sexta-feira, 26 de setembro de 2014

CONTOS DO MUNIR 011/2014=O FLANELINHA



O FLANELINHA

É moreno escuro, mora na rua, tem uma companheira morena clara, bonitinha, quase uma menina, que se chama Paula.

Órfão, foi criado desde os três anos em uma instituição militar, por isso, chama a todos que estacionam em sua área de comandante.

Adilson é seu nome, também conhecido por Piolho, não se ofende com o apelido; muito humilde, talvez seja esta a razão de ter ajuda quando precisa.  Piolho tem seus nichos de vagas nas ruas do final do Leblon, não procura ocupar o espaço de outros guardadores, embora ele próprio tenha credencial.

Nosso flanelinha gosta de andar de sandálias havaianas; como dorme na rua, mendigos roubam suas sandálias. Havaianas são muito disputadas, pobres calçam cores diferentes. Quando um dos pés estraga é o par que é jogado fora. Nem sempre se encontram no lixo duas iguais.

No outro dia, alguém deu para o Adilson um tênis quarenta e quatro, Adilson não é muito alto, calça trinta e sete. Ficou sobrando sapato e ele andava com dificuldade, como corre muito atrás dos motoristas, ficava difícil. Logo que ganhou uma sandália “nova” deixou o tênis ser roubado de propósito.

Adilson e a companheira, de vez em quando, tomam banho às sextas-feiras quando os porteiros dos prédios lavam as calçadas. Antes iam ao posto de salvamento, mudou o vigia e passaram a cobrar. Paula, a amiga, diz que tudo o que ganham só dá para comer, e que é mais importante que tomar banho. Fazem amor de madrugada, quando a rua está deserta. Não engravida, é esperta, toma pílulas distribuídas pelo posto de saúde.

Na Pizzaria Guanabara, aos sábados e domingos ganha um pão com linguiça de um dos costumeiros fregueses.

Piolho quer se tornar cidadão, pediu ajuda a um politico morador de uma das ruas do bairro. O segurança deu um número de telefone celular. O flanelinha desistiu de telefonar, quando ligava a cobrar, não atendiam, e quando usava seu cartão, diziam para esperar um pouco mais.

Piolho usa um boné que encobre toda a sua cabeça, seu cabelo bem como a barba cresceram muito. Diz que o barbeiro da galeria não quer cortar, porque não está com a roupa limpa, mas tem um cara na Bartolomeu Mitre, lá onde era o antigo quartel da Policia Militar que corta o cabelo e faz a barba por vinte reais. Quem pagar vai ter que acompanhá-lo, e ver que é verdade.  

Adilson quando me vê, bate continência e fala assim:-

-Veja Comandante, não estão respeitando ninguém, nem morador de rua, já roubaram duas sandálias minhas. Agora “faço elas de travesseiro”. Vou juntar uma grana, e comprar uma Redley azul.

Esse pessoal reclama de quê? Tem sempre casa, comida e água pra tomar banho.

E continua, olhando para a companheira:-

-Olha, o homem é comandante, tá falando com um morador de rua-flanelinha. Não fique assim relaxada, lá no Orfanato do Exército, onde eu fiquei dos três aos dezesseis anos, a gente tinha muito respeito pelo coronel.

Amanhã vou com ele na Bartolomeu Mitre para que corte o cabelo e faça a barba.

Adilson, cabelo cortado, barba feita, roupa limpa, sandálias Redley e Paula de banho tomado, se amam, formam um belo casal, podem sair na revista Caras.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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