quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

CONTOS DO MUNIR 004/2013



UM RICARDÃO 
DIFERENTE
 Mesa do café da Padaria Rio Lisboa:
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Julio, hoje, completa setenta e oito anos. Depois de aberto o champanhe e acender a vela de aniversário, nos participou:
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- Acabei o meu romance, foram vinte anos de namoro. Fiz um acordo. Disse a minha namorada que estava ficando idoso, iria sair do Rio. Deixei o apartamento, nosso ninho de amor, para ela, mais três salários mínimos mensais,além de uma conta na Poupança que ela só poderá movimentar daqui a três anos.
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Ela chorou muito, que só o que interessava era o meu amor, mas acabou concordando, só perguntou se poderia voltar para o Nabucodonosor, seu ainda marido. Fiquei meio sentido a princípio e, refletindo, pensei que era melhor solução.
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O pai de Julio era farmacêutico no interior de Goiás, desejoso que o filho continuasse no ramo, enviou dinheiro para que abrisse uma farmácia em Copacabana. Julio odiava esse comércio, a lembrança que tinha, era de seu tempo de menino, quando sua mãe lhe dava óleo de rícino e de fígado de bacalhau. Nunca faltavam, trazidos da loja do pai.
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Abriu uma casa lotérica. Apareceu Iracema, cor de doce de leite feito em casa, passando um pouco do ponto. Estava grávida. Julio, homem de bom coração, deu-lhe emprego. Ainda hoje duvida se já não se sentira seduzido pela linda morena, que mais tarde demonstraria sua gratidão pelo patrão.
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O marido de Iracema, dono de um quiosque no Arpoador, Nabucodonosor, sempre com a barba por fazer. Nós o conhecíamos com seu constante mau humor, o pouco caso com que tratava seus fregueses e a falta de cuidado com a limpeza. Frequentamos o Arpoador há mais de uma década, nunca víramos um sorriso no seu rosto
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Julio enriquecera por seu próprio trabalho, por sua visão de empreendedor, comprara, há alguns anos atrás, casas velhas na zona portuária, revendera por uma fortuna. Além do mais casara com a filha do dono da maior Seguradora do Rio de Janeiro.
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 diferença de idade entre Julio e sua ex-namorada é de trinta anos; o quiosqueiro, hoje, está com cinquenta e poucos.
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Julio, vaidoso, sempre se dedicou aos esportes, cuida bem de sua saúde e de seu físico. De vez em quando, some, quando reaparece, aparenta ser mais jovem e mais elegante.
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Fazendo as contas, Iracema deve estar hoje com quarenta e poucos anos. Julio diz que dava conta, mesmo sem remedinhos, com sua namorada não precisava.
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Julio cumprindo o prometido, viajara. Dois meses se passaram, mesmo, às vezes irreverente, e outras agressivo, sentíamos sua falta.
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Mas...alguma coisa mudara no quiosque, ou melhor, no quiosque e no quiosqueiro.
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Nabucodonosor tornou-se um homem sorridente, a barba sempre aparada, gentil, o avental branco impecável, o quiosque pintado de branco e azul, mesas e cadeiras limpíssimas.
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E assim ficamos conhecendo Iracema.
Autor:MunirAlzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

CONTOS DO MUNIR 003/2013



O SETENTÃO
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Encontrei novamente o Moacir. A última vez tinha alugado meus ouvidos e os de minha namorada para contar a história de sua vida. Quase uma hora de lamúrias. Iniciou com o fracasso de seu primeiro casamento, depois com o segundo,(quando passou muito tempo ouvindo ópera), suas operações de coração, sua viuvez,o hábito de beber vinho e de não dividi-lo com ninguém.
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Acreditava que iria repetir a mesma história, mas não.
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Começou :
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-Estou com um problemão, estou chamando de quarenta e quatro. Mulheres!
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Diante de meu olhar de dúvida.
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-Vou ensinar a você, mas primeiro fui obrigado a mudar meus hábitos.
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-À tardinha ia caminhar sempre pela orla, andava pela ciclovia, por causa das babás que vinham em bloco sem dar passagem. Um dia um ciclista passou, deu um tapa em minha cabeça dizendo: “sai do caminho coroa”, de outra vez meteram o guidon da bicicleta em meus rins. Doeu!
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A partir daí, passei a andar por dentro, tem cada menina bonita trabalhando no comércio de Ipanema e Leblon. É só escolher.
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Vi uma, em uma loja de roupas femininas. Era a gerente. Entrei e falei que queria dar um presente para uma moça linda. Pedi que me ajudasse, me mostrou um conjunto de seda, perguntando se a jovem era morena ou clara, disse que era assim como ela, escolheu o azul indagando o número, achei que deveria ser o mesmo que ela usava. Pedi que embrulhasse para presente, colocasse o meu cartão junto para que a moça soubesse quem dava e pedi o telefone, o nome da loja e a quem deveria procurar para a troca. Paguei, dei as costas, sai sem olhar para trás.
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Ela me chamou.
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- O senhor esqueceu o presente!
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- Não esqueci não! É seu, a moça linda é você!
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No dia seguinte ligou para agradecer.
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Chamei para jantar, convite aceito e começou a metade do problemão. No outro dia veio ao meu apartamento.
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Perguntei:
- Metade?
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-É, ela tem vinte e dois anos. Fica uma graça de shortinho.
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Continuou:
-A outra metade; a recepcionista do restaurante. Soube que ela aniversariava. Vinte e dois. Levei um presentinho, coisa não muito cara, uma bijuteria em uma embalagem caprichada, o meu telefone junto. Também ligou para agradecer. Convidei para um almoço preparado por mim. Aceitou, dizendo que gostaria de comer uma comidinha caseira. Mais um pouco...  vinte e dois mais vinte e dois, quarenta e quatro.
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Está difícil manter o ritmo.
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Olha, se você quer que a menina se deslumbre leve no Fashion Mall, tem um bistrô de nome francês, algumas mesas são privilegiadas , a moça vai ficar encantada com a vista.
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Mas como eu estava dizendo, os remedinhos já não estão dando conta.
Consultei o médico, ele me deu uma dica. Vou usar. É um aparelhinho, custa caro, mas ele dá a receita, só tem nos Estados Unidos. A gente importa, cobra do Plano de Saúde que nega.Um primo do doutor é advogado, entra com o mandado de segurança. O juiz sempre decide pelo cliente.
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A gente aperta um botãozinho e pronto.
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Despediu-se: Não vou cobrar nada de você não. Vou dormir, estou exausto.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CONTOS DO MUNIR 002/2013

SIMPLESMENTE ASSIM-Parte 2
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A cadelinha queria passear e a levei até à praia. Ao voltar vi Nicolle em um carro saindo de casa.
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Nicolle relaciona-se bem com homossexuais, são artistas, decoradores, arquitetos, mas extremamente fiéis, choram com ela suas mágoas quando se sentem abandonados.
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Ao nos encontrarmos no dia seguinte, disse-me que um desses amigos viera buscá-la para ir à Missa do Galo. Observei que aquele não era um traje adequado.
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Na semana anterior, estávamos em Paris, ela, como mulher rica, financiou nossa viagem, depois fomos a Chamonix esquiar. Ficamos no Boutique Hotel Le Morgane, a vista para o Mont Blanc.
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Uma queda de cara na neve, a máscara comprimiu meus olhos, fiquei parecendo um urso Panda. Recomendação médica de compressas com soro fisiológico e gelo.
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Era 26 de dezembro 20:30, o show do Stevie Wonder seria no Copacabana Palace às 21. Nicolle tinha sido convidada por outro amigo para assistir lá, no próprio hotel. Declinara, e perguntou se eu iria com ela ver na praia. Iria passar na TV. Meus olhos ardiam muito, coloquei as compressas geladas, pedi que me chamasse em quinze minutos. A TV ligada, uma música barulhenta, enquanto o show não se iniciava. Tirei as compressas sentindo o gelo queimar meu rosto. Nicolle desaparecera. Mensagem no celular, pedido de desculpas, TV alta, pedindo que eu ligasse. Liguei, disse que o que ela tinha feito, fora uma grosseria. Fui dormir chateado, não ouvi nova ligação.
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Disse-me que estaria viajando naquela manhã, à tarde fui ao Café Baroni onde a conheci. A encontrei tomando um café. Sentei-me ao seu lado, ela pulou, acintosamente, para outra cadeira, falou que estava de saída e iria deixar meu café pago. Agradeci, esperei na porta. Despediu-se secamente.
Dois dias antes, havia estado em minha casa, o coração pulsando acelerado em taquicardia, quase fibrilando, ficou descansando no sofá, eu a vigiá-la, sua cabeça em meu colo, uma de minhas mãos sobre seu coração acariciando seu seio, a outra afagando seus cabelos.
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Nem sempre:
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“The love you take is equal to the love you make” *
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Completei o Feng Shui de 2012.
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O que mais doeu foi não ter tido o momento mágico de dizer Adeus ao amor verdadeiro.
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2013 iniciou-se com alegria, o Zito, nós já sabíamos, tinha ganhado 130 milhões na mega-sena da virada, dividia o prêmio com uma moça de Maceió. No almoço do dia primeiro, prometeu 1milhão para cada um de seus 20 amigos da Pizzaria Guanabara.
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*O GLOBO segundo caderno 31/12/2012
Adendo: Esta história é pura ficção, qualquer semelhança com pessoas ou animais vivos é mera coincidência. Já os mortos, paradoxalmente, são reais. Eles nos honraram com amizade e sabedoria. Para eles o mundo acabou em 2012.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

CONTOS DO MUNIR 001/2013



SIMPLESMENTE ASSIM-Parte 1
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2012
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O mundo vai acabar no dia 21/12/2012, uma sexta-feira. O mundo não acabou. Transferiram para o dia 23, também não.
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Seu Joaquim morreu, disse um dos porteiros da Humberto de Campos.
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O Dibo foi embora, comentou o Moisés da Padaria Rio Lisboa.
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Perdemos nosso amigo Nehemias, falou o Peter do Arpoador.
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O Porretão morreu em Portugal, estava numa excursão, contou o Zito com um copo de uísque da Pizzaria Guanabara, me vendo tomar café no Armazém da Rita Ludolf.
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No dia 24 havia prometido uma surpresa a Nicolle. Perguntei se tinha algum tipo de discriminação racial. Ela ficou curiosa, insistia para que eu contasse. Fui revelando o segredo aos poucos, a ansiedade dela aumentava, eu dizia que jantaríamos os três no dia 25 e não muito longe de minha casa, estaríamos bastante restritos a lugares mais afastados. A angústia de Nicolle crescia e a todo instante pedia que revelasse o que eu estava aprontando. Acrescentei que nossa companhia era feminina e negra, o nome dela, Naomy, se ela não se importaria se depois do jantar subíssemos para o apartamento. Por volta das 19:00, liguei para Nicole e disse que a negra havia chegado, estávamos esperando por ela no Cafeina. Em menos de cinco minutos, ela apareceu. Sua reação foi de alivio, espanto e talvez um pouquinho de decepção a meu ver. Ela havia mencionado em suas indagações:- O que será que ele está tramando?- Cartomante, Benzedeira, Brincadeira a três?
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Comemos um sanduiche e subimos os três para o apartamento. Os termômetros da rua à tarde haviam marcado 43 graus, alguns, no sol, foram a 45.
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A Naomy não quis ficar sozinha e tivemos que levá-la para o quarto. O ar-condicionado não era suficiente, Nicolle tem pavor de ventilador de teto- ela chama de helicóptero- diz que pode cair na cabeça da gente.
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Nicolle excitada com a brincadeira, entregou-se como nunca. Segredos foram descobertos.
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Algumas vezes fomos interrompidos, latidos da Naomy, a cachorrinha pretinha que eu estava tomando conta, estranhava os sussurros de Nicolle.
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Às 22:00, disse que iria em casa tomar um banho e trazer o vinho especial que havia comprado para a ocasião. Voltou as 23:00 vestia um conjunto da Animale; blusa e calça, justíssimas em estampa de onça preta realçando os detalhes de seu corpo em sensual composição. Os sapatos pretos scarpin completavam o visual.
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Brindamos a data, Nicolle bebe pouco, tomou um gole, percebi sua inquietude, disse que já estava com sono. Era perto de meia-noite. Insisti em acompanhá-la até sua casa. Quase todos os restaurantes estavam fechados, a rua muito escura. Descemos sob o olhar atento da Naomy. Observei até que ela entrasse.
CONTINUA...  
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com