sábado, 16 de março de 2013

ARTIGO DO MUNIR



CRÔNICAS E CONSEQUENCIAS
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José Carlos Oliveira, cronista do Jornal do Brasil, escreveu em 1970, quatro crônicas relacionadas à Marinha de Guerra Brasileira. A primeira foi publicada no Jornal do Brasil no dia 19 de junho de 1970, uma sexta-feira. O passeio mencionado já havia sido realizado.
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O comandante do submarino a leu ao sair de casa, era capitão de fragata, esperando promoção a capitão de mar e guerra. Sua ascensão à fragata fora prejudicada por informações transmitidas por um ex-comandante ao dizer que ele adorava tomar sol sem camisa no passadiço (o que era verdade).
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No trajeto pensou: estou ferrado, no mínimo vou ser destituído do Comando e adeus à promoção, talvez pegue até cadeia.
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Ao chegar a bordo, a mensagem transmitida por rádio era clara: apresentar-se com a máxima urgência a Nave Capitânia, NAe Minas Gerais, onde se encontrava o Almirante Chefe da Esquadra.
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O comandante envergou seu melhor uniforme branco e foi participar ao Chefe da Força de Submarinos, seu superior imediato, que estava indo apresentar-se à Esquadra. Foi intimado: Volte para bordo! Eu irei. Você solicitou minha autorização e a concedi. Sou o responsável.
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O Almirante Chefe da Esquadra era também submarinista, ouviu as explicações do Comandante da Força de Submarinos: que a viagem já tinha sido realizada, que ele dera autorização para os convites, após consultar o Serviço de Inteligência da Marinha (CENIMAR), que nenhum deles era terrorista. Eram intelectuais, homens inteligentes e se fosse pecado tomar uísque, éramos todos pecadores.
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Diante dos fatos o Almirante resolveu adiar sua decisão até ler a segunda crônica que seria publicada no domingo.
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O comandante do submarino passou a noite de sexta e sábado pensando o que o Carlinhos diria no domingo, embora tenha estado com ele , nada comentou.
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A primeira crônica:
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JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
VAMOS PASSEAR DE SUBMARINO?
       Vamos passear de submarino? Duvido que alguém recuse sem mais nem menos um convite como êsse. O normal (e foi o que aconteceu conosco) é começar desconfiando que se trata de alguma brincadeira, do tipo ginasiano. Uma respos­ta, sim ou não, pode ser a armadilha prepa­rada pelo interlocutor. Todos ouviram no gi­násio a pergunta preparatória de um troca­dilho infame: — Você viu o Lôchas?
Assim, fiquei com um pé atrás quando o Manolo, do Antonio's, me perguntou à queima-roupa:
Vamos passear de submarino?
  Mas logo você, Manolo? Um homem sério, que vai à missa todo domingo, que recebe cartas de padres espanhóis entusiasmados com o desempenho da Seleção Brasileira de futebol...

  Logo você, me vir com uma piada dessas!

  Não é piada não senhor. Estou falando sério. Vamos passear de submarino?

  Ai meu casco! — disse eu, simulando ter pedido a paciência. Desde quando se pode convidar alguém para passear de submarino? Se você me convidasse para visitar um transatlântico espanhol, ou um navio da Armada espanhola, ou para fazer um vôo Rio—Madri em avião espanhol, eu acharia estranho, mas admitiria. Agora, Manolo, submarino? Sem essa, bicho! Corta essa.

  Mas já lhe disse que estou falandosério. Temos um submarino à nossa disposição. É só marcar o dia.

  Espanhol?

  Não. Brasileiro.

  Pois fique sabendo que o Brasil só tem dois submarinos, e que hoje em dia um sujeito feito eu, barbudo, cabeludo, com calça apertada e camisa colorida, não pode nem passar em frente a um quartel que eles pensam que é terrorista. Além disso não tenho documento, e atualmente não se entra sem documento em lugar algum — quanto mals num submarino.

Manolo,- o paciente, o dídático:
Primeiro, está certo que o Brasil só tem dois submarinos. Segundo, nós vamos passear num deles, sendo que o outro vai atrás de nós. Terceiro, a sua aparência não é tão assustadora quanto você gostaria. Quarto, não precisa levar documento, pois ele te conhece.

-Ele quem?

-O comandante.

-Que comandante?

-O comandante do submarino, é claro.

-Ele me conhece?

-Conhece. De vista, mas conhece. Mora aqui perto e vem ao Antonio's de vez em quando.

-E ele quer levar a gente numa viagem de submarino?

-Justamente. Convidou você, o Vinícius de Morais, o Francisco Buarque de Holanda (Manolo nunca diz Chico) e eu.

-E eles toparam?

-Francisco topou, mas operou o menisco e só poderá ir em outra ocasião. O Vinicius achou fascinante o programa, mas não pode irr pois sofre de claustrofobia. Esse não passeia nem de elevador.

-Ora, Manolo, você me conhece. Não sou homem  de  comparecer  a  soienidades oficiais. Já sei que vai haver uma porção de almirantes, e que me obrigarão a ouvir discursos, e que no meio dos figurões eu serei olhado como um bicho raro, e que me darão tapinhas no ombro, dizendo: "Está vendo? Nós militares não somos essas feras que vocês imaginam..." E todos olhando o cabeludo-barbudo com um sentimento repartido entre o temor, a comiseração e o desdém, de modo que, se me falassem francamente, eis o que diriam: "Nós trabalhamos e fazemos. Vocês discordam e se dissipam. Nós acordamós de madrugada e vocês vão dormir quando o dia nasce. Nós somos disciplinados e vocês, rebeldes. Nós fazemos a barba, cortamos o cabelo, engraxamos os sapatos. Vocês vivem espalhafatosamente, bebendo, trocando de mulher, escrevendo canções, artigos e panfletos..." E depois de ouvir essa catilinária, Manolo, eu ainda escutaria a reprovação da minha gente, os boémios lúcidos, sempre (e orgulhosamente) marginalizados. A minha gente me reprovaria a adesão aos militares, ao poder.

-Mas não tem política no meio — respondeu ele. — É só um passeio. Não tem solenidade,  nem discurso, não precisa usar paletó e gravata.
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Sendo assim, pedi tempo.
Devo ou não devo passear de submarino? Quem quiser conhecer a solução do dilema deve esperar até domingo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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