quarta-feira, 13 de agosto de 2014

CONTOS e POESIAS do JOSÉ CARLOS FILIZOLA=001/2014



ANO NOVO

O sol começa a levantar-se lá no fim do mar. Seu reflexo laranja vem como uma flecha pela água, interrompido pela faixa de areia e revelado novamente pelos vidros dos edifícios da orla. Parecem milhares de olhos de um dragão que reluta em despertar. É o primeiro dia de um novo ano em Copacabana.

Os fiéis de Iemanjá arrumam suas tralhas e começam ir embora. As roupas brancas cheias de areia, fisionomias cansadas, mas felizes. Tudo foi bem, noite tranqüila, a Santa aceitou as oferendas, renovaram-se as esperanças. Com o contraste entre a areia branca e macia e o asfalto áspero e negro, vem a certeza de que agora é descansar um dia e seguir em frente.

Ficam para trás os casais que a Santa juntou numa paixão de ano novo. Estes só vão mais tarde, quando acordarem da longa noite de carinhos. Quando o sol da manhã aquecer seus corpos ainda úmidos de mar, amor e orvalho. Amor abençoado pela Santa, livre como a imensidão da praia, embalado pelo barulho do mar e invejado por algum solitário insone encarapitado atrás de uma luneta em um dos olhos do dragão.

Vem chegando uma preta velha, vem bem devagar. Perto do mar ela para e tira as sandálias. Entra um pouco na água com um frasco em uma das mãos, com a outra joga alguma coisa no mar, pode ser uma flor. Começa a encher o frasco com a água de sete ondas. Com a mão livre segura a saia que o vento teima em levantar. Completa o serviço e parece que reza um pouco. Sai da água, calça as sandálias e vai andando, buscando um ponto onde o aclive é mais suave para voltar à calçada.

Um casal prolongando a magia da festa perambula pela areia molhando os pés na espuma dourada das ondas. Sapatos na mão, o vestido branco com sua transparência prejudicada por uma ou outra onda mais afoita e a cabeça aliviada pelo champagne. O mar traz de volta uma rosa branca, oferenda rejeitada pela Santa e a deixa suavemente na areia. Ele abaixa-se, junta uma pequena concha e oferece a ela. Ela beija o presente e o atira de novo na água dizendo: o que é do mar fica com ele.


Dois jovens sentados na areia olham direto para o sol. É claro que estão gravando para sempre aquela manhã. Vão deixá-la como uma lembrança forte e boa. Uma lembrança talvez secreta, revisitada de vez em quando, sempre com muita ternura. Os braços dele envolvem os ombros dela, suas mãos num suave vai e vem passam seu carinho. Ela responde apertando um pouco mais seu quadril contra o dele e ajeitando a cabeça no seu ombro.

Parece que a purpurina da véspera salpicou a imensa praia, tudo brilha, tudo parece novo. O cheiro do mar misturado com perfume de mulher. A praia protegendo todos os amores. Os sonhos desta manhã são sonhos só sonhados, melhores que os realizados. Perfeitos, sem arestas, modificáveis, sem dia seguinte, sem conseqüências, sem barulho de buzinas... A solidão de uns separada da felicidade de outros por montes de areia. Amores começando, esperanças, promessas, mentiras eternas e verdades passageiras.

Manhãs mágicas, quer vividas como ator, autor ou platéia. Manhãs que acabaram, quando naquele dia trinta e um, bem cedo, o primeiro de muitos ônibus estacionou na Avenida Atlântica.
                            



Rio de Janeiro 15 de Outubro de 1995

José Carlos Filizola

E-Mail: jcfili@hotmail.com

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