Foi na época em que os comandantes eram senhores e quase donos absolutos de seus navios.
O contratorpedeiro se encontrava em Recife há algum tempo, tempo suficiente para que uma grande parte da guarnição fixasse moradia nas casas de luz vermelha - residências das meninas que negociavam seus afetos. Tinham em suas portas lâmpadas vermelhas indicativas.
Alguns oficiais também aderiram. Era menos oneroso que um quarto de hotel ou de pensão, com a vantagem da companhia noturna.
Éramos quatro oficiais dos mais modernos e inexperientes da Marinha, iríamos ser promovidos a primeiros-tenentes em uma cerimônia naval bastante singular. Esta não é a história que iria contar, mas uma lembrança traz outra e faço um parêntese.
Éramos quatro oficiais dos mais modernos e inexperientes da Marinha, iríamos ser promovidos a primeiros-tenentes em uma cerimônia naval bastante singular. Esta não é a história que iria contar, mas uma lembrança traz outra e faço um parêntese.
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O imediato, exercendo interinamente o comando, nos comunicou a boa nova: havíamos sido promovidos e a nossa troca de platinas seria feita em um jantar, após a sobremesa.
O imediato, exercendo interinamente o comando, nos comunicou a boa nova: havíamos sido promovidos e a nossa troca de platinas seria feita em um jantar, após a sobremesa.
O uniforme seria o branco completo, também chamado pirulito por ser engomado e fechado até o pescoço. Ainda não existia o “Chiquinho” (uniforme branco-camisa de manga curta com platinas). Para nossa surpresa, não encontramos nenhum de nossos dólmãs. Na década, a camisa branca do pirulito levava preso, com pinos de metal, o colarinho sem pontas, duro de tanta goma; depois se passou a usar o colarinho já não tão rijo, abotoado à gola do próprio dólmã.
Apreensivos e bobos que éramos, comunicamos o fato ao comandante que não se mostrou preocupado e disse que vestíssemos um paletó de terno por cima da camisa, que até a sobremesa se daria um jeito.
Fomos jantar no salão reservado para nós em um restaurante próximo ao cais e, embora o comandante alegre como sempre, nos animasse, nos sentíamos constrangidos, parecíamos clérigos.
Na hora da sobremesa, o comandante fez um brinde de saudação aos novos primeiros-tenentes e anunciou a troca de platinas, bateu palmas e quatro formosas figuras femininas, vindas das casas de luz vermelha especialmente para a cerimônia, apareceram vestidas tão somente com nossos dólmãs. Nos ombros as platinas de segundo-tenente. O comandante determinou que trocássemos as platinas e vestíssemos os nossos dólmãs. Consideramo-nos promovidos e deixamos de ser quatis-rabudos, ou seja, pretensos oficiais.
Ah! Esqueci de dizer: pagamos a conta do restaurante!
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Mas continuemos com a história que o título sugere: no Recife, o contratorpedeiro estava atracado há alguns meses e, enquanto o pessoal da base executava os reparos estruturais, o de bordo trabalhava nas máquinas. Terminada a faina de motores, o comandante decidiu fazer uma experiência de máquinas e resolveu aproveitá-la para realizar um passeio marítimo com o povo da cidade. Cada membro da tripulação teria direito a um convidado ou convidada.
Mas continuemos com a história que o título sugere: no Recife, o contratorpedeiro estava atracado há alguns meses e, enquanto o pessoal da base executava os reparos estruturais, o de bordo trabalhava nas máquinas. Terminada a faina de motores, o comandante decidiu fazer uma experiência de máquinas e resolveu aproveitá-la para realizar um passeio marítimo com o povo da cidade. Cada membro da tripulação teria direito a um convidado ou convidada.
O comandante convidou o prefeito sua esposa e outros membros do gabinete.
Um oficial natural da terra, que tinha estudado em um colégio religioso, convidou alunos e alunas e também umas freiras, suas antigas professoras. Como era de se esperar, alguns jovens marinheiros convidaram moças das casas de luz vermelha.
Um oficial natural da terra, que tinha estudado em um colégio religioso, convidou alunos e alunas e também umas freiras, suas antigas professoras. Como era de se esperar, alguns jovens marinheiros convidaram moças das casas de luz vermelha.
O comparecimento no dia foi geral. Todos os convidados vestiram suas roupas mais bonitas. O colorido destas, em contraste com o cinza austero do navio, transformava tudo em festa. Nem as amiguinhas dos marujos foram notadas a não ser pelo fato de que já eram conhecidas de toda a tripulação.
O comandante havia chamado para ajudá-lo um prático, velho conhecido no Nordeste, com fama de ser excelente marinheiro.
Na hora de desatracar, o prático, conhecedor profundo das correntes locais, ao invés de fazer a clássica manobra de afastar primeiro a popa do cais, pediu máquinas adiante.
Na hora de desatracar, o prático, conhecedor profundo das correntes locais, ao invés de fazer a clássica manobra de afastar primeiro a popa do cais, pediu máquinas adiante.
O comandante estranhou a manobra, mas não interferiu. Teria dado certo, não fosse por um pequeno guindaste na popa, chamado turco, que, estando em posição incorreta, projetava-se ligeiramente além do casco. Na ocasião em que o navio seguia adiante, quase raspando a doca e afastando-se dela por força da maré (como o prático havia previsto), o turco foi quebrando as lâmpadas dos postes da beira do cais, assustando todo mundo.
Fora do porto, o mar estava bravo e mais bravo ficava à medida que o contratorpedeiro se distanciava de terra.
No navio, uma onda de enjôo tomou conta de quase todos os convidados, à exceção das moças das casas de luz vermelha que, por razão desconhecida, pareciam verdadeiros lobos do mar.
A praça d’armas virou um verdadeiro hospital e em breve as “marinheiras” estavam lá ajudando as mocinhas do colégio, as freiras e até mesmo a esposa do prefeito que pareciam náufragos de tão enfraquecidas pelas náuseas.
Algumas “marinheiras” foram para a cozinha preparar chá, outras seguiram a orientação do médico de bordo na acomodação e administração de remédios às mareadas. Uma das madres disse que elas eram anjos.
O regresso ao porto foi abreviado. Antes do desembarque, o prefeito fez um discurso de agradecimento e enalteceu a solidariedade daquelas jovens e carinhosas moças. Verdadeiros anjos caídos do céu, concluiu ele.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
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