões, talhados à mão, o prego de aço na ponta cravava o do adversário.
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Os campeonatos de jogo de futebol de botões, com cores dos times preferidos, ou de casca de coco lixados e envernizados, eram disputados pelos meninos.
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Na vila seguinte, morava o Zeca, depois de uma briga no bonde com Pedro, fizeram as pazes. Ele foi visitá-lo, a mãe do Zeca era Dona Carmem, de mais de 100 quilos, ela soubera da desavença entre os dois. Pedro estava na sala com o amigo, ela chegou com um saquinho de balas em uma das mãos, a outra atrás das costas. Pedro viu, pelo espelho da cristaleira, a faca de cozinha, fugiu em desabalada carreira. Até hoje, quando ele vê uma senhora mais corpulenta ou um facão, sente um arrepio no ciático.
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Dona Judite era a moça da frente, casada, gostava de espiar da janela, sem blusa no verão, a garotada já sabia a hora certa.
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Na vila chique, as casas eram mais modernas, Alfredo, que agora era o xodó de Luiza, vivia com a mãe, e mais dois irmãos na última. Na terceira morava Dona Janete. Certa vez chamou Pedro para matar uma galinha e o recebeu com um robe de seda transparente. Ele ficou entre deslumbrado e assustado.
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O pai de Alfredo era raramente visto, constava que era o dono daquela vila que terminava com um campo de futebol na subida do morro, as meninas incluindo Luiza também lá iam.
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Brincava-se lá, de pega-ladrão, jogar bolinhas de gude, de vidro, coloridas, algumas de aço, pesadas, retiradas dos rolamentos. Buracos na terra, chamados búricas, para onde eram tecadas as bolinhas dos adversários.
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-“Marraio, feridô sou rei!”.
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Era o grito de guerra do moleque, desafiando os companheiros para o jogo. As esferas eram também munição para as atiradeiras ou estilingues feitos com forquilhas de goiabeira e tiras de borrachas de câmaras de ar.
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As meninas gostavam de brincar de passar o anel, adivinhar na mão de quem ele estava. A brincadeira, de estátua congelada, apreciada por elas, bem como pular corda e amarelinha, o céu e o inferno riscados no chão.
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Do lado esquerdo era o quintal da residência dos Serejos, família, cujo patriarca era temido pelos adolescentes da rua e apelidado “Casaca de Ferro”. Atirava, com uma espingardinha de chumbinho, na direção dos garotos que jogavam bola em frente . Felizmente, creio de propósito, nunca acertou ninguém. O Casaca de Ferro ou Camisão, tinha duas netas que não se entrosavam com a turma e mais um irmão viciado em jogo, perdendo o que tinha, deu um tiro na cabeça, sobreviveu, ficou com um buraco na testa e meio lelé, foi para lá.
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Miltinho, filho da Dona Célia, vizinho de Pedro era baixinho como a mãe e um dos irmãos, mas tinha um irmão e uma irmã de estatura normal. Telinha, sobrinha do dono da chácara de flores, não escondia suas preferências por ele, Pedro já tinha um olho nela, e morria de ciúmes. Fernando era primo de Miltinho, morava na mesma casa, contou para Dona Maria, mãe de Luiza, que ela ia brincar de médico no porão da casa de Pedro. Ela a proibiu de falar com ele. Fernando fez por vingança, havia tomado dois gols dele no jogo de futebol.
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O irmão de Alfredo, Rodrigo mais velho, era bem forte e também arrogante, um dia em um passeio de bicicleta começou a atropelar a bike de Pedro com a sua. Pedro não gostou saltou e partiu para a briga, já estava apanhando. Foi salvo pelo Nilo um cara de 2 metros de altura, 110 quilos, amigo do Miguel, tio de Pedro. Segurou o Fernando pela gola e o botou pra correr.
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Alfredo já estava namorando Luiza, descobriu que ela não era mais virgem, resolveu arriscar. Passou para a Escola de Aeronáutica. Luiza engravidou quando ele estava no primeiro ano, os pais dela fizeram um acordo de não denunciá-lo desde que se casasse com ela. Ainda durante o curso Luiza teve outro filho e depois mais cinco. Rodrigo, seu irmão não era de estudar muito, foi reprovado para a Academia, mas fez carreira como subalterno.
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Os balões continuavam a cair, Pedro foi para a Marinha.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

CONTOS DO MUNIR 99


FRAGMENTOS   2

Lu – seu vestido está molhado, você pode ficar resfriada.
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Pedro e Luiza, 12 e 10, estavam agora no porão da casa de Pedro.
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De férias, na manhã de uma quinta-feira de verão, vinham de mais uma travessura compartilhada. Dessa vez por iniciativa dela, que havia sugerido a incursão na área de seu Antonio, dono das casas onde moravam.
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O comércio dele era o mercado de flores. A chácara era enorme, praticamente do tamanho do quarteirão. Limitada por muros dos fundos das casas alugadas, de sua propriedade, na Rua Barão de Itapagipe e de outras na Rua Hadock Lobo.
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Um enorme tanque, mais parecido com uma piscina, era usado pelo jardineiro para molhar as plantas. Fazia isso pouco depois do nascer do sol e ao cair da tarde.
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O dia, realmente, convidava ao passeio por entre as flores: rosas de diversas cores, cravos, lírios, margaridas, copos de leite, antúrios, gardênias, estrelícias e outras mais além da chuva de prata para o adorno dos arranjos, exalavam uma mescla de aromas perfumados. Transformavam a pintura em um quadro tridimensional.
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Luiza e Pedro se sentiam no paraíso, receosos, todavia, que seu João, o cuidador, aparecesse fora de seu horário habitual.
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Fazia calor.

-Pedro, vigia enquanto eu tomo um banho no tanque.
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Haviam pulado o muro de volta.
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-Lu, melhor por esse vestido pra secar, o que sua mãe vai dizer se você chegar em casa assim?
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A menina ainda hesitou, não sentiu maldade no que Pedro pediu.
Aos dez anos o busto de Luiza ainda era de criança, mas já revelava a mulher em transformação.
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Era a primeira vez que Pedro via tão de perto um corpo feminino.
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Sua experiência se limitava as revistinhas de Carlos Zéfiro, compradas com dinheiro da mesada e às escondidas na banca do Frank, jornaleiro italiano, ou a espiar, pelo buraco da fechadura, a mulata Lourdes tomando seu banho de cuia.
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Pedro estudava em um colégio de padres, o sexo além de tabu era pecado, sempre confessava as leituras dos gibis eróticos. Como a penitência não era muito pesada- talvez de propósito, o padre Roncart era complacente -voltava a lê-los.
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Na chácara de seu Antonio, não tinha macieira, porém Pedro, como descendente de Adão e Eva, já possuía o pecado original- segundo Santo Agostinho- seu corpo reagiu como o homem em que se transmudava.
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Vieram à sua cabeça imagens dos desenhos de Zéfiro, da mulata calipígia, dele recém-nascido na sala de parto, das palavras do padre do colégio e de como seria o purgatório e o inferno.
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Nada alterava as reações que se desenvolviam em seu físico, Pedro se sentia num crescendo, esquecendo o adolescente que era.
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Não sabia se era um sonho ou pesadelo, as sensações contraditórias, um pico de satisfação que o tornava capaz de realizar algo que não conhecia, seguido do medo daquele novo horizonte.
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Pedro teve sua cadeia de pensamentos interrompida.
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- Pedro, venha aqui!
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Era sua mãe. O cheiro do refogado do feijão que Lourdes fazia e do qual ele gostava tanto para colocar no pão, invadia a casa.
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Pedro comeu o sanduíche e voltou para o porão. Foi brincar de médico com Luíza. Isso ele sabia fazer !!!
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Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CONTOS DO MUNIR 98



FRAGMENTOS
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Uma casa antiga na Tijuca dois andares: o de baixo eram três porões, dois grandões e um pequeno, que chamávamos de porãozinho. Os grandes, bastante arejados com amplas janelas, eram dos irmãos mais velhos, o menor, com duas grades ao nível da calçada, pertencia à irmã, os irmãos mais novos tinham que pedir licença para brincar neles.
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Lourdes era a “secretária” da casa, naquele tempo se usava empregada mesmo. Mulata inzoneira, verdadeira Venus calipígia* marrom, tomava seu banho de cuia, dentro de uma bacia em um dos porões. Era a hora em que nós, moleques adolescentes, íamos espiar pelo buraco da fechadura em rodízio cutucado.
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Um dos porões foi certa vez cedido a uma tia, que viajara, para guardar seus móveis: armários enormes, um piano de cauda e outros móveis ocuparam todo o espaço, transformando-se em um labirinto ideal para a antiga brincadeira de esconde- esconde.
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O pai, libanês, que gostava de um arroz com borrachos*, prato típico oriental, transformou, por um tempo, um dos porões em carpintaria e construiu lá um enorme pombal, mais tarde fincado no quintal. Lá já existia um galinheiro, uma gaiola grande para criar coelhos , um cercado para cabritos, tudo feito por ele.
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Não pintava nada, e quando perguntado por que, dizia que era provisório.
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O porão, às vezes, se transformava em hospital onde nós, meninos, brincávamos de médicos com as meninas.
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Outras vezes, eram arenas de Box e Luta Livre.
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O quintal tinha árvores frutíferas, figueiras de figos brancos e roxos, as frutas protegidas dos passarinhos por saquinhos de papel, o plástico, hoje condenado, apareceu depois.
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O pé de cajá-manga ficava no quintal do vizinho, o que não impedia que dele usufruíssemos.
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Existiam ainda cinco amoreiras , as frutinhas, quando roxinhas comidas ou transformadas em licor.
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Na amoreira mais alta, um irmão enforcou nela a boneca da irmã, injustamente foi outro, usual praticante desse tipo de brincadeira, mas não desta vez, que levou a culpa e a surra de cinto.
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Todos sabedores da surra, vestíamos umas três ou quatro calças para amortecer as cintadas.
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Como a casa ficava na Tijuca, com automóveis poucos e só importados o jogo de bola era na rua mesmo.
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Havia também um campo de futebol, na subida para o Salgueiro.
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O morro em frente, Turano, tinha dono , não havia favela nem traficantes, as moças que moravam na casa no alto do monte , desciam e subiam diariamente nas indas e vindas do colégio.
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O porão ainda servia como sala de estudo. Lá estudaram com um dos irmãos, futuros engenheiros, um deles chegou a presidir o Clube de Engenharia, outro foi Diretor Geral do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.
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Mais tarde, também foi usado por um dos irmãos que, expulso com sua turma, da Escola Naval, para tristeza de seus pais, ali se refugiou para estudar para o vestibular de Engenharia.
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Concedida a anistia, formou-se Guarda-Marinha e orgulho de seu pai.
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Um dos irmãos ficou doente e ficou lá isolado até se recuperar, acreditava-se que ele estava com tifo.
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O vizinho era português e, como nós, uma grande família, um tio avô morava com eles.  Ficávamos espantados e nos divertíamos, ao vê-lo arrancar com um alicate de bombeiro os poucos cabelos brancos que iam aparecendo.
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A casa, alugada, não se conhecia inflação, mas a especulação imobiliária já aparecia, acabou sendo vendida.
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Felizmente, o pai enriqueceu e comprou outra, um pouco adiante na mesma rua, mais moderna, também de dois andares, mas sem o encanto e a magia dos porões.
*calipígia----de nádegas formosas
*borrachos----além de bêbados, filhotes de pombos
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com