ANO
NOVO
O sol começa a levantar-se lá no fim
do mar. Seu reflexo laranja vem como uma flecha pela água, interrompido pela
faixa de areia e revelado novamente pelos vidros dos edifícios da orla. Parecem
milhares de olhos de um dragão que reluta em despertar. É o primeiro dia de um
novo ano em Copacabana.
Os
fiéis de Iemanjá arrumam suas tralhas e começam ir embora. As roupas brancas
cheias de areia, fisionomias cansadas, mas felizes. Tudo foi bem, noite
tranqüila, a Santa aceitou as oferendas, renovaram-se as esperanças. Com o
contraste entre a areia branca e macia e o asfalto áspero e negro, vem a
certeza de que agora é descansar um dia e seguir em frente.
Ficam
para trás os casais que a Santa juntou numa paixão de ano novo. Estes só vão
mais tarde, quando acordarem da longa noite de carinhos. Quando o sol da manhã
aquecer seus corpos ainda úmidos de mar, amor e orvalho. Amor abençoado pela
Santa, livre como a imensidão da praia, embalado pelo barulho do mar e invejado
por algum solitário insone encarapitado atrás de uma luneta em um dos olhos do
dragão.
Vem
chegando uma preta velha, vem bem devagar. Perto do mar ela para e tira as
sandálias. Entra um pouco na água com um frasco em uma das mãos, com a outra
joga alguma coisa no mar, pode ser uma flor. Começa a encher o frasco com a
água de sete ondas. Com a mão livre segura a saia que o vento teima em
levantar. Completa o serviço e parece que reza um pouco. Sai da água, calça as
sandálias e vai andando, buscando um ponto onde o aclive é mais suave para voltar
à calçada.
Um
casal prolongando a magia da festa perambula pela areia molhando os pés na
espuma dourada das ondas. Sapatos na mão, o vestido branco com sua
transparência prejudicada por uma ou outra onda mais afoita e a cabeça aliviada
pelo champagne. O mar traz de volta uma rosa branca, oferenda rejeitada pela
Santa e a deixa suavemente na areia. Ele abaixa-se, junta uma pequena concha e
oferece a ela. Ela beija o presente e o atira de novo na água dizendo: o que é
do mar fica com ele.
Dois
jovens sentados na areia olham direto para o sol. É claro que estão gravando
para sempre aquela manhã. Vão deixá-la como uma lembrança forte e boa. Uma
lembrança talvez secreta, revisitada de vez em quando, sempre com muita
ternura. Os braços dele envolvem os ombros dela, suas mãos num suave vai e vem
passam seu carinho. Ela responde apertando um pouco mais seu quadril contra o
dele e ajeitando a cabeça no seu ombro.
Parece
que a purpurina da véspera salpicou a imensa praia, tudo brilha, tudo parece
novo. O cheiro do mar misturado com perfume de mulher. A praia protegendo todos
os amores. Os sonhos desta manhã são sonhos só sonhados, melhores que os
realizados. Perfeitos, sem arestas, modificáveis, sem dia seguinte, sem
conseqüências, sem barulho de buzinas... A solidão de uns separada da
felicidade de outros por montes de areia. Amores começando, esperanças,
promessas, mentiras eternas e verdades passageiras.
Manhãs
mágicas, quer vividas como ator, autor ou platéia. Manhãs que acabaram, quando
naquele dia trinta e um, bem cedo, o primeiro de muitos ônibus estacionou na
Avenida Atlântica.
Rio
de Janeiro 15 de Outubro de 1995
José
Carlos Filizola
E-Mail:
jcfili@hotmail.com
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