sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

CONTOS DO MUNIR 001/2014



TROCA DE PRESENTES
.
Denise nasceu nas proximidades de uma área militar. Foi educada em um colégio de freiras. O único homem era, ainda moço, o padre italiano Monsenhor Marcello Trocatti, vivia isolado em sua cela, de lá só saía para celebrar a missa das nove horas de domingo. O sacerdote Marcello era puro, seu rosto agora enrugado, irradiava bondade, seus olhos muito azuis estavam perdendo o brilho,seu porte outrora atlético, agora encurvava sob o peso dos anos e da reclusão voluntária.
.
Denise estudou lá dos sete aos dezessete anos e, como todas as meninas do educandário apaixonou-se de corpo e alma pelo varão que elas viam com a frequência dos domingos, na missa então rezada em latim, cercando de mistério e sacralidade aquele ato, e também quem o celebrava. A hora da comunhão, ansiosamente esperada, quando sentiam a proximidade da mão do padre era um pecado nunca confessado.
.
As jovens internas, incluindo Denise, tinham sonhos perturbadores com padre Marcello e guardavam esse segredo.
.
Os cabelos de Denise pareciam pintados, tão negros eram, o nariz afilado poderia ser modelo de cirurgia plástica. Os olhos, cor de violeta, ressaltavam em seu rosto simétrico de morena clara. Denise era alta, beneficiada pela natureza, sem artifícios.
.
A cidade tinha uma única universidade com os cursos de Direito e Economia.
.
Denise estava com dezoito anos cursando Direito, conheceu alguns rapazes locais, que não lhe despertaram interesse.
.
Um jovem capitão, paraquedista foi designado para servir na unidade militar da
cidade. Lembrava, por seu porte, seus cabelos castanhos quase louros, seus olhos azuis esverdeados, o padre Marcello. Rolf Bauer era seu nome; descendente de alemães resolveu também estudar Direito. A cidade não apresentava muitas atrações, era uma forma de aproveitar seu tempo.
.
Denise voltou à época de seus sete anos, quando vira o padre pela primeira vez. Aquela paixão latente foi despertada, agora possível, e não mais com o estigma de pecado.
.
Denise e Rolf se cruzavam pelos corredores das salas de aula, ela procurando ser notada, embora já o fosse sem saber.
.
Denise:-Oi
.
Rolf:- Oi
-Você entendeu aquela citação em latim?- perguntou Rolf.
.
Denise, que havia estudado latim no colégio traduziu:-Ninguém é obrigado a fazer o impossível .“Ad impossibilia nemo tenetur.”
.
Rolf impressionado, passou a ter mais contato com a moça, saiam para jantar, e a pretexto de estudarem juntos se encontravam com frequência.
.
Seguiram-se pensamentos noturnos, ainda voltados para o padre Marcello, terminando com a exclamação final:
.
-“Amore”- como dizia Denise em seus tempos de colegial.
.
Breve, a virtualidade foi substituída por realidade nos braços de Rolf, ele exaurido a dizer:-“Wunderbar”.
.
Passaram a convivência comum. Rolf foi promovido a major e movimentado para a Brigada de Paraquedistas no Rio de Janeiro. Denise o acompanhou.
.
Rolf era um exímio paraquedista e campeão de salto em alvos. Chefiando uma delegação brasileira em competição na Espanha trouxe não só o título, como também os modernos parapentes, substituindo os antigos TX.
.
Denise, praticando Yoga e ginástica olímpica, moldava seu corpo em verdadeira escultura, compensando sua impossibilidade de engravidar.
.
E iam os dois pela vida, até que um acidente de salto deixou Rolf, agora coronel, em uma cadeira de rodas.
.
Denise estava perto dos cinquenta, oito anos mais tarde perderia Rolf.
.
Enfatizou seu hábito de leitura, gostava principalmente de contos.
.
Certo dia seu cunhado lhe deu um livrinho de contos, não vendido em livrarias, autoria de um amigo que escrevia em um blog.
.
Denise entusiasmou-se pelas histórias e manifestou seu desejo de conhecer o escritor, mais ainda quando soube que ele era viúvo, como ela.
.
Eduardo, o autor, e Denise foram apresentados. Um café, um cinema, um jantar romântico.Como se não tivessem tempo a perder, muito breve Denise passou a frequentar o apartamento de Eduardo.
.
Gostavam de se presentear, o presente de Eduardo, não por falta de
imaginação, e mais porque ela gostava, era sempre o perfume “Chanel número 5.Na época da faculdade usava “Femme” que vinha em uma embalagem sensual com renda preta, trazido por Rolf, quando ela completara dezenove anos.
.
 Os presentes de Denise variavam: camisas,chaveiros, livros e outros objetos de uso pessoal, tinha extremo bom gosto e Eduardo jamais trocou qualquer deles.
.
Era Natal.
.
-Comprei um presente diferente para você- disse Denise puxando o lençol cobrindo seu corpo nu.
.
-O que é?- perguntou Eduardo curioso.
.
-É muito lindo e tem um detalhe em verde que vai combinar com a camisa nova que você comprou.
.
-Afinal o que é?
.
-É um par de tênis.
.


-E como você sabe o meu tamanho?
.
Denise ainda se lembrava do mito, comentado por suas colegas de curso, que relacionava tamanho de nariz,mãos e pés a outras partes do corpo. Comentários o mais das vezes maldosos.
.
Eduardo era narigudo...
.
-Bem...Andei pensando e dizem ...Não é?-Denise falou.
-O Rolf calçava quarenta...Então comprei quarenta e quatro.
.
-Não entendi! Calço quarenta e dois!-disse Luiz parecendo ofendido.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário