sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CONTOS DO MUNIR - 94

A CARTA DE AMOR

Danielle, PhD em economia e administração, executiva de uma grande empresa, divorciada, só tinha seu pensamento voltado para o trabalho, afastava as recordações e desejos femininos em longas caminhadas ou na igreja. Mesmo assim, era surpreendida e se deixava levar pelas lembranças dos namoros de sua juventude, latentes em seu ainda belo corpo de mulher. Viajava em seus sonhos, na busca do companheiro ideal. Havia sempre algo de errado com alguém que dela se aproximasse.  Perguntava a si mesma, por que isso não acontecia quando mocinha.

Danielle, apesar de vestir-se sóbria e elegantemente em suas roupas de diretora, atraia a atenção masculina. Quando longe da formalidade, era alvo dos olhares de ambos os sexos.

Como a empresa tinha interesses no Rio, mantinha um apartamento no Leblon.

Certo dia em uma de suas viagens a serviço, notou um homem que lia Martha Medeiros em uma Livraria bem próxima a sua casa. Seu pensamento feminino achou aquilo diferente, aproximou-se para ver qual o livro. Era “Fora de Mim”, história do fim de um relacionamento. Já tinha lido o livro, acreditou que estava diante de um sincronismo, ela ainda confusa com o encaminhamento de sua vida de mulher só.  O homem percebeu sua presença, interrompeu sua leitura e lhe ofereceu o exemplar. Ela recusou ruborizada, sem saber por quê. Começaram a conversar e tomaram juntos um capuchino, ao final trocaram seus e-mails e telefones, escritos, o dele em um pedaço de papel, o dela em um cartão da empresa.

Pouco tempo depois, estavam apaixonados, a distância e o trabalho, entretanto, os mantinha afastados, embora estivessem sempre se comunicando por e-mails com juras de eterno amor.

Então surgiu a ideia de uma carta, representava algo mais tangível, trazida junto ao coração, podendo ser lida a qualquer hora em qualquer lugar, trazendo o perfume e a imagem viva de sua amada.

Danielle escreveu:

“Querido

Neste momento, me transporto ao meu tempo de aluna do Sacré- Coeur de Marie, lembrei-me porque estou usando uma roupa parecida com meu uniforme. Eu tinha dezesseis anos, meu pai era falecido, creio que eu era bonita e muito paquerada, não me recordo como a gente dizia naquele tempo. O fato, é que não dava trela pra ninguém, brincava muito de namorar, mas nada de muito sério. Admito que talvez fosse um pouco levada. Mamãe era muito rigorosa e meus horários limitados. Lembro-me de que, certa vez, cheguei um pouco mais tarde, ela disse que iria me esperar na porta de casa, de camisola, com uma vara nas mãos. Hoje, divorciada, fui apresentada a uma série de pretendentes pelos meus irmãos; um jornalista, um senador e um médico mandaram-me e-mails românticos, não adiantou. Teve também o indiano, um homem culto, elegante e riquíssimo com quem tivemos um almoço de negócios, mas que usava patchouli, o que me mantinha no mínimo a um metro de distância. Na hora da foto foi insuportável. Ele deve ter percebido e naquela mesma noite enviou para minha casa um monte de orquídeas perfumadas.

Contei essa história para provocá-lo, mas omiti de propósito o patchouli, e você ficou enciumado.

Até que o conheci.Não sei o que aconteceu! O fato é que senti um tremor quando me aproximei de você naquele dia. Já faz mais de ano, e como o tempo tem sido cruel para nós! Posso dizer assim?

Sinto tanta saudade do nosso amor, do cheiro de seu corpo já impregnado do meu sexo e do meu perfume, e como isso me faz falta! Mais ainda, quando, na exaustão do nosso amor, meus joelhos se dobram e você segura minha cabeça, aperta-a de encontro ao seu corpo e me pede para amá-lo um pouco mais.

Ahan....Que saudades, querido!!!

 Há noites em que mal consigo dormir, alguns dias atrás tive que ir ao hospital, tão acelerado ficou meu coração.

Meu amor por você é tão grande que, se eu o perder será morrer em vida, “È a pior morte, a do amor”;*

Quero que leia com o mesmo carinho que eu escrevi, e para sentir a minha presença, uma gotinha do meu perfume e o beijo que ela leva.

Eternamente sua...”.

                     Danielle

Danielle beijou o papel azul da carta, deixando a marca de seus lábios, teve o cuidado de abrir ligeiramente sua boca.

Dobrou com delicadeza a folha que havia escrito, colocou-a dentro de um envelope aéreo, e depois em outro da empresa, sobrescritando apenas com as iniciais e o endereço para quem enviava.

Chamou o boy e pediu que enviasse a carta registrada.

Ágata, a analista financeira, a tinha observado; apesar de casada, nutria uma verdadeira obsessão por Danielle. Interceptou o rapaz e disse que ela mesma levaria a carta. Pela internet, aprendera como os censores das prisões abriam as cartas sem rasuras. Fez uma cópia. Um pouco aborrecida, por não ter o perfume e a marca de batom original de Danielle. Certificou-se que o cheiro da benzina usada não passara para a carta.

Guardou a cópia com tanto carinho, como se a tivesse recebido.

 A original, apesar de ter sido remetida, nunca chegou ao seu destino.

* Martha Medeiros “Fora de Mim”

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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