CRÔNICAS
E CONSEQUENCIAS
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José Carlos Oliveira, cronista do Jornal do Brasil,
escreveu em 1970, quatro crônicas relacionadas à Marinha de Guerra Brasileira.
A primeira foi publicada no Jornal do Brasil no dia 19 de junho de 1970, uma
sexta-feira. O passeio mencionado já havia sido realizado.
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O comandante do submarino a leu ao sair de casa, era
capitão de fragata, esperando promoção a capitão de mar e guerra. Sua ascensão à
fragata fora prejudicada por informações transmitidas por um ex-comandante ao
dizer que ele adorava tomar sol sem camisa no passadiço (o que era verdade).
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No trajeto pensou: estou ferrado, no mínimo vou ser
destituído do Comando e adeus à promoção, talvez pegue até cadeia.
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Ao chegar a bordo, a mensagem transmitida por rádio era
clara: apresentar-se com a máxima urgência a Nave Capitânia, NAe Minas Gerais,
onde se encontrava o Almirante Chefe da Esquadra.
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O comandante envergou seu melhor uniforme branco e foi
participar ao Chefe da Força de Submarinos, seu superior imediato, que estava
indo apresentar-se à Esquadra. Foi intimado: Volte para bordo! Eu irei. Você
solicitou minha autorização e a concedi. Sou o responsável.
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O Almirante Chefe da Esquadra era também submarinista,
ouviu as explicações do Comandante da Força de Submarinos: que a viagem já
tinha sido realizada, que ele dera autorização para os convites, após consultar
o Serviço de Inteligência da Marinha (CENIMAR), que nenhum deles era
terrorista. Eram intelectuais, homens inteligentes e se fosse pecado tomar
uísque, éramos todos pecadores.
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Diante dos fatos o Almirante resolveu adiar sua decisão
até ler a segunda crônica que seria publicada no domingo.
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O comandante do submarino passou a noite de sexta e
sábado pensando o que o Carlinhos diria no domingo, embora tenha estado com ele
, nada comentou.
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A primeira crônica:
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JOSÉ CARLOS OLIVEIRA
VAMOS
PASSEAR DE SUBMARINO?
— Vamos
passear de submarino? Duvido que
alguém recuse sem mais nem menos um
convite como êsse. O normal (e foi o que aconteceu conosco) é começar desconfiando que se trata de alguma brincadeira, do tipo ginasiano. Uma resposta, sim
ou não, pode ser a armadilha preparada pelo interlocutor. Todos ouviram no ginásio a pergunta preparatória de um trocadilho infame: — Você viu o Lôchas?
Assim, fiquei com um pé atrás quando
o Manolo, do Antonio's, me
perguntou à queima-roupa:
— Vamos passear de submarino?
— Mas logo você, Manolo? Um homem sério, que vai à missa todo domingo, que recebe cartas de padres
espanhóis entusiasmados com o desempenho da Seleção
Brasileira de futebol...
— Logo você, me vir com uma piada dessas!
—
Não é piada não senhor. Estou falando sério. Vamos passear de submarino?
—
Ai meu casco! — disse eu, simulando ter pedido
a paciência. Desde quando se pode convidar
alguém para passear de submarino? Se você me convidasse para visitar um transatlântico espanhol, ou um navio da Armada espanhola, ou para fazer um vôo Rio—Madri em avião espanhol, eu acharia estranho, mas admitiria. Agora, Manolo, submarino? Sem essa, bicho! Corta essa.
—
Mas já lhe disse que estou falandosério. Temos um submarino à nossa disposição. É só marcar o dia.
— Espanhol?
— Não. Brasileiro.
—
Pois fique sabendo que o Brasil só tem dois submarinos, e que hoje em dia um sujeito feito eu, barbudo, cabeludo, com calça apertada e camisa colorida, não pode nem passar em frente a um quartel que eles pensam que é terrorista. Além disso não tenho documento, e atualmente não se entra sem documento em lugar algum — quanto mals num submarino.
Manolo,- o paciente, o dídático:
Primeiro, está certo que o Brasil só tem dois submarinos. Segundo, nós vamos passear
num deles, sendo que o outro vai atrás de
nós. Terceiro, a sua aparência não é tão
assustadora quanto você gostaria. Quarto,
não precisa levar documento, pois ele te conhece.
-Ele quem?
-O comandante.
-Que comandante?
-O comandante do
submarino, é claro.
-Ele me conhece?
-Conhece. De vista, mas
conhece. Mora aqui perto e vem ao Antonio's de
vez em quando.
-E ele quer levar a gente numa viagem de submarino?
-Justamente. Convidou você, o Vinícius de Morais, o Francisco
Buarque de Holanda (Manolo nunca diz Chico) e
eu.
-E eles toparam?
-Francisco topou, mas
operou o menisco e só poderá ir em outra
ocasião. O Vinicius achou fascinante o programa,
mas não pode irr pois sofre de
claustrofobia. Esse não passeia nem de elevador.
-Ora, Manolo, você me
conhece. Não sou homem de comparecer
a soienidades oficiais. Já sei que vai haver uma
porção de almirantes, e que me obrigarão a ouvir discursos, e que no meio dos figurões eu serei olhado como um bicho raro, e que me darão tapinhas
no ombro, dizendo: "Está vendo? Nós
militares não somos essas feras que vocês
imaginam..." E todos olhando o cabeludo-barbudo com um sentimento repartido entre o temor, a comiseração e o desdém, de modo que, se me falassem francamente, eis o que diriam: "Nós trabalhamos e fazemos. Vocês discordam e se dissipam. Nós acordamós de madrugada e vocês vão dormir quando o dia nasce. Nós somos disciplinados e vocês, rebeldes. Nós fazemos a barba, cortamos o
cabelo, engraxamos os sapatos. Vocês
vivem espalhafatosamente, bebendo, trocando
de mulher, escrevendo canções, artigos e panfletos..." E depois de
ouvir essa catilinária, Manolo, eu ainda
escutaria a reprovação da minha
gente, os boémios lúcidos, sempre (e orgulhosamente) marginalizados. A minha gente me reprovaria a adesão aos militares, ao poder.
-Mas não tem política no
meio — respondeu ele. — É só um passeio. Não
tem solenidade, nem discurso, não
precisa usar paletó e gravata.
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Sendo assim, pedi tempo.
Sendo assim, pedi tempo.
Devo ou não devo passear de submarino? Quem quiser
conhecer a solução do dilema deve esperar até domingo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
E-Mail:alzumunir@gmail.com
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