CABOS DE VASSOURAS
Recebo
o envelope, só meu nome e nada mais, dentro só uma foto. São seis crianças. Meu
Deus, somos nós!!! Os seis primos homens, juntos numa foto histórica! O mais
velho deve estar com uns dez anos e o mais moço três. Em baixo a frase chave,
encantada e linda, escrita por quem como eu, enxerga as coisas da vida por
fotogramas:
“Do tempo em que os cabos de vassouras
sempre esperados e trazidos pelo Vô
Miro
transformavam-se em cavalos
com os quais cavalgávamos
despreocupados
as pradarias da fazenda da Nona
Eliza e Vó Alzira”
Os olhos mareiam, como agora. A mágica da mente remete no mesmo instante para lá. Sim eram pradarias, florestas, despenhadeiros e vales, grutas encantadas, mares sempre revoltos — por mais calma que fosse a travessia da vida — feras bravias, pássaros de grande porte e sobretudo a segurança que a tudo venceríamos. No final estaríamos lá, gastando nossas fortunas, ao lado das princesas que certamente conquistaríamos. Não resisti e resolvi continuar.
As pradarias às vezes enchiam-se de inimigos,
Alguns cruéis, como os agapantos de
cabeça roxa.
Dizimados sem dó, com espadas e
lanças,
Remanescentes da decoração de um
baile de carnaval no clube.
Nossa fama corria mundo!
Como dizia o velho bisavô, alemão da
gema de Wurtemberg,
Responsável direto pela proliferação
do cruel agapanto.
— Alzira teus netos parecem uma horda de cavalos selvagens!!!
Dos cavalos passávamos às motos,
Já não lembro quem, nem quando nem
onde
Olhou as velhas cadeiras de madeira
fechadas e sem a lona
E viu a imagem de potentes e
reluzentes motocicletas!
Cada um tinha a sua, cada uma mais
enfeitada que a outra.
Tampas de garrafas pregadas faziam
os comandos,
Acho que algumas tinham faróis e
pedaleiras.
Com certeza, eram todas muito bem
equipadas.
Quantas horas passávamos ali, ao
lado do tanque
Quantos milhares de quilômetros
percorremos?
Para onde íamos, com quem?
Chegávamos a algum lugar,
voltávamos?
Ou era só o preparo das máquinas que
nos encantava?
Ajudem-me!!! Alguém lembra?
E tinha o sótão da casa da tia Ni
Secreto laboratório de química, cada
um tinha sua mesa
Trabalhávamos horas a fio misturando
os mais estranhos ingredientes.
Os tubos de ensaio, pequenos frascos
de anestésicos
descartados por tio Albano, até hoje sinônimo de dentista.
Às vezes esperando que as mães
terminassem visitas
Surrupiávamos remédios velhos
A Domitila tinha câncer!!!
O remédio carregado lá para cima,
sei lá como e por quem
Era manipulado com um cuidado total.
Intrincadas fórmulas cuidadosamente
anotadas em cadernos individuais
Procurávamos alguma coisa especial?
Lembro que tentávamos obter
borbulhas e fumaça,
Ou era misturar por misturar, obter
novas cores e odores.
Quem lembra?
Fomos empreendedores também!
Provavelmente num ano de prosnóia
(Prosit Neue Jahr) curto ...
Aquele ano deu muito limão,
A fabricação de limonada foi a
solução.
Atuávamos em todas as frentes,
colheita, fabricação marketing e venda
A fabricação era no tanque de lavar
roupa, pobre da qualidade.
Mas todos compravam...
Quem brincou de pegar galinhas?
Invenções do Bindo, que nunca deixou
sua criança morrer.
Soltávamos as galinhas e saíamos
agarrando uma por uma.
Acabava a brincadeira com elas todas
presas
E nós cobertos de merda e lama dos
pés à cabeça!!!
Em alguns lugares gostávamos de ir,
A casa da Tata, tia, viúva, cabelo
grisalho,
Olhos azuis, ou eram verdes, muito bonitos.
A primeira casa da Dida, tinha
balanço e escorrega,
Tudo pintadinho de novo.
Outros eram chatos, cerimoniosos
Mal podíamos sair das salas, pura
tortura!
Um dia a vizinha procurou a Vó
Alzira...
Rodeio para lá, rodeio para cá e vem
a bomba.
Os meninos devem estar roubando
vinho de laranja!!!
A velha não tinha vinho de laranja
em casa...
Da investigação veio a verdade,
A turma estava simplesmente
Engarrafando mijo!!!
Furávamos abóboras do vizinho com ar
comprimido,
Pescávamos as pobres galinhas com
milho e barbante,
Guerra de cimento,
Corridas com pneus velhos do Formiguinha .
Depois da chuva represávamos a água
Em poderosas barragens de argila amarela
Até hoje posso sentir aquela textura
nas mãos!!!
Amostras de tapete na casa do seu
Augusto,
Banhos no Lageado,
Pescarias na Represa e na Barrinha,
O barulho do aço sendo trabalhado na
oficina
É só fechar os olhos e ouvir.
Sons, imagens, cores
A árvore de bolinhas
O poço e o pé de butiá
A varanda e as hortênsias
Campeonato de trepar em árvores
Ou arvre, no singular, mesmo que sejam muitas,
Como dizemos até hoje
Quando estamos distraídos
Finalmente veio a separação
Vínhamos morar no Rio
Já não lembro como aquilo bateu
quando estávamos lá
Da saída, lembro do velho cachorro
O Texerinha, grande caçador que
cresceu conosco
Calejado por tantos abandonos
rápidos
Viagens curtas a Curitiba
Farejou que aquela era a última e,
Ele que nunca foi disso, correu
atrás de carro.
A estradinha era sinuosa e
esburacada
Por mais que o pai acelerasse o
carro
Curva após curva, lá estava o cão
correndo
Cada vez mais devagar
Cada vez mais longe
Como num longo e triste
Adeus
No avião a carta da tia Ni
A mãe encharcou o jabô.
Onde será que anda aquela carta?
E o bafo quente do Rio de Janeiro
Começo de outra história
É isso aí moçada
A situação ficou difícil, tá ruim de
agüentar?
Monta no cabo de vassoura
Cavalga um pouco
Passeia de moto
Se nada der certo
Mija na garrafa!!!
Te cuida que o Tio Nito
Tá esperando lá em cima
Para saber
Quem é o primeiro...
José
Carlos Filizola
E-Mail:
jcfili@hotmail.com
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