quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CONTOS DO MUNIR 73 / O QUADRO-LIVRE ARBÍTRIO ?

O QUADRO ---LIVRE ARBÍTRIO?

O Quadro era antigo, provavelmente comprado por Vincenzo Fratelli, em Roma, na Piazza Navona: retratava um rosto de mulher, pescoço excessivamente alongado realçando as cores vermelho e amarelo. No canto direito, com lente de aumento e esforço, apareciam esmaecidas as letras A M e uma série de cinco dígitos.
GENARO
Genaro, descendente de italianos, veio com seus pais- Vincenzo e Lavínia para o Brasil logo após a segunda guerra mundial, em um navio da Marinha de Guerra. Na ocasião tinha oito anos, vem daí a paixão pelo mar.

Aos quinze estava na Escola Naval, aos vinte três, oficial submarinista e mergulhador de combate.

Embarcado em um submarino como capitão – tenente, era oficial de navegação.


Na entrada do porto de Recife, cruzando o molhe, Genaro disse ao timoneiro - “leme a bombordo” com intenção de desfazer o efeito da maré que jogava o barco de encontro ao quebra-mar. O Comandante no passadiço determinou que o timoneiro mantivesse o rumo. O submarino, arrastado pela correntada, roçou levemente em uma das pedras submersas, ocasionando perda de combustível em um dos tanques de lastro.


A parte de ocorrência encaminhada ao almirante chefe da Flotilha apontava a culpa do oficial de navegação, isentando o comandante, alegando que ele não fora alertado com a ênfase necessária - A obediência padrão, do tempo de Genaro, transmitida nas Escolas Militares era a de cumprir ordens sem restrições. As “INSTRUÇÕES PARA ENSINO DE RACIOCINIO” (Sergio Lima Ypiranga dos Guaranys) ainda não tinham sido adotadas.

Genaro recorreu da punição que lhe fora imposta e esta foi relevada. Entretanto foi pedido o seu desembarque, viu ali a frustração de sua carreira de submarinista e da Marinha.



Estudava Economia, estava no último ano.

(O autor como dono da vida de seu personagem)
Traçando o destino de Genaro:
O concurso para ingresso na Petroleira estava aberto, Genaro fora transferido para o Quartel de Marinheiros uma Organização da Marinha considerada à época não muito nobre. Sentindo-se desprestigiado e injustiçado, o jovem oficial, arriscando sua segurança, solicitou seu desligamento da Marinha, saiu sem remuneração, só com o posto de capitão-tenente.

Sua experiência naval o conduziu para o Setor de Navegação da Companhia, promoções por desempenho o alçaram a Diretoria. Dominando o italiano e o inglês, foi indicado para representação no exterior.

Recebia em um ano o tanto que levaria em dez anos na Marinha.
Admirador da pintura adquiriu quadros de pintores famosos, estrangeiros e brasileiros.

Scliar, Teruz, Rapoport, Tarsila, Aldemir Martins, Pancetti, Di Cavalcanti, Botticeli, Debret, Enzo Cucchi ornamentavam, ao lado do quadro da mulher de pescoço alongado, a parede de sua sala.

Casou-se com a herdeira de um dono de estaleiro que a transformou de dona de casa em executiva, a partir daí, o casamento desandou, os filhos já estavam crescidos, o amor transformou-se em amizade e cada qual seguiu um rumo diferente.



Genaro resolveu viver a vida, adquiriu uma lancha, um ultraleve e trocou seu carro por uma Mercedes conversível.



Agora aposentado seu prazer era o tênis e as moças atraídas por um divorciado com tais fatores de sedução, alem do tipo físico de galã italiano.



O marchant que lhe conseguiu o Botticeli, ao ver o quadro da mulher de longo colo amarelo e o contraste da blusa vermelha o identificou como sendo de Amedeo Modigliani. O código numérico e as iniciais A.M não deixavam dúvidas. O negociante disse:- um quadro parecido tinha ajudado a localizar um líder sérvio procurado por crimes de guerra quando ele tentou vendê-lo. Mais tarde esse quadro fora leiloado por mais de trinta e cinco milhões de dólares.

Genaro era feliz, entretanto, sentia falta da sua Marinha, incrustada em seu coração, frequentava com assiduidade o Clube Naval, seus maiores amigos eram seus colegas de turma e sempre comparecia aos eventos da sua antiga Força de Submarinos.

(O autor mudando o destino de Genaro)
Um dos amigos do pai de Genaro era General de Exército e o indicou para a Empresa Agro-Pecuária, sob cuja responsabilidade estava o aproveitamento da retirada da madeira em Tucuruí.

Deu tudo errado, não conseguiram efetivar o projeto, desvios noturnos da madeira retirada resultaram em um inquérito no qual Genaro foi inicialmente considerado culpado, seus bens tornados indisponíveis seus salários bloqueados.
Genaro passou a morar com sua irmã, por intuição e precaução, a ela havia entregado o quadro.

O inquérito, concluído dez anos mais tarde, inocentava Genaro.
Conseguiu reaver seus bens agora depredados.



Nos seus dez anos de angústia, dedicou-se à pintura e tentava imitar os pintores italianos. Descobriu que seu quadro tinha toda a arte de Amedeo Modigliani e que, se fosse autêntico, o que mais tarde ficou confirmado, se vendido, daria para quitar as dívidas que lhe estavam sendo atribuídas.
Jamais vendeu o quadro.

(O autor mudando novamente o destino de Genaro)
A Confederação Nacional das Empresas Autônomas se ressentia da falta de economistas, os que lá estavam se sentiam desatualizados e Genaro ao apresentar seu currículo foi imediatamente aceito para ministrar novos conhecimentos.
Celso Furtado, Roberto Campos, Simonsen, Raul Prebish, Grenspan, Galbraith, Friedman, Dixit Avinash, Milton Friedman e outros tantos, quase íntimos de Genaro por suas obras, passaram a ser nominados nas argumentações e fundamentos dos pareceres do Departamento de Economia da C.N.E.A

Ao fim de alguns anos foi designado para chefiar o Departamento.
Paradoxalmente, foi criado, por uma assessoria externa um Fundo de Previdência para os servidores da Confederação. Sem as devidas salvaguardas, mantinha o mesmo salário para os servidores que se aposentassem.
Em poucos anos, o Fundo foi corrompido.
Genaro aposentado, recebendo o salário da Previdência Social, mudou-se para o subúrbio.



Preserva o quadro na parede de sua sala junto com posters e gravuras.
Quem sabe um dia descubra que é milionário.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com



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