terça-feira, 26 de março de 2013

ARTIGO DO MUNIR-2



CRÔNICAS E CONSEQUÊNCIAS-2
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O restaurante Antonio’s situava-se no prédio de esquina da Av. Bartolomeu Mitre com a Av. Ataulfo de Paiva, no Leblon. Um dos donos, Manuel Rieiro Romar, o Manolo, desejava utilizar o espaço da calçada, faltava a concordância do Condomínio. O administrador do prédio, um oficial de marinha, como tantos outros militares, complementava seu salário baixo com a isenção da cota condominial.
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Manolo compareceu à reunião convocada pelo síndico e com o voto favorável dele, viu aprovada a utilização da calçada como varanda. Foi o inicio de uma amizade fraternal que perdura até os dias de hoje. O espaço conquistado seria o habitat do Carlinhos de Oliveira, onde ele bebendo uísque e fumando seu cigarrinho Continental ou Hollywood, sem filtro, escreveria suas crônicas, sentado em uma mesa ao fundo.
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O Antonio’s passou a integrar o circuito gastronômico do Leblon, aquela época com o Degrau, o Manolo’s, Le Coin, Alvaro’s, Tanaka, a pizzaria do Ibraim Sued, o Final do Leblon, Real Astória, Luna e outros mais.
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O público do Antonio’s, bastante diferenciado. Manolo era o homem da noite, sua empatia conquistou os “globais”, jornalistas, escritores e lindas moças da sociedade. O uísque honesto a preços acessíveis e doses generosas, com direito à prego. A comida deliciosa preparada pelo chef paraibano Antonio, que dera o nome ao restaurante, e também sócio com Manolo e Florentino.
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Manolo comprara cadeiras de jacarandá com palhinha indiana no assento e encosto. Logo percebeu que elas não iriam durar muito, a turma alegre nelas subia e a palhinha não resistia. Resolveu substituí-las.
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Fez a distribuição das que ainda estavam intactas, cinco dessas cadeiras ainda se encontram na residência do comandante da marinha que delas se tornou “fiel depositário”.
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Mais tarde o oficial viria a comandar um submarino. Ao levar seus dois filhos maiores em um exercício de lançamentos de torpedos sem explosivo, convidou o Manolo que sugeriu o nome do Carlinhos de Oliveira e de outros amigos.
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Então começaram as preocupações do comandante, que não tinha imaginado as consequências de seu convite e nem de como seria influenciada a vida de um de seus filhos, que, a partir de então se apaixonaria pelo mar. O menino de cabelos compridos e boas notas na escola, não se tornou um marinheiro, mas um talentoso comandante em suas pranchas de windsurf e kitsurf.
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O comandante do submarino leu a segunda crônica no domingo, 21 de junho de 1970.
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A princípio, pelo título, pensou que o assunto tinha mudado, ele não estava acostumado com figuras de estilo. Na continuação da leitura, assustou-se: Seu nome iniciava a crônica.

Segue a crônica:
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JOSÉ CARLOS OLIVEIRA 
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REFLEXÃO HIPERBÓLICA AO PÉ DE UMA AVENTURA BANAL
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Munir Alzuguir, Capitão-de-Fragata, comandante do submarino Bahia, precisou de apenas cinco
minutos para quebrar o gelo que hoje em dia dificulta a aproximação do que é civil com o que é militar. Civil, no caso, era eu — um tipo especial, neurótico, acostumado a dizer e escrever o que pensa e sujeito a crises de depressão toda vez que esse costume, que é autorizado por um direito elementar do homem, encontra obstá­culos poderosos. Civil no sentido escandaloso da palavra, pois significa uma vida sem pre­conceito de espécie alguma, orientada para um sonho e não para a realidade, incapaz de julgar um semelhante pela sua aparência, indiferente à felicidade tradicional, exposta ao desdém e à comiseração dos quadrados, inconsequente, perdulária, às vezes maldita. Civil quer ainda dizer cabelos desgrenhados, barba selvagem, música, álcool, em alguns casos maconha, colares hippies, simpatia pela revolução sexual. Um tipo de gente, en­fim, que é minoria em toda parte e que fa­brica unicamente ilusões; ou, se preferirem, a patota de Ipanema. Do outro lado, a Marinha — as Forças Armadas após a interferência no processo político, com todas as qualidades negativas, reais ou imaginárias, que essa interferência projetou. Atenção: quando escrevo qualida­des negativas estou recorrendo ao jargão publicitário. Quero dizer, em suma, que, outra noite, estávamos eu e o Sérgio Cabral meio embriagados, a cantar sambas antigos na mesa de um bar, quando apareceu o Ciro Monteiro acompanhado de um General e de um delegado de Polícia. Eles foram bem re­cebidos em nossa mesa, mas tanto Sérgio quanto eu estávamos embaraçados. Para disfarçar essa atrapalhação íntima, fizemos o gesto extremo dos tímidos, isto é, articulamos moralmente uma sequência de cambalhotas e piruêtas ao estilo shapliniano, incluida nisso a seguinte paródia, que cantavávamos seguidamente com entusiasmo despropositado:
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General, General, é melhor e não faz mal!
 condição de General de Exército conferia àquele homem um prestígio colossal — era algo ameaçador, algo sombrio, era simplesmente alguma coisa que nos impedia de pensar com naturalidade, nós tínhamos medo não se sabe bem de quê. Essa emoção mórbida nos levava, como é lógico, a atri­buir idêntica turvação aos pensamentos e sentimentos que empolgavam o gentil militar à paisana. Em nossa imaginação, ele também estava embaraçado, ele também recebia de nós algum eflúvio inquietante, ignorando por sua vez de que maneira deve proceder um coração de General em presen­ça de dois legítimos exemplares da fauna intelectual e boémia. .
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Naquela noite objetivamente alegre, mas subjetivamente tensa e torva, descobri em mim mesmo um ini­migo, que já conhecia de nome mas do qual não havia tido antes a experiência clara e insofismável. Eu era a minha própria Repressão, a minha própria Censura; a simples aproximação de um General de Exército bastava para desencadear o processo, que logo. batizei de pocket-paranóia, paranóia-de-bôlso. E pensei em seguida: quando a situação política, objetivamente considerada, torna plausível a invasão da consciência pelas inquietudes abissais, o campo está preparado para o terrorismo. Estamos doentes, pensei eu; estamos muito, muito doentes. E pensei ainda que a minha profissão é pensar nessas coisas, inoculando a ficção, anticorpo eficaz, nesse grande organismo enfermo que é o cotidiano brasileiro.
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No artigo anterior, e neste, trabalhando híperbòlicamente uma aventura banal, tenho procurado demonstrar que não há nada mais difícil do que encetar um diálogo. Ao co­mandante Alzuguir, a quem peço desculpas por transformá-lo em matéria de reflexão bombástica, coube a quebra do gelo, não apenas no decorrer da viagem que fiz a bordo do Bahia, e que muito me agradou, mas, antes, quando alguém comentou que um filho dele, um menino, estava com os cabelos muito compridos, e o pai respondeu: 
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"Enquanto ele tiver média 75 no colégio, pede usar e cabelo que quiser”.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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