terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

CONTOS DO MUNIR 002/2014

CEM ANOS
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Mario completa cem anos. O cenário é a padaria Rio Lisboa no Leblon.
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As mesas estão todas ocupadas. Na calçada muita gente conversa em voz alta. Um conjunto de argentinos toca bandoneon, um chapéu recolhe as contribuições. A moça do contrabaixo é loura e alta. Como tocam bem e músicas conhecidas dos cariocas, a féria é boa.
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Um carinha, cabeça branca, repaginado por cirurgias plásticas, bermudinha branca dos anos cinquenta é o mais agitado. Compra duas velas, dessas que não se consegue apagar e grita: “Viva o Mario”, “Viva o Mario”, muitas vezes.
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Além da turma-“A um passo da Eternidade”, como nos apelidou uma das moças que passam por ali, está todo o grupo do “Baixo Vovô”,os atuais e os antigos. Um ex- juiz de futebol, do tempo do Nilton Santos, a tudo assiste em sua cadeira de rodas.

O Mario está, como sempre, com uma de suas camisas de linho, mangas compridas, magistralmente bem passada. Em uma de suas mãos enluvadas porta a bengala de cedro, instrumento mais de elegância do que necessário. Usa óculos ray-ban. Atualmente devido à insistência do filho carrega um celular no bolso da camisa, não ouvia quando no bolso de suas calças, e obrigava o Júnior a ir lá vê-lo.
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Na mesa principal, duas garrafas de champanhe, um enorme bolo encimado com duas velas. As fotos se sucedem, todos querendo ficar próximos ao aniversariante.
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Uma senhora já entrada em anos entrega um bombom ao Mario. Ele a apresenta:
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- É minha sobrinha mais nova!
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A irmã de Mario não veio, está com cento e dois anos, mora em São Paulo, ele disse que a última vez que a viu foi quando ela completou noventa anos.
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O aniversário de Mario vinha em contagem regressiva de meses, passou a ser contado em dias e depois em horas.
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Alguém pede a Mario que diga algumas palavras.
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Ele começa:
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-Meus amigos, vocês me perguntam como é chegar aos cem anos. Eu vou dizer que é muito bom, mas um pouco triste também.
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Tem a história do sonho do Gabriel Garcia Marquez, que mostra essa tristeza.
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Ele conta que sonhara que assistia ao próprio enterro, a pé, caminhando com seus melhores amigos. Estavam todos felizes, inclusive ele. A festa acabava e todos saiam, ele tentou acompanhá-los, mas um de seus mais chegados companheiros lhe disse gravemente: “Não, você é o único que não pode.”
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Garcia Marques conclui o sonho dizendo que morrer é nunca mais estar com amigos.
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E Mario continuou com lágrimas nos olhos:
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Eu não sei o que é pior: você continuar a ouvir a música, ver a dança. Ver todos os seus antigos amigos partirem.
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Agora estou com vocês, que me trazem toda a alegria do mundo.
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A fila se formou para abraçarem Mario.
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A festa continuou, os champanhes espocaram, as velas teimavam em ficar acesas.
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P.S.1- A cada um que o abraçava, e eram quase todos de mais de oitenta, .
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Mario dizia sorrindo baixinho:
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-A velhice é uma M.
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P.S.2- Um casal de turistas chegava da praia e ao ver aquela agitação, perguntou de que se tratava, quando souberam, ficaram a olhar Mario com espanto e a menina que estava com eles comentou:
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-E ele fala! (isso foi contado pelo próprio Mario).
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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