sábado, 31 de maio de 2014

CONTOS DO MUNIR 008/2014

DIANA
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Diana é morena, bem jovem.
Luiz fazia alongamento em um dos bancos de cimento no Largo do Millor.
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Até há pouco tempo, um ônibus da Comlurb estacionava lá, largava os garis, equipamentos, e não desligava o motor para que o motorista lesse o seu jornal no fresquinho do ar condicionado. A descarga do diesel, mal regulado, poluía o ambiente. O visual, já prejudicado pela escultura do humorista, era mais sacrificado pela enorme viatura que obstruía a paisagem.
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De nada valiam as reclamações telefônicas de Luiz à Prefeitura, até que um dia, um cachorrinho quase foi atropelado. A dona, uma professorinha, reclamou e o ônibus sumiu.
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Diana, sentada em um dos bancos da mesa dos coroas jogadores de damas, contemplava o mar. Era obrigada a olhar Luiz com sua ginástica no ângulo de visão.
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Diana está espantada com a luminosidade do Arpoador.
No seu banco a sombra do coqueiro a incomoda. Ela quer claridade.
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O short de Luiz, camisa e capacete na mesa do sol.
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Pergunta a Luiz:-Posso me sentar aí?
Claro!- Ele diz.
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Diana se queixa:
-Lá de onde venho é mais escuro, um pessoal diferente, aqui é outra coisa, tem brilho. O cheiro do mar, as montanhas, a gente vê o Cristo. Deve ser por isso que vocês vivem mais.
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Luiz, curioso, pergunta de onde ela vem. Ela diz:
-Sou de Goiânia, casada e separada, lei Maria da Penha, alojada em um cubículo na Rua Rodolfo Dantas em Copacabana. Deixei os meninos com minha mãe.
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Diana parece alta, bonita, embora dê para notar que foi, e está sendo maltratada pelo tempo sem alegrias. Seus cabelos são castanhos cortados curtos, ela é que apara.
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Luiz pergunta a idade dos meninos.
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-Dezessete, quinze  e  doze.  Continuou:
-Casei aos dezesseis e tive o primeiro aos dezessete, no ano passado me separei, vim para o Rio ver se arranjo emprego e também para fugir de problemas. Na Rodolfo Dantas está um senhor amigo da minha família, mas com todo respeito. Ele dorme com a namorada.
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Luiz não entende o que ela quis dizer “com todo respeito”- ele já tinha ouvido essa expressão de outras moças, parece que elas falam assim pra dizer que não rola sexo no pedaço. Luiz tem um pensamento estranho; o marido a dizer para a esposa: “Querida, com todo o respeito vá para cama e tire sua calcinha que quero fazer amor com você”
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Diana:
- Quero arranjar um emprego de caixa, é o que mais gosto, eu já fui caixa de boutique, de banco -puxa como os bancos ganham dinheiro, e pagam mal.
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No calçadão passa uma senhora idosa com uma acompanhante.
Diana vê e comenta:-
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-Bem que eu gostaria de trabalhar assim, adoro ajudar as pessoas.
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Luiz faz as contas, Diana deve ter trinta e quatro anos.Ele está com setenta e seis, daqui a dez anos terá oitenta e seis, e Diana quarenta e quatro. Quem sabe, ele não estará então precisando de alguém para ajudá-lo?
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Luiz fala, entre brincando e sério:-
-Quem sabe eu contrato você.
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Ela:-
-Que nada, você é saradão!
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Sentada e relaxada, Diana parecia pesada, vestia calça jeans e blusa branca, sem maquiagem e sem batom.
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Diana pergunta:-
-Você poderia tirar uma foto minha, com aqueles dois morros atrás e mandar para meu filho em Goiânia?
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Ela se levanta, e Luiz percebe como é realmente alta, tem o corpo esguio e bem proporcionado, o rosto oval, olhos negros, lábios finos, mistura longínqua de ancestrais indígenas.
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Luiz a repagina em sua mente, os cabelos tratados, saltos altos, maquiada, um vestido chique, o sorriso branqueado, um pouquinho de academia...
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Diana se posiciona deixando os montes Dois Irmãos às suas costas. Um vento vindo do Sul agita levemente seus cabelos, os botões de seus seios enrijecidos pelo frio marcam a blusa.
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Doze anos mais tarde, Diana sai diariamente do Leblon pedalando, acompanha Luiz que vai de bicicleta elétrica ou de poltrona motorizada até o Arpoador.
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Os rapazes, filhos de Diana se formaram graças a Luiz; eles ainda estão com a avó. Diana viaja para revê-los e matar as saudades também do rio Araguaia, o retrato dela, com a vista dos Dois Irmãos, em destaque na sala.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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