CEM ANOS
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Mario completa cem anos. O cenário é a padaria Rio
Lisboa no Leblon.
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As mesas estão todas ocupadas. Na calçada muita gente
conversa em voz alta. Um conjunto de argentinos toca bandoneon, um chapéu
recolhe as contribuições. A moça do contrabaixo é loura e alta. Como tocam bem
e músicas conhecidas dos cariocas, a féria é boa.
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Um carinha, cabeça branca, repaginado por cirurgias
plásticas, bermudinha branca dos anos cinquenta é o mais agitado. Compra duas
velas, dessas que não se consegue apagar e grita: “Viva o Mario”, “Viva o
Mario”, muitas vezes.
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Além da turma-“A um passo da Eternidade”, como nos
apelidou uma das moças que passam por ali, está todo o grupo do “Baixo Vovô”,os
atuais e os antigos. Um ex- juiz de futebol, do tempo do Nilton Santos, a tudo
assiste em sua cadeira de rodas.
O Mario está, como sempre, com uma de suas camisas de
linho, mangas compridas, magistralmente bem passada. Em uma de suas mãos
enluvadas porta a bengala de cedro, instrumento mais de elegância do que
necessário. Usa óculos ray-ban. Atualmente devido à insistência do filho
carrega um celular no bolso da camisa, não ouvia quando no bolso de suas
calças, e obrigava o Júnior a ir lá vê-lo.
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Na mesa principal, duas garrafas de champanhe, um
enorme bolo encimado com duas velas. As fotos se sucedem, todos querendo ficar
próximos ao aniversariante.
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Uma senhora já entrada em anos entrega um bombom ao
Mario. Ele a apresenta:
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- É minha sobrinha mais nova!
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A irmã de Mario não veio, está com cento e dois anos,
mora em São Paulo, ele disse que a última vez que a viu foi quando ela completou
noventa anos.
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O aniversário de Mario vinha em contagem regressiva
de meses, passou a ser contado em dias e depois em horas.
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Alguém pede a Mario que diga algumas palavras.
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Ele começa:
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-Meus amigos, vocês me perguntam como é chegar aos
cem anos. Eu vou dizer que é muito bom, mas um pouco triste também.
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Tem a história do sonho do Gabriel Garcia Marquez,
que mostra essa tristeza.
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Ele conta que sonhara que assistia ao próprio
enterro, a pé, caminhando com seus melhores amigos. Estavam todos felizes,
inclusive ele. A festa acabava e todos saiam, ele tentou acompanhá-los, mas um
de seus mais chegados companheiros lhe disse gravemente: “Não, você é o único
que não pode.”
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Garcia Marques conclui o sonho dizendo que morrer é
nunca mais estar com amigos.
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E Mario continuou com lágrimas nos olhos:
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Eu não sei o que é pior: você continuar a ouvir a
música, ver a dança. Ver todos os seus antigos amigos partirem.
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Agora estou
com vocês, que me trazem toda a alegria do mundo.
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A fila se formou para abraçarem Mario.
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A festa continuou, os champanhes espocaram, as velas
teimavam em ficar acesas.
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P.S.1- A cada um que o abraçava, e eram quase todos
de mais de oitenta, .
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Mario dizia sorrindo baixinho:
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-A velhice é uma M.
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P.S.2- Um casal de turistas chegava da praia e ao ver
aquela agitação, perguntou de que se tratava, quando souberam, ficaram a olhar
Mario com espanto e a menina que estava com eles comentou:
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-E ele fala! (isso foi contado pelo próprio Mario).
Autor:
Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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