terça-feira, 11 de março de 2014

CONTOS DO MUNIR 004/2014

LADRÃO DE BICICLETA




Quinta feira, antes do carnaval de 2014. Manhã no Arpoador.

Lá estava ele, branquelo, sentado, descalço, ainda jovem e sem banho há algum tempo, as mãos amarradas atrás das costas por uma fita de nylon, três guardas municipais a vigiá-lo, aguardando a chegada da polícia chamada pelo dono da bicicleta, um almirante da reseva.

A história começou quando o infortunado ladrão estava recolhendo alumínio das latinhas de cerveja e refrigerantes,espólio do por de sol de quarta-feira.

O catador encontrou uma velha chave de rodas e se viu tentado a roubar uma bicicleta, também de alumínio. Estava na manobra de usá-la como alavanca-Princípio de Arquimedes intuitivo, nunca estudou Física- para quebrar o cadeado,quando o almirante o encontrou.
O militar:-

-Dá licença, vou pegar minha bicicleta. Ao notar a chave de rodas. Puxa! Você está querendo roubar minha bicicleta! Está preso!

O ladrão:- Não senhor. É que odeio cadeados e quero rebentar todos.

Saiu correndo aos gritos de “Pega ladrão”! “Pega ladrão”!.

Foi para a praia do Diabo, largando o saco preto de sua coleta, dois a persegui-lo e mergulhou, como não sabia nadar, voltou para areia onde os três guardas o agarraram.

Eu estava sentado, apreciando, no estrado de madeira que compõe o
monumento monstrengo em homenagem ao Millor. Uma estrutura de ferro, já enferrujada para não enferrujar.


Era para ser colocada no sentido Leste Oeste e fazer a sombra do humorista projetada, talvez ficasse bonita-a sombra- mas alguém achou que iria atravancar a passagem dos caminhões da Comlurb e mudou o local. Claro que o criador da obra não gostou.

Foi quando o outro chegou. Escuro, também jovem, bigodinho de mocinho de cinema, óculos de sol, bermuda caqui, camisa branca, sandálias havaianas, mochila nas costas e uma caixinha de isopor. Sentou-se ao meu lado.

-É horrível o cara ser preso!-comentou, olhando para o catador imobilizado.

- É mesmo.-respondi.
-Sei como é que é-continuou.

-Você já foi preso?-perguntei.

- Já- disse o dono da caixinha.

-Eu também- e acrescentei:-acusado de comunista.

-Por que?- voltei a perguntar.

-Porte de arma. Comprei lá no morro do Turano, ia fazer uma segurança, mas o revólver estava com a numeração raspada, a polícia me agarrou e fiquei lá dois dias. É muito ruim.

Estou aqui esperando o gelo pra ir vender minhas garrafinhas de água na areia. To com sete reais, o gelo é cinco. Vou ver se faço uns trocados pra poder comer alguma coisa. To morando na rua. Ontem dormi lá em cima disse, apontando para as pedras. Aqui dentro da mochila tem um lençol e um cobertor. Em março, vou ver se junto quinhentos reais e alugar um quartinho em Santa Cruz, custa cento e cinquenta por mês.
-Por que não arruma um emprego?- inquiri.

-Perdi meus documentos.-respondeu.

E falando como se antecipasse as minhas indagações:

-Meu pai é o culpado da vida que estou levando,-em uma percepção Freudiana, sem nunca ter feito análise-. Ele é artesão, ganha um bom dinheiro vendendo o que faz em cobre na feira Hippie em Ipanema. Tem duas casas, bebe muito e batia na minha mãe que eu protegia, e eles acabaram se separando. Agora ele nem quer saber de mim.
-E sua mãe?-indaguei.

E o vendedor de água:
-Minha mãe foi morar em Rio Comprido, e lá eu não posso ir, sou jurado de morte, a arma que eu peguei era de um traficante.

Levantou-se para pegar o isopor e só então vi que mancava. Uma recordação veio à minha cabeça e achei que já o conhecia, ainda não tinha certeza. Eu tinha nove reais comigo e dei para ele, dizendo para comprar alguma coisa para comer. Agradeceu muito, e fomos embora. Eu com a minha bike e ele com a caixinha de isopor.
*     
Há dois anos, estávamos sentados no Arpoador, eu mais o Zé, a Bete, o Paulo e a Carla. Ela acabara de comprar uma bicicleta Trek bem moderna, com freios a disco, vinte e sete marchas, câmbio Shimano, raios de alumínio e outros acessórios, que para nós eram novidades. Ela estava nos mostrando, quando o cara apareceu. Apontou o revólver:

-Vou levar a bicicleta! Saiu montado.
Notei que capengava.


Ele na Trek, se voltou e disse:
-Ninguém grita senão eu atiro!
Sem que o ladrão visse, tirei uma foto com o meu antigo celular.
*
O carro da polícia militar levou o branquelo.
O almirante foi embora com a sua magrela, perdeu a sua tranca, que os policiais levaram junto com a chave de rodas, como evidência.
*
Na hora do almoço me lembrei da foto e fui procurar o celular velho.
Se não era o mesmo, era muito parecido, não tinha bigode, usava um boné, mas o físico igual.
À época, tinha mostrado a foto na delegacia. Disseram que não era fichado.
Quem sabe... Se eu levar novamente identificam.
*
Não levei.
Autor: Munir Alzuguir

E-Mail: alzumunir@gmail.com




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