CRÔNICAS E CONSEQUÊNCIAS-2
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O restaurante Antonio’s
situava-se no prédio de esquina da Av. Bartolomeu Mitre com a Av. Ataulfo de
Paiva, no Leblon. Um dos donos, Manuel Rieiro Romar, o Manolo, desejava
utilizar o espaço da calçada, faltava a concordância do Condomínio. O
administrador do prédio, um oficial de marinha, como tantos outros militares,
complementava seu salário baixo com a isenção da cota condominial.
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Manolo compareceu à
reunião convocada pelo síndico e com o voto favorável dele, viu aprovada a utilização
da calçada como varanda. Foi o inicio de uma amizade fraternal que perdura até
os dias de hoje. O espaço conquistado seria o habitat do Carlinhos de Oliveira,
onde ele bebendo uísque e fumando seu cigarrinho Continental ou Hollywood, sem
filtro, escreveria suas crônicas, sentado em uma mesa ao fundo.
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O Antonio’s passou a
integrar o circuito gastronômico do Leblon, aquela época com o Degrau, o
Manolo’s, Le Coin, Alvaro’s, Tanaka, a pizzaria do Ibraim Sued, o Final do
Leblon, Real Astória, Luna e outros mais.
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O público do Antonio’s,
bastante diferenciado. Manolo era o homem da noite, sua empatia conquistou os
“globais”, jornalistas, escritores e lindas moças da sociedade. O uísque
honesto a preços acessíveis e doses generosas, com direito à prego. A comida
deliciosa preparada pelo chef paraibano Antonio, que dera o nome ao
restaurante, e também sócio com Manolo e Florentino.
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Manolo comprara cadeiras
de jacarandá com palhinha indiana no assento e encosto. Logo percebeu que elas
não iriam durar muito, a turma alegre nelas subia e a palhinha não resistia.
Resolveu substituí-las.
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Fez a distribuição das que
ainda estavam intactas, cinco dessas cadeiras ainda se encontram na residência
do comandante da marinha que delas se tornou “fiel depositário”.
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Mais tarde o oficial viria
a comandar um submarino. Ao levar seus dois filhos maiores em um exercício de
lançamentos de torpedos sem explosivo, convidou o Manolo que sugeriu o nome do
Carlinhos de Oliveira e de outros amigos.
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Então começaram as
preocupações do comandante, que não tinha imaginado as consequências de seu
convite e nem de como seria influenciada a vida de um de seus filhos, que, a partir
de então se apaixonaria pelo mar. O menino de cabelos compridos e boas notas na escola, não se tornou um marinheiro, mas um talentoso comandante em suas pranchas de
windsurf e kitsurf.
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O comandante do submarino leu a segunda crônica no domingo, 21 de junho de 1970.
O comandante do submarino leu a segunda crônica no domingo, 21 de junho de 1970.
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A princípio, pelo título,
pensou que o assunto tinha mudado, ele não estava acostumado com figuras de
estilo. Na continuação da leitura, assustou-se: Seu nome iniciava a crônica.
Segue a crônica:
.JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
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REFLEXÃO HIPERBÓLICA AO PÉ DE UMA AVENTURA BANAL
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Munir Alzuguir, Capitão-de-Fragata,
comandante do submarino Bahia, precisou de apenas cinco
minutos para
quebrar o gelo que hoje em dia dificulta a aproximação do que é civil com o que é
militar. Civil, no caso, era eu — um tipo especial, neurótico, acostumado a dizer e
escrever o que pensa e sujeito a crises de depressão toda vez que esse costume, que é
autorizado por um direito elementar do homem, encontra obstáculos poderosos. Civil
no sentido escandaloso da palavra, pois significa uma vida sem preconceito de espécie alguma, orientada para um sonho e não para a realidade, incapaz de julgar um semelhante pela sua aparência, indiferente à felicidade tradicional, exposta ao desdém e à comiseração dos quadrados, inconsequente,
perdulária, às vezes maldita. Civil quer ainda dizer cabelos desgrenhados, barba selvagem, música, álcool, em alguns casos maconha, colares hippies, simpatia pela revolução sexual. Um tipo de gente, enfim, que é minoria em toda parte e que fabrica
unicamente ilusões; ou, se preferirem, a
patota de Ipanema. Do outro lado, a
Marinha — as Forças Armadas após a interferência no processo político,
com todas as qualidades negativas, reais ou imaginárias, que essa interferência
projetou. Atenção: quando escrevo qualidades
negativas estou recorrendo ao jargão publicitário.
Quero dizer, em suma, que, outra
noite, estávamos eu e o Sérgio Cabral meio embriagados, a cantar sambas
antigos na mesa de um bar, quando apareceu
o Ciro Monteiro acompanhado de um
General e de um delegado de Polícia.
Eles foram bem recebidos em nossa
mesa, mas tanto Sérgio quanto eu estávamos embaraçados. Para disfarçar essa
atrapalhação íntima, fizemos o gesto extremo dos tímidos, isto é, articulamos
moralmente uma sequência de cambalhotas e piruêtas ao estilo shapliniano,
incluida nisso a seguinte paródia, que cantavávamos seguidamente com entusiasmo
despropositado:
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General, General, é
melhor e não faz mal!
 condição de General de Exército conferia àquele homem
um prestígio colossal — era algo ameaçador, algo sombrio, era simplesmente
alguma coisa que nos impedia de pensar com naturalidade, nós tínhamos medo não
se sabe bem de quê. Essa emoção mórbida nos levava, como é lógico, a atribuir
idêntica turvação aos pensamentos e sentimentos que empolgavam o gentil militar
à paisana. Em nossa imaginação, ele também estava embaraçado, ele também
recebia de nós algum eflúvio inquietante, ignorando por sua vez de que maneira
deve proceder um coração de General em presença de dois legítimos exemplares
da fauna intelectual e boémia. .
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Naquela noite objetivamente alegre, mas
subjetivamente tensa e torva, descobri em mim mesmo um inimigo, que já
conhecia de nome mas do qual não havia tido antes a experiência clara e insofismável.
Eu era a minha própria Repressão, a minha própria Censura; a simples
aproximação de um General de Exército bastava para desencadear o processo, que
logo. batizei de pocket-paranóia, paranóia-de-bôlso. E pensei em seguida:
quando a situação política, objetivamente considerada, torna plausível a
invasão da consciência pelas inquietudes abissais, o campo está preparado para
o terrorismo. Estamos doentes, pensei eu; estamos muito, muito doentes. E
pensei ainda que a minha profissão é pensar nessas coisas, inoculando a ficção,
anticorpo eficaz, nesse grande organismo enfermo que é o cotidiano brasileiro.
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No artigo anterior, e neste, trabalhando híperbòlicamente
uma aventura banal, tenho procurado demonstrar que não há nada mais difícil do
que encetar um diálogo. Ao comandante Alzuguir, a quem peço desculpas por
transformá-lo em matéria de reflexão bombástica, coube a quebra do gelo, não
apenas no decorrer da viagem que fiz a bordo do Bahia, e que muito me agradou,
mas, antes, quando alguém comentou que um filho dele, um menino, estava com os
cabelos muito compridos, e o pai respondeu:
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"Enquanto ele tiver média 75
no colégio, pede usar e cabelo que quiser”.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
E-Mail:alzumunir@gmail.com
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