sábado, 18 de dezembro de 2010

CONTOS DO MUNIR 56

CONTO DE NATAL 2010
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Era 24 de Dezembro, Ismail decidiu dormir cedo, sentia-se triste e só. A mulher, na sala, terminava de embrulhar os presentes para as irmãs e cunhadas.
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O velho marinheiro pensava nos natais de antigamente, passados na casa dos pais com a família toda reunida, ele a mulher e os meninos. Na ocasião sua mãe preparava um cabrito assado e o pai, um doce de queijo em formato de fitas compridas destilando mel. A lembrança foi forte. Deu para sentir o gosto do queijo, mesclado com água de flor de laranjeira.
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Já era Capitão-de-Mar-e-Guerra quando, tempos atrás, fora servir por dois anos em Washington. Os meninos estudaram lá. Depois do regresso ao Brasil concluíram a faculdade, se casaram e voltaram para fazer o mestrado nas universidades americanas. Com bons empregos, ficaram na América.
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No dia de seu aniversário, pelo menos um deles aparecia para abraçá-lo.
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Ismail e a mulher também sempre viajavam para vê-los, até um ano depois do Setembro das torres destruídas.
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Por causa de seu nome de origem árabe, tinha sofrido uma revista rigorosa no aeroporto e o pior acontecera, quando a segurança perguntara em árabe se ele falava o idioma, e Ismail inocentemente respondera:
- “La”, que significa: “Não” em árabe.
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Foi o suficiente para deflagrar um estado de alerta em toda a polícia.
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Ficara detido por algum tempo, sendo liberado graças a um velho amigo, oficial da marinha americana, agora reformado e trabalhando na CIA.
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Prometeu só voltar com a certeza de que o episódio não se repetiria. Deu graças por seus filhos terem nomes brasileiros e lembrou-se que havia alguns nomes árabes que eram bonitos como Laila, Hanna, Omar, Yasmin e outros tantos.
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Neste ano nenhum deles apareceu.
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Da missa do galo, Ismail também já desistira. A igreja ficava a umas poucas quadras. Normalmente iam a pé, mas, no ano retrasado, ao atravessarem a praça tinham sido assaltados por um bando de pivetes. Chegara à conclusão de que os óculos, o cabelo que começava a embranquecer e seu andar mais lento, o tornaram alvo dos predadores das ruas.
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Como o sono não chegava, tomou um chá de erva doce e foi se deitar melancólico. Acordou por volta de meia-noite com uma vozinha a lhe sussurrar:
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- Vô, cadê o meu presente?
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Os netos, em volta da cama, ainda com as roupas da viagem, contentes olhavam para ele.
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-Vô, cadê o meu presente, repetiu Clarinha.
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Pego de surpresa, gaguejou:
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-Não sabia que vocês vinham, não comprei ainda. Estava com tantas saudades...
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-Vô, eu quero um beijo seu..
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Sorriu, o Natal havia voltado.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

Um comentário:

  1. Adorei, vô! Me lembrei de certas historias que você me contou, hahaha. Beijos da sua neta que te ama muito e adora ter a sua presenca nas noites de Natal, Bibi.

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