TROCA DE PRESENTES
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Denise
nasceu nas proximidades de uma área militar. Foi educada em um colégio de
freiras. O único homem era, ainda moço, o padre italiano Monsenhor Marcello
Trocatti, vivia isolado em sua cela, de lá só saía para celebrar a missa das nove
horas de domingo. O sacerdote Marcello era puro, seu rosto agora enrugado,
irradiava bondade, seus olhos muito azuis estavam perdendo o brilho,seu porte
outrora atlético, agora encurvava sob o peso dos anos e da reclusão voluntária.
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Denise
estudou lá dos sete aos dezessete anos e, como todas as meninas do educandário
apaixonou-se de corpo e alma pelo varão que elas viam com a frequência dos
domingos, na missa então rezada em latim, cercando de mistério e sacralidade
aquele ato, e também quem o celebrava. A hora da comunhão, ansiosamente
esperada, quando sentiam a proximidade da mão do padre era um pecado nunca
confessado.
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As
jovens internas, incluindo Denise, tinham sonhos perturbadores com padre
Marcello e guardavam esse segredo.
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Os
cabelos de Denise pareciam pintados, tão negros eram, o nariz afilado poderia
ser modelo de cirurgia plástica. Os olhos, cor de violeta, ressaltavam em seu
rosto simétrico de morena clara. Denise era alta, beneficiada pela natureza,
sem artifícios.
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A
cidade tinha uma única universidade com os cursos de Direito e Economia.
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Denise
estava com dezoito anos cursando Direito, conheceu alguns rapazes locais, que
não lhe despertaram interesse.
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Um
jovem capitão, paraquedista foi designado para servir na unidade militar da
cidade. Lembrava, por seu porte, seus cabelos castanhos quase louros, seus
olhos azuis esverdeados, o padre Marcello. Rolf Bauer era seu nome; descendente
de alemães resolveu também estudar Direito. A cidade não apresentava muitas
atrações, era uma forma de aproveitar seu tempo.
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Denise
voltou à época de seus sete anos, quando vira o padre pela primeira vez. Aquela
paixão latente foi despertada, agora possível, e não mais com o estigma de
pecado.
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Denise
e Rolf se cruzavam pelos corredores das salas de aula, ela procurando ser
notada, embora já o fosse sem saber.
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Denise:-Oi
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Rolf:-
Oi
-Você
entendeu aquela citação em latim?- perguntou Rolf.
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Denise,
que havia estudado latim no colégio traduziu:-Ninguém é obrigado a
fazer o impossível .“Ad impossibilia nemo tenetur.”
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Rolf impressionado, passou a ter mais contato com a moça, saiam para
jantar, e a pretexto de estudarem juntos se encontravam com frequência.
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Seguiram-se pensamentos noturnos, ainda voltados para o padre Marcello,
terminando com a exclamação final:
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-“Amore”- como dizia Denise em seus tempos de colegial.
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Breve, a virtualidade foi substituída por realidade nos braços de Rolf,
ele exaurido a dizer:-“Wunderbar”.
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Passaram a convivência comum. Rolf foi promovido a major e movimentado
para a Brigada de Paraquedistas no Rio de Janeiro. Denise o acompanhou.
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Rolf era um exímio paraquedista e campeão de salto em alvos. Chefiando
uma delegação brasileira em competição na Espanha trouxe não só o título, como
também os modernos parapentes, substituindo os antigos TX.
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Denise, praticando Yoga e ginástica olímpica, moldava seu corpo em
verdadeira escultura, compensando sua impossibilidade de engravidar.
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E iam os dois pela vida, até que um acidente de salto deixou Rolf, agora
coronel, em uma cadeira de rodas.
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Denise estava perto dos cinquenta, oito anos mais tarde perderia Rolf.
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Enfatizou seu hábito de leitura, gostava principalmente de contos.
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Certo dia seu cunhado lhe deu um livrinho de contos, não vendido em
livrarias, autoria de um amigo que escrevia em um blog.
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Denise entusiasmou-se pelas histórias e manifestou seu desejo de conhecer
o escritor, mais ainda quando soube que ele era viúvo, como ela.
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Eduardo, o autor, e Denise foram apresentados. Um café, um cinema, um
jantar romântico.Como se não tivessem tempo a perder, muito breve Denise passou
a frequentar o apartamento de Eduardo.
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Gostavam de se presentear, o presente de Eduardo, não por falta de
imaginação, e mais porque ela gostava, era sempre o perfume “Chanel número 5.Na
época da faculdade usava “Femme” que vinha em uma embalagem sensual com renda
preta, trazido por Rolf, quando ela completara dezenove anos.
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Os presentes de Denise variavam: camisas,chaveiros,
livros e outros objetos de uso pessoal, tinha extremo bom gosto e Eduardo
jamais trocou qualquer deles.
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Era Natal.
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-Comprei um presente diferente para você- disse Denise puxando o lençol
cobrindo seu corpo nu.
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-O que é?- perguntou Eduardo curioso.
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-É muito lindo e tem um detalhe em verde que vai combinar com a camisa
nova que você comprou.
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-Afinal o que é?
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-É um par de tênis.
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-E como você sabe o meu tamanho?
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Denise ainda se lembrava do mito, comentado por suas colegas de curso,
que relacionava tamanho de nariz,mãos e pés a outras partes do corpo.
Comentários o mais das vezes maldosos.
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Eduardo era narigudo...
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-Bem...Andei pensando e dizem ...Não é?-Denise falou.
-O Rolf calçava quarenta...Então comprei quarenta e quatro.
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-Não entendi! Calço quarenta e dois!-disse Luiz parecendo ofendido.
Autor:
Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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