Ciúme
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Quase meia-noite de um dia
do princípio de Julho, a lua, no alto do céu, desenhava um “D” maiúsculo,
mínimo e brilhante, na fonte “papirus”, indicando o término do quarto
minguante. Estamos no hemisfério Sul, mais precisamente no Leblon, Zona Sul do Rio.
A rua é a Rita Ludolf; o restaurante, japonês, o Origami.
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A moça chegou, vestia um
conjunto preto, a calça comprida justa revelava o contorno atraente de suas
pernas torneadas, um debrum branco atenuava a seriedade da roupa. A blusa rosa
de gola rolê a protegia do frio da noite, bolsa rosa, Victor Hugo a tiracolo.
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Cabelos louros, longos,
emolduravam um rosto bonito, porém sério. Sua única joia, um anel de ouro, na
extremidade, a cabeça de uma pantera. Em um dos pés, a sandália, preta, salto
alto de uma tira, deixava a mostra a tatuagem de uma camélia negra.
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Camélia Negra, Poesia de Souza Caldas.
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-Por isso vos espera- O
dia da Vingança!.
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Parada, atrás da árvore
com orquídeas azuis, rosas e brancas, dando um toque oriental ao restaurante em
frente. De vez em quando, olhava, como se procurasse alguém.
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Era sábado, trinta minutos
antes, sentindo-se só-(seu namorado fora a São Paulo, negócios com japoneses, e
regressaria domingo) ligara para Luiza, sua amiga, chamando-a para jantar.
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A amiga surpresa:
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- Mas, Nicole
você não está já jantando? Passei de carro pela Rita Ludolf e vi de relance o
Marcelo entrando no Origami.
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Nicole se desculpou. Com a
cabeça a mil, partiu para o restaurante.
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Na mesa dos fundos, duas
taças de vinho tinto, Marcelo sentado e a outra cadeira vazia, uma esperança
assomou seu coração, logo desvanecida ao ver Natasha saindo do toalete,
sentando-se , não sem antes beijar Marcelo.
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O primeiro impulso de
Nicole foi entrar, e armar um barraco. Controlou-se, permaneceu ali imóvel, a
raiva contida.
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O Armazém do Café, ao lado
do Origami, estava quase cerrando as portas, quando Pedro, recém-chegado do
cinema, entrou, pediu uma sopa de cenoura com agrião e hortelã. Ficou ali
sozinho, a moça que servia, disse que as torradas tinham acabado, talvez ele desistisse.
Pedro insistiu.
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Do lado de fora, duas
mulheres fumantes enfrentavam o frio.
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A atendente falou que iria
fechar as portas, para que ninguém mais entrasse.
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Nicole sentiu vontade de
tomar um café, ao ver que tinha alguém no Armazém, bateu na porta. A garçonete
fez sinal que estava fechado. Pedro pediu que abrisse, mentindo que a moça
estava com ele.
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Nicole sentou-se junto a
Pedro, pediu um macchiato .
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Ficaram ali conversando,
Pedro é um cara divertido, conta e inventa histórias.
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Silvania, a atendente,
não parecia estar gostando muito da demora e Pedro deixou disfarçadamente, em
suas mãos, uma nota de cinquenta reais.
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Por um movimento
aparentemente involuntário, um dos pés de Nicole tocou a perna de Pedro. Uma
corrente eletro-orgânica percorrendo o corpo deles, catalisou uma química
erótica entre ambos.
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Silvania já não estava tão
amigável.
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As duas mulheres do lado
de fora já tinham fumado os seus últimos cigarros, esvaziado os cálices de
vinho do Porto e pedido a conta.
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Pedro perguntou a Nicole
se não gostaria de prolongar a conversa em outro lugar. Sabia de uma boate na
Urca chamada Zozô. Afinal era sábado, ou
melhor, já era domingo, ponderou Nicole dizendo que não estava em um momento de
se ver cercada de gente.
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Pedro disse que morava ali
ao lado e se ela não gostaria de subir ao seu apartamento escutar um pouco de
música ou ver um filme.
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Nicole aceitou e foram à
cobertura onde Pedro morava, bem perto, passaram em frente ao Origami, ela nem
sequer moveu a cabeça.
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Por uma escada de ferro em
caracol chegaram ao terraço. O céu estava sem nuvens, a lua no Zênite ainda
mostrava o “D”.
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Pedro resolveu fazer uma
brincadeira com Nicole,apontando para a lua, perguntou se era quarto crescente
ou minguante.Ela que já havia morado em Paris, surpreendeu Pedro sorrindo,
dizendo que se fosse no hemisfério Norte, o “D” seria de crescente, mas aqui no
seu terraço é minguante, de decrescente.
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Na rua, gente correndo,
gritando e fugindo das bombas de gás lacrimogêneo que a polícia lançava sobre
os manifestantes, que, na Vieira Souto, a uma quadra dali, protestavam contra o
Governador.
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Desceram para a sala,
Pedro ligou a TV em música no ritmo de Blues, afastaram a mesa de centro e
começaram a dançar. Rosto e corpos colados, pareciam dois adolescentes
enamorados. Tomaram vinho tinto, Nicole não acostumada com bebida, adormeceu no
sofá. Acordou ainda de madrugada descalça, Pedro tinha tirado suas sandálias e
notado a camélia negra.
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Nicole
pediu a Pedro que apagasse a tatuagem, era Henna e não precisava mais dela.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
E-Mail:alzumunir@gmail.com
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