sábado, 26 de fevereiro de 2011

CONTOS DO MUNIR - 59

SOU FILHO BASTARDO !
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Assim exclamou Juliano na roda do bar. Nem alto ele estava, se tinha bebido um chope, era muito. Seus amigos, atônitos pararam as tulipas na mesa. Juliano, da turma era o mais jovem, os outros, da geração 35 mm kodachrome color, filme extinto em 2010.
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Juliano era agrônomo, quase uma tradição familiar, às vezes passava tempo sem aparecer, trabalhando em fazendas em Mato Grosso ou Minas. Contava muitas histórias de bois, vacas e terras de grilagem, dizia que algumas estradas passavam por dentro das fazendas e tinham pedágio. Os fazendeiros colocavam seus jatinhos a sua disposição para ver os pastos da invernada. O gado, dizia ele, levava três dias para lá chegar
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Contava também que sua mãe era muito bonita e aos cinquenta e nove anos abandonou a casa e foi morar com um japonês nos Estados Unidos. Juliano não tinha cara de japa.
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E aí começou a história do filho bastardo. Seu pai morreu e a mãe regressou ao Brasil para cumprir formalidades jurídicas. Revelou a ele que o seu pai biológico era o dono das fazendas onde seu cônjuge trabalhava. Propositadamente, enviava o marido para verificar a adequação dos pastos nas terras.
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A mãe e o fazendeiro foram amantes por seis anos. Dessa união, nasceu Juliano e a irmã caçula, Julia. O pai era o milionário Julio Anobe Bergstein, dono de frigoríficos e exportador de carne para a Rússia e Oriente Médio. O nome dos meninos foi dado em sua homenagem. Também falecera e deixara uma fortuna incalculável em imóveis e empresas.
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O inventário não incluiu os irmãos, nascidos fora do casamento. A princípio, Juliano ficou revoltado, fora criado e educado em um lar que acreditava estável, apesar dos arrufos constantes do casal.
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Lembrou-se de como sua mãe vestia-se com elegância e saia de Jacarepaguá, onde moravam para trabalhar na corretora de imóveis, do patrão do marido, em Copacabana. Às vezes, um carro com motorista vinha buscá-la.
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Também se recordou das idas, junto com ela, ao Penhor da Caixa Econômica. Transformava jóias em dinheiro para evitar suspeitas.
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O ódio que Juliano nutria pela mãe estendeu-se ao pai biológico e também àquele que acreditava ser seu pai verdadeiro. Um desejo de vingança e compensação tornou-se compulsivo.
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Iniciou, então, uma busca a todos os dados referentes a Julio Anobe Bergstein. O homem pertencia à alta sociedade, frequentava o Country e o Copacabana Palace. Sempre visto com lindas mulheres. Encontrou uma foto dele com bigode e cavanhaque, olhou-se no espelho: o nariz, a testa e as orelhas já eram sinais eloquentes de uma herança genética. Deixou crescer a barba e passou a usar bigode. A semelhança era espantosa, pareciam clones.
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Viu a fortuna arrolada: além das empresas, fundos de aplicações no Brasil e no exterior, ações dos principais bancos e companhias e muitos apartamentos na orla da Zona Sul notadamente na Vieira Souto e Delfim Moreira, a maioria fechados; outros, residências dos filhos legítimos.
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E ele morando, ainda de aluguel em Jacarepaguá em um sala e quarto e ainda sustentando a irmã. Achou que tinha direito a um bom pedaço daquele bolo. Precisava, entretanto, de uma prova conclusiva. Só a aparência não seria argumento suficiente.
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Juliano resolveu contratar um bom advogado, como não tinha dinheiro, propôs uma percentagem do valor que receberia em ganho de causa. A proposta foi aceita quase que de imediato. Uma carta foi enviada com cópia das fotos que Juliano mostrara. A resposta dos defensores da família foi quase um reconhecimento da paternidade. Propuseram uma indenização irrisória em relação ao patrimônio; mesmo assim era quase o dobro do que Juliano ganharia em uma vida de trabalho.
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Seu advogado era investigativo, não replicou de imediato, intensificou a procura por mais dados à época em que a mãe de Juliano e o Sr.Anobe eram amantes: viagens ao estrangeiro, a querida como secretária particular, promoções meteóricas na empresa, um carro do ano, dizia ter ganho em rifa da companhia.
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Nova carta foi mandada aos herdeiros. A proposta deles foi multiplicada e um apartamento na zona Sul foi adicionado.
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O advogado retrucou com um pedido de DNA, os filhos legítimos disseram que se negariam a fazer.
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A exumação de Julio Anobe, impossível de ser feita, o fazendeiro apesar de sua religião não permitir, havia sido cremado, provavelmente para evitar provas futuras.
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O advogado, persistente, conhecia, por experiência, as decisões em casos semelhantes e a demora do julgamento. Um acordo seria a solução adequada. Precisava de algo concreto
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Sugestões, nem tanto sutis, de aliciamento lhe foram feitas e recusadas. .
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Como estava tendo uma queda acentuada de cabelo, talvez devida à ansiedade que o processo estava lhe trazendo, resolveu realizar um implante capilar.
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O profissional ao ser contratado, ignorando o litígio, deu como referência, entre outros nomes, o de um filho legítimo do Sr. Juliano e que ele estava tratando Disse mais, a queda de cabelo era bastante semelhante e a textura quase a mesma. O advogado vislumbrou a porta que se abria inesperadamente. Pediu que trouxesse um fio do cabelo desse outro cliente, o que ele fez com agrado.
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Foi realizado o exame de DNA e o resultado foi o esperado, Juliano era realmente filho do fazendeiro, mas a prova não era válida perante a Justiça.
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O defensor solicitou audiência ao Juiz e conseguiu ser atendido, disse a verdade. O Magistrado, sensibilizado, ainda mais por ser a irmã de Juliano portadora da Síndrome de Down resolveu chamar as partes para um acordo.
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Juliano tornou-se um homem rico, foi morar na Delfim Moreira com uma renda vitalícia e assistência permanente para a irmã.
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Quando bebe um pouco mais, chora e diz que seria mais feliz se estivesse morando em Jacarepaguá e não fosse filho bastardo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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