O FLANELINHA
É moreno
escuro, mora na rua, tem uma companheira morena clara, bonitinha, quase uma
menina, que se chama Paula.
Órfão, foi
criado desde os três anos em uma instituição militar, por isso, chama a todos
que estacionam em sua área de comandante.
Adilson é
seu nome, também conhecido por Piolho, não se ofende com o apelido; muito
humilde, talvez seja esta a razão de ter ajuda quando precisa. Piolho tem
seus nichos de vagas nas ruas do final do Leblon, não procura ocupar o espaço
de outros guardadores, embora ele próprio tenha credencial.
Nosso
flanelinha gosta de andar de sandálias havaianas; como dorme na rua, mendigos roubam
suas sandálias. Havaianas são muito disputadas, pobres calçam cores diferentes.
Quando um dos pés estraga é o par que é jogado fora. Nem sempre se encontram no
lixo duas iguais.
No outro
dia, alguém deu para o Adilson um tênis quarenta e quatro, Adilson não é muito
alto, calça trinta e sete. Ficou sobrando sapato e ele andava com dificuldade,
como corre muito atrás dos motoristas, ficava difícil. Logo que ganhou uma
sandália “nova” deixou o tênis ser roubado de propósito.
Adilson e
a companheira, de vez em quando, tomam banho às sextas-feiras quando os
porteiros dos prédios lavam as calçadas. Antes iam ao posto de salvamento,
mudou o vigia e passaram a cobrar. Paula, a amiga, diz que tudo o que ganham só
dá para comer, e que é mais importante que tomar banho. Fazem amor de
madrugada, quando a rua está deserta. Não engravida, é esperta, toma pílulas
distribuídas pelo posto de saúde.
Na
Pizzaria Guanabara, aos sábados e domingos ganha um pão com linguiça de um dos
costumeiros fregueses.
Piolho
quer se tornar cidadão, pediu ajuda a um politico morador de uma das ruas do
bairro. O segurança deu um número de telefone celular. O flanelinha desistiu de
telefonar, quando ligava a cobrar, não atendiam, e quando usava seu cartão,
diziam para esperar um pouco mais.
Piolho usa
um boné que encobre toda a sua cabeça, seu cabelo bem como a barba cresceram
muito. Diz que o barbeiro da galeria não quer cortar, porque não está com a
roupa limpa, mas tem um cara na Bartolomeu Mitre, lá onde era o antigo quartel
da Policia Militar que corta o cabelo e faz a barba por vinte reais. Quem pagar
vai ter que acompanhá-lo, e ver que é verdade.
Adilson
quando me vê, bate continência e fala assim:-
-Veja
Comandante, não estão respeitando ninguém, nem morador de rua, já roubaram duas
sandálias minhas. Agora “faço elas de travesseiro”. Vou juntar uma grana, e
comprar uma Redley azul.
Esse
pessoal reclama de quê? Tem sempre casa, comida e água pra tomar banho.
E
continua, olhando para a companheira:-
-Olha, o
homem é comandante, tá falando com um morador de rua-flanelinha. Não fique
assim relaxada, lá no Orfanato do Exército, onde eu fiquei dos três aos
dezesseis anos, a gente tinha muito respeito pelo coronel.
Amanhã vou
com ele na Bartolomeu Mitre para que corte o cabelo e faça a barba.
Adilson,
cabelo cortado, barba feita, roupa limpa, sandálias Redley e Paula de banho
tomado, se amam, formam um belo casal, podem sair na revista Caras.
Autor:
Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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