A CARTA DE AMOR
Danielle, PhD em economia
e administração, executiva de uma grande empresa, divorciada, só tinha seu
pensamento voltado para o trabalho, afastava as recordações e desejos femininos
em longas caminhadas ou na igreja. Mesmo assim, era surpreendida e se deixava
levar pelas lembranças dos namoros de sua juventude, latentes em seu ainda belo
corpo de mulher. Viajava em seus sonhos, na busca do companheiro ideal. Havia
sempre algo de errado com alguém que dela se aproximasse. Perguntava a si mesma, por que isso não
acontecia quando mocinha.
Danielle, apesar de
vestir-se sóbria e elegantemente em suas roupas de diretora, atraia a atenção
masculina. Quando longe da formalidade, era alvo dos olhares de ambos os sexos.
Como a empresa tinha
interesses no Rio, mantinha um apartamento no Leblon.
Certo dia em uma de suas
viagens a serviço, notou um homem que lia Martha Medeiros em uma Livraria bem
próxima a sua casa. Seu pensamento feminino achou aquilo diferente,
aproximou-se para ver qual o livro. Era “Fora de Mim”, história do fim de um
relacionamento. Já tinha lido o livro, acreditou que estava diante de um
sincronismo, ela ainda confusa com o encaminhamento de sua vida de mulher só. O homem percebeu sua presença, interrompeu
sua leitura e lhe ofereceu o exemplar. Ela recusou ruborizada, sem saber por
quê. Começaram a conversar e tomaram juntos um capuchino, ao final trocaram
seus e-mails e telefones, escritos, o dele em um pedaço de papel, o dela em um
cartão da empresa.
Pouco tempo depois, estavam
apaixonados, a distância e o trabalho, entretanto, os mantinha afastados,
embora estivessem sempre se comunicando por e-mails com juras de eterno amor.
Então surgiu a ideia de
uma carta, representava algo mais tangível, trazida junto ao coração, podendo
ser lida a qualquer hora em qualquer lugar, trazendo o perfume e a imagem viva
de sua amada.
Danielle escreveu:
“Querido
Neste momento, me transporto ao meu tempo de aluna do Sacré- Coeur
de Marie, lembrei-me porque estou usando uma roupa parecida com meu uniforme. Eu
tinha dezesseis anos, meu pai era falecido, creio que eu era bonita e muito
paquerada, não me recordo como a gente dizia naquele tempo. O fato, é que não
dava trela pra ninguém, brincava muito de namorar, mas nada de muito sério.
Admito que talvez fosse um pouco levada. Mamãe era muito rigorosa e meus
horários limitados. Lembro-me de que, certa vez, cheguei um pouco mais tarde,
ela disse que iria me esperar na porta de casa, de camisola, com uma vara nas
mãos. Hoje, divorciada, fui apresentada a uma série de pretendentes pelos meus
irmãos; um jornalista, um senador e um médico mandaram-me e-mails românticos,
não adiantou. Teve também o indiano, um homem culto, elegante e riquíssimo com
quem tivemos um almoço de negócios, mas que usava patchouli, o que me mantinha
no mínimo a um metro de distância. Na hora da foto foi insuportável. Ele deve
ter percebido e naquela mesma noite enviou para minha casa um monte de
orquídeas perfumadas.
Contei essa história para provocá-lo, mas omiti de propósito o
patchouli, e você ficou enciumado.
Até que o conheci.Não sei o que aconteceu! O fato é que senti um
tremor quando me aproximei de você naquele dia. Já faz mais de ano, e como o
tempo tem sido cruel para nós! Posso dizer assim?
Sinto tanta saudade do nosso amor, do cheiro de seu corpo já
impregnado do meu sexo e do meu perfume, e como isso me faz falta! Mais ainda,
quando, na exaustão do nosso amor, meus joelhos se dobram e você segura minha
cabeça, aperta-a de encontro ao seu corpo e me pede para amá-lo um pouco mais.
Ahan....Que saudades, querido!!!
Há noites em que mal
consigo dormir, alguns dias atrás tive que ir ao hospital, tão acelerado ficou
meu coração.
Meu amor por você é tão grande que, se eu o perder será morrer em
vida, “È a pior morte, a do amor”;*
Quero que leia com o
mesmo carinho que eu escrevi, e para sentir a minha presença, uma gotinha do
meu perfume e o beijo que ela leva.
Eternamente sua...”.
Danielle
Danielle beijou o papel azul da carta, deixando a
marca de seus lábios, teve o cuidado de abrir ligeiramente sua boca.
Dobrou com delicadeza a folha que havia escrito,
colocou-a dentro de um envelope aéreo, e depois em outro da empresa, sobrescritando
apenas com as iniciais e o endereço para quem enviava.
Chamou o boy e pediu que enviasse a carta
registrada.
Ágata, a analista financeira, a tinha observado;
apesar de casada, nutria uma verdadeira obsessão por Danielle. Interceptou o
rapaz e disse que ela mesma levaria a carta. Pela internet, aprendera como os
censores das prisões abriam as cartas sem rasuras. Fez uma cópia. Um pouco
aborrecida, por não ter o perfume e a marca de batom original de Danielle. Certificou-se
que o cheiro da benzina usada não passara para a carta.
Guardou a cópia com tanto carinho, como se a
tivesse recebido.
A original,
apesar de ter sido remetida, nunca chegou ao seu destino.
* Martha Medeiros
“Fora de Mim”
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
E-Mail:alzumunir@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário