FRAGMENTOS
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Uma casa antiga na Tijuca
dois andares: o de baixo eram três porões, dois grandões e um pequeno, que
chamávamos de porãozinho. Os grandes, bastante arejados com amplas janelas,
eram dos irmãos mais velhos, o menor, com duas grades ao nível da calçada,
pertencia à irmã, os irmãos mais novos tinham que pedir licença para brincar
neles.
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Lourdes era a “secretária”
da casa, naquele tempo se usava empregada mesmo. Mulata inzoneira, verdadeira
Venus calipígia* marrom, tomava seu banho de cuia, dentro de uma bacia em um
dos porões. Era a hora em que nós, moleques adolescentes, íamos espiar pelo
buraco da fechadura em rodízio cutucado.
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Um dos porões foi certa
vez cedido a uma tia, que viajara, para guardar seus móveis: armários enormes,
um piano de cauda e outros móveis ocuparam todo o espaço, transformando-se em
um labirinto ideal para a antiga brincadeira de esconde- esconde.
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O pai, libanês, que gostava
de um arroz com borrachos*, prato típico oriental, transformou, por um tempo,
um dos porões em carpintaria e construiu lá um enorme pombal, mais tarde
fincado no quintal. Lá já existia um galinheiro, uma gaiola grande para criar
coelhos , um cercado para cabritos, tudo feito por ele.
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Não pintava nada, e quando
perguntado por que, dizia que era provisório.
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O porão, às vezes, se
transformava em hospital onde nós, meninos, brincávamos de médicos com as
meninas.
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Outras vezes, eram arenas
de Box e Luta Livre.
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O quintal tinha árvores
frutíferas, figueiras de figos brancos e roxos, as frutas protegidas dos
passarinhos por saquinhos de papel, o plástico, hoje condenado, apareceu
depois.
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O pé de cajá-manga ficava
no quintal do vizinho, o que não impedia que dele usufruíssemos.
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Existiam ainda cinco
amoreiras , as frutinhas, quando roxinhas comidas ou transformadas em licor.
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Na amoreira mais alta, um
irmão enforcou nela a boneca da irmã, injustamente foi outro, usual praticante
desse tipo de brincadeira, mas não desta vez, que levou a culpa e a surra de
cinto.
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Todos sabedores da surra, vestíamos umas três
ou quatro calças para amortecer as cintadas.
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Como a casa ficava na
Tijuca, com automóveis poucos e só importados o jogo de bola era na rua mesmo.
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Havia também um campo de
futebol, na subida para o Salgueiro.
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O morro em frente, Turano,
tinha dono , não havia favela nem traficantes, as moças que moravam na casa no
alto do monte , desciam e subiam diariamente nas indas e vindas do colégio.
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O porão ainda servia como
sala de estudo. Lá estudaram com um dos irmãos, futuros engenheiros, um deles
chegou a presidir o Clube de Engenharia, outro foi Diretor Geral do
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem.
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Mais tarde, também foi
usado por um dos irmãos que, expulso com sua turma, da Escola Naval, para
tristeza de seus pais, ali se refugiou para estudar para o vestibular de Engenharia.
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Concedida a anistia,
formou-se Guarda-Marinha e orgulho de seu pai.
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Um dos irmãos ficou doente
e ficou lá isolado até se recuperar, acreditava-se que ele estava com tifo.
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O vizinho era português e,
como nós, uma grande família, um tio avô morava com eles. Ficávamos espantados e nos divertíamos, ao
vê-lo arrancar com um alicate de bombeiro os poucos cabelos brancos que iam
aparecendo.
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A casa, alugada, não se
conhecia inflação, mas a especulação imobiliária já aparecia, acabou sendo
vendida.
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Felizmente, o pai
enriqueceu e comprou outra, um pouco adiante na mesma rua, mais moderna, também
de dois andares, mas sem o encanto e a magia dos porões.
*calipígia----de
nádegas formosas
*borrachos----além
de bêbados, filhotes de pombos
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
E-Mail:alzumunir@gmail.com
não sei explicar qual a magia dos porões. Creio que parte dela fica no imaginário das crianças. Eu também tive dois porões na minha vida...
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