SOU FILHO BASTARDO !
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Assim exclamou Juliano na roda do bar. Nem alto ele estava, se tinha bebido um chope, era muito. Seus amigos, atônitos pararam as tulipas na mesa. Juliano, da turma era o mais jovem, os outros, da geração 35 mm kodachrome color, filme extinto em 2010.
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Juliano era agrônomo, quase uma tradição familiar, às vezes passava tempo sem aparecer, trabalhando em fazendas em Mato Grosso ou Minas. Contava muitas histórias de bois, vacas e terras de grilagem, dizia que algumas estradas passavam por dentro das fazendas e tinham pedágio. Os fazendeiros colocavam seus jatinhos a sua disposição para ver os pastos da invernada. O gado, dizia ele, levava três dias para lá chegar
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Contava também que sua mãe era muito bonita e aos cinquenta e nove anos abandonou a casa e foi morar com um japonês nos Estados Unidos. Juliano não tinha cara de japa.
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E aí começou a história do filho bastardo. Seu pai morreu e a mãe regressou ao Brasil para cumprir formalidades jurídicas. Revelou a ele que o seu pai biológico era o dono das fazendas onde seu cônjuge trabalhava. Propositadamente, enviava o marido para verificar a adequação dos pastos nas terras.
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A mãe e o fazendeiro foram amantes por seis anos. Dessa união, nasceu Juliano e a irmã caçula, Julia. O pai era o milionário Julio Anobe Bergstein, dono de frigoríficos e exportador de carne para a Rússia e Oriente Médio. O nome dos meninos foi dado em sua homenagem. Também falecera e deixara uma fortuna incalculável em imóveis e empresas.
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O inventário não incluiu os irmãos, nascidos fora do casamento. A princípio, Juliano ficou revoltado, fora criado e educado em um lar que acreditava estável, apesar dos arrufos constantes do casal.
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Lembrou-se de como sua mãe vestia-se com elegância e saia de Jacarepaguá, onde moravam para trabalhar na corretora de imóveis, do patrão do marido, em Copacabana. Às vezes, um carro com motorista vinha buscá-la.
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Também se recordou das idas, junto com ela, ao Penhor da Caixa Econômica. Transformava jóias em dinheiro para evitar suspeitas.
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O ódio que Juliano nutria pela mãe estendeu-se ao pai biológico e também àquele que acreditava ser seu pai verdadeiro. Um desejo de vingança e compensação tornou-se compulsivo.
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Iniciou, então, uma busca a todos os dados referentes a Julio Anobe Bergstein. O homem pertencia à alta sociedade, frequentava o Country e o Copacabana Palace. Sempre visto com lindas mulheres. Encontrou uma foto dele com bigode e cavanhaque, olhou-se no espelho: o nariz, a testa e as orelhas já eram sinais eloquentes de uma herança genética. Deixou crescer a barba e passou a usar bigode. A semelhança era espantosa, pareciam clones.
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Viu a fortuna arrolada: além das empresas, fundos de aplicações no Brasil e no exterior, ações dos principais bancos e companhias e muitos apartamentos na orla da Zona Sul notadamente na Vieira Souto e Delfim Moreira, a maioria fechados; outros, residências dos filhos legítimos.
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E ele morando, ainda de aluguel em Jacarepaguá em um sala e quarto e ainda sustentando a irmã. Achou que tinha direito a um bom pedaço daquele bolo. Precisava, entretanto, de uma prova conclusiva. Só a aparência não seria argumento suficiente.
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Juliano resolveu contratar um bom advogado, como não tinha dinheiro, propôs uma percentagem do valor que receberia em ganho de causa. A proposta foi aceita quase que de imediato. Uma carta foi enviada com cópia das fotos que Juliano mostrara. A resposta dos defensores da família foi quase um reconhecimento da paternidade. Propuseram uma indenização irrisória em relação ao patrimônio; mesmo assim era quase o dobro do que Juliano ganharia em uma vida de trabalho.
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Seu advogado era investigativo, não replicou de imediato, intensificou a procura por mais dados à época em que a mãe de Juliano e o Sr.Anobe eram amantes: viagens ao estrangeiro, a querida como secretária particular, promoções meteóricas na empresa, um carro do ano, dizia ter ganho em rifa da companhia.
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Nova carta foi mandada aos herdeiros. A proposta deles foi multiplicada e um apartamento na zona Sul foi adicionado.
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O advogado retrucou com um pedido de DNA, os filhos legítimos disseram que se negariam a fazer.
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A exumação de Julio Anobe, impossível de ser feita, o fazendeiro apesar de sua religião não permitir, havia sido cremado, provavelmente para evitar provas futuras.
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O advogado, persistente, conhecia, por experiência, as decisões em casos semelhantes e a demora do julgamento. Um acordo seria a solução adequada. Precisava de algo concreto
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Sugestões, nem tanto sutis, de aliciamento lhe foram feitas e recusadas. .
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Como estava tendo uma queda acentuada de cabelo, talvez devida à ansiedade que o processo estava lhe trazendo, resolveu realizar um implante capilar.
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O profissional ao ser contratado, ignorando o litígio, deu como referência, entre outros nomes, o de um filho legítimo do Sr. Juliano e que ele estava tratando Disse mais, a queda de cabelo era bastante semelhante e a textura quase a mesma. O advogado vislumbrou a porta que se abria inesperadamente. Pediu que trouxesse um fio do cabelo desse outro cliente, o que ele fez com agrado.
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Foi realizado o exame de DNA e o resultado foi o esperado, Juliano era realmente filho do fazendeiro, mas a prova não era válida perante a Justiça.
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O defensor solicitou audiência ao Juiz e conseguiu ser atendido, disse a verdade. O Magistrado, sensibilizado, ainda mais por ser a irmã de Juliano portadora da Síndrome de Down resolveu chamar as partes para um acordo.
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Juliano tornou-se um homem rico, foi morar na Delfim Moreira com uma renda vitalícia e assistência permanente para a irmã.
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Quando bebe um pouco mais, chora e diz que seria mais feliz se estivesse morando em Jacarepaguá e não fosse filho bastardo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
Assim exclamou Juliano na roda do bar. Nem alto ele estava, se tinha bebido um chope, era muito. Seus amigos, atônitos pararam as tulipas na mesa. Juliano, da turma era o mais jovem, os outros, da geração 35 mm kodachrome color, filme extinto em 2010.
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Juliano era agrônomo, quase uma tradição familiar, às vezes passava tempo sem aparecer, trabalhando em fazendas em Mato Grosso ou Minas. Contava muitas histórias de bois, vacas e terras de grilagem, dizia que algumas estradas passavam por dentro das fazendas e tinham pedágio. Os fazendeiros colocavam seus jatinhos a sua disposição para ver os pastos da invernada. O gado, dizia ele, levava três dias para lá chegar
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Contava também que sua mãe era muito bonita e aos cinquenta e nove anos abandonou a casa e foi morar com um japonês nos Estados Unidos. Juliano não tinha cara de japa.
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E aí começou a história do filho bastardo. Seu pai morreu e a mãe regressou ao Brasil para cumprir formalidades jurídicas. Revelou a ele que o seu pai biológico era o dono das fazendas onde seu cônjuge trabalhava. Propositadamente, enviava o marido para verificar a adequação dos pastos nas terras.
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A mãe e o fazendeiro foram amantes por seis anos. Dessa união, nasceu Juliano e a irmã caçula, Julia. O pai era o milionário Julio Anobe Bergstein, dono de frigoríficos e exportador de carne para a Rússia e Oriente Médio. O nome dos meninos foi dado em sua homenagem. Também falecera e deixara uma fortuna incalculável em imóveis e empresas.
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O inventário não incluiu os irmãos, nascidos fora do casamento. A princípio, Juliano ficou revoltado, fora criado e educado em um lar que acreditava estável, apesar dos arrufos constantes do casal.
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Lembrou-se de como sua mãe vestia-se com elegância e saia de Jacarepaguá, onde moravam para trabalhar na corretora de imóveis, do patrão do marido, em Copacabana. Às vezes, um carro com motorista vinha buscá-la.
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Também se recordou das idas, junto com ela, ao Penhor da Caixa Econômica. Transformava jóias em dinheiro para evitar suspeitas.
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O ódio que Juliano nutria pela mãe estendeu-se ao pai biológico e também àquele que acreditava ser seu pai verdadeiro. Um desejo de vingança e compensação tornou-se compulsivo.
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Iniciou, então, uma busca a todos os dados referentes a Julio Anobe Bergstein. O homem pertencia à alta sociedade, frequentava o Country e o Copacabana Palace. Sempre visto com lindas mulheres. Encontrou uma foto dele com bigode e cavanhaque, olhou-se no espelho: o nariz, a testa e as orelhas já eram sinais eloquentes de uma herança genética. Deixou crescer a barba e passou a usar bigode. A semelhança era espantosa, pareciam clones.
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Viu a fortuna arrolada: além das empresas, fundos de aplicações no Brasil e no exterior, ações dos principais bancos e companhias e muitos apartamentos na orla da Zona Sul notadamente na Vieira Souto e Delfim Moreira, a maioria fechados; outros, residências dos filhos legítimos.
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E ele morando, ainda de aluguel em Jacarepaguá em um sala e quarto e ainda sustentando a irmã. Achou que tinha direito a um bom pedaço daquele bolo. Precisava, entretanto, de uma prova conclusiva. Só a aparência não seria argumento suficiente.
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Juliano resolveu contratar um bom advogado, como não tinha dinheiro, propôs uma percentagem do valor que receberia em ganho de causa. A proposta foi aceita quase que de imediato. Uma carta foi enviada com cópia das fotos que Juliano mostrara. A resposta dos defensores da família foi quase um reconhecimento da paternidade. Propuseram uma indenização irrisória em relação ao patrimônio; mesmo assim era quase o dobro do que Juliano ganharia em uma vida de trabalho.
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Seu advogado era investigativo, não replicou de imediato, intensificou a procura por mais dados à época em que a mãe de Juliano e o Sr.Anobe eram amantes: viagens ao estrangeiro, a querida como secretária particular, promoções meteóricas na empresa, um carro do ano, dizia ter ganho em rifa da companhia.
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Nova carta foi mandada aos herdeiros. A proposta deles foi multiplicada e um apartamento na zona Sul foi adicionado.
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O advogado retrucou com um pedido de DNA, os filhos legítimos disseram que se negariam a fazer.
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A exumação de Julio Anobe, impossível de ser feita, o fazendeiro apesar de sua religião não permitir, havia sido cremado, provavelmente para evitar provas futuras.
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O advogado, persistente, conhecia, por experiência, as decisões em casos semelhantes e a demora do julgamento. Um acordo seria a solução adequada. Precisava de algo concreto
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Sugestões, nem tanto sutis, de aliciamento lhe foram feitas e recusadas. .
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Como estava tendo uma queda acentuada de cabelo, talvez devida à ansiedade que o processo estava lhe trazendo, resolveu realizar um implante capilar.
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O profissional ao ser contratado, ignorando o litígio, deu como referência, entre outros nomes, o de um filho legítimo do Sr. Juliano e que ele estava tratando Disse mais, a queda de cabelo era bastante semelhante e a textura quase a mesma. O advogado vislumbrou a porta que se abria inesperadamente. Pediu que trouxesse um fio do cabelo desse outro cliente, o que ele fez com agrado.
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Foi realizado o exame de DNA e o resultado foi o esperado, Juliano era realmente filho do fazendeiro, mas a prova não era válida perante a Justiça.
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O defensor solicitou audiência ao Juiz e conseguiu ser atendido, disse a verdade. O Magistrado, sensibilizado, ainda mais por ser a irmã de Juliano portadora da Síndrome de Down resolveu chamar as partes para um acordo.
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Juliano tornou-se um homem rico, foi morar na Delfim Moreira com uma renda vitalícia e assistência permanente para a irmã.
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Quando bebe um pouco mais, chora e diz que seria mais feliz se estivesse morando em Jacarepaguá e não fosse filho bastardo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
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