segunda-feira, 10 de setembro de 2012

CONTOS DO MUNIR 95


Furinho no Coração*

MÃE
Rio de Janeiro

O menino era clarinho e muito magrinho. Primeiro filho. A mãe, pouco experiente, embora tivesse lido todos os livros sobre o assunto: “A agenda da Gravidez”, de A. Christine Harris;Bebê: manual do proprietário”, Louis Borgenicht e Joe Borgenicht e outros além do clássico “A Vida do Bebê” de Rinaldo De Lamare.

O gurisinho era fraquinho, chorava muito, quase sempre com febre, aos seis meses tinha o peso de neném de três. Foi internado uma vez com pneumonia. Era tão branquinho que se viam as veias, os cabelos de um louro brilhante, parecia o pequeno príncipe.

Certa vez o avô comentou que o menino era muito pequeno, a mãe ficou meio zangada: o filho era dela, não se importava se ele não crescesse, sempre iria amá-lo.

O diagnóstico era virose, a mãe levou algum tempo até deixar a ética e consultar outro médico. Doutor era um título mais forte que General no tempo do regime militar.

O novo pediatra, ao auscultar o garoto, achou que seria melhor consultar um cardiologista. Ele tinha um sopro muito forte de coração.

A Doutora Rosa Célia, já especializada em cardiologia infantil, detectou uma anormalidade congênita.

Um exame mais detalhado mostrou que seu coração tinha uma comunicação que não permitia o bombeamento correto do sangue, existia um buraquinho entre as duas câmaras (átrios), misturando o sangue venoso e o arterial.

O menino fazia parte “dos meninos azuis”, nome como o médico Vivien Thomas ficou conhecido, americano, pioneiro da cirurgia dessa anomalia. Não era formado em medicina, era negro e carpinteiro e tinha o sonho de ser doutor. Foi contratado por um laboratório como zelador. Seu chefe, um cirurgião, ao ver suas qualidades com os instrumentos, o transformou em seu assistente, isso na época da discriminação racial nos Estados Unidos. Muitos anos mais tarde, recebeu seu título de Doutor e professor de Cirurgia na universidade Johns Hopkins.

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São Paulo - Hospital

O menino de sete meses está para ser operado, o cirurgião Miguel Barbero, um argentino especializado em operações cardíacas infantis, prepara-se para mais uma luta na sala de cirurgia.

A mãe leva o filho à sala de cirurgia. Todos choram, menos ela, e pergunta:- Por que vocês estão chorando? Ele vai ficar curado!

Sete horas de circulação extracorpórea.

Sete horas de angústia.

Sete horas de orações.

Sete horas de esperança.

Sete horas de prantos.

Sete longas horas.

Sete horas contadas segundo a segundo.

A mãe queria tê-lo de volta em seus braços. Anoitecia.

A porta da sala de cirurgia se abre, o médico aparece, traz um sorriso na face, iluminando o ambiente.

A mãe corre ao seu encontro, quer a confirmação de que tudo está bem, o doutor a abraça:- Só tem uma coisinha e, antes que ela se assuste – Seu menino não tem mais sangue azul.

Palavras da Mãe:-“Quando o Budi saiu da sala de cirurgia, olhou para mim meio grogue e deu um sorrisinho!”


Notas do autor:

 Hoje, Budi tem 20 anos, estuda engenharia na PUC, rapaz de estatura normal, forte, saudável, pratica esportes, bonito e muito amável.Uma pequenina cicatriz no peito, só quem conhece esta história consegue notar. Seu avô tem orgulho dele.

A Doutora Rosa Celia dirige hoje um hospital dedicado à cardiologia infantil.

O Médico Miguel Barbero continua a operar em São Paulo e no Rio de Janeiro. Da mesma forma que a Doutora Rosa Celia, também atende crianças carentes.

Um tio já adulto, prometeu que iria fazer primeira-comunhão e fez.

Uma das avós prometeu que iria parar de fumar e parou.

Doutor Vivien Thomas, médico dos “meninos azuis”, é pouco conhecido, a cirurgia em que foi pioneiro é chamada “Blaclock Taussig” em homenagem ao cirurgião e a pediatra participante das pesquisas. Vivien Thomas trabalhou junto com o Doutor Blaclock por mais de trinta anos .

*Baseado em uma história real.

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

 

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