terça-feira, 10 de março de 2015

CONTOS DO MUNIR 003/2015



CARÊNCIAS
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No tocante a relações humanas, de vez em quando também acontecem coisas surpreendentes no Leblon.
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Há uma hora, estava sentado com dois amigos do lado de fora do Armazém do Café. Uma loura, ainda jovem e bonita em pé, esperava um lugar, um dos companheiros a convidou para juntar-se a nós, ela aceitou prontamente. Vinha de uma sessão de análise nas proximidades. Creio que, ainda no embalo da consulta, resolveu continuar seu relato. Divorciada, chama-se Lane, seu ex-marido era gago e não tinha um pé. Ela o curou da gagueira, mas era muito implicante e ciumento.
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E prosseguiu:
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-Hoje estou me sentindo muito só, aliás, hoje não, todos os dias da minha vida. Tenho dois meninos que estão morando com o pai, preferiram ficar no Leblon, eu morava aqui, depois me separei e fui morar na Barra, nunca pensei que fosse tão longe. Agora são quase oito horas da noite, e vou ter que voltar, mas antes tenho que passar na farmácia Venâncio, ali na Dias Ferreira.
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Continuou alugando nossos ouvidos:
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-Lá no prédio onde eu moro, tem uma garota que se acha a mais tudo do mundo: mais sexy, mais bonita, que tem o corpo mais bem feito. Já vi celulite nas pernas dela, e o rapaz mais atraente do edifício vive querendo papo comigo e não dá bola para ela, que fica chateada comigo.
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E bem que sinto falta de um aconchego, eu dormia de conchinha com o meu ex, a gente fazia amor todas as noites, mas brigava todos os dias. A mãe dele era boazinha e pagava nossas passagens para a Europa.
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Não sei se vou me acostumar com alguém que tenha os dois pés, e sem disfarçar olhou por baixo da mesa como se estivesse conferindo.
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Senti a ponta do seu sapato tocando sutilmente no meu tornozelo, uma estranha sensação me invadiu: erótica, como se meu pé ali não estivesse.
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- Já é tarde, vou pra casa, a minha mulher calça trinta e sete, mas me ameaça com um tamanco quarenta e quatro. - disse um dos meus companheiros.
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O celular do outro tocou:
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-Tá, tá bem já estou indo.
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Fiquei sozinho com ela.
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-Você também não vai embora agora não, né? Bem que podia me acompanhar até a Venâncio?  Na verdade, eu nem gostaria de voltar para a Barra. Se eu pudesse, dormiria aqui mesmo no Leblon, e juntaria meu travesseiro com o de alguém.
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Ela, embora bonita, não induz firmeza.
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Exatamente nessa hora chega Nicole. Vestia blazer e saia pretos, uniforme de executiva, as meias, aquelas francesas da Claudia Leite e das dançarinas do Faustão para modelarem as pernas. Seu Chanel perfumou o ambiente. Nicole é loura de cabelos longos. Divorciada, tem um único filho de seu primeiro casamento, corpo facetado pela academia aparenta ser bem mais moça. Hoje é o amor possível.
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Eu a convido para sentar, ela faz festa no meu cachorro, não senta e entra no Armazém onde pede um mate, (depois eu soube que ficou nos olhando).
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Lá dentro vejo também outra moça, morena típica brasileira de cabelos curtos, poderia ser âncora de telejornal. Seu nome é Natasha, falaram que trabalha em uma editora, está usando uma espécie de camiseta leve de tom azul segura por duas alças finas deixando nus seus ombros, a blusa ressalta os seios pequenos e firmes. As calças compridas são cinza ajustadas em seu corpo elegante, as cadeiras um pouquinho a mais do ideal.  Não vi, mas com certeza tem aquelas covinhas nas costas na linha da cintura que são as marcas do garfo que Deus a tirou do forno. Ela seria um amor extremamente tangível. Toma um café e olha a tela de um laptop. Também usa Chanel e talvez seja sobre isso que conversa com Nicole.
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Insisto com Nicole, quando ela sai, para que se junte a mim e a Lane, ela não aceita, se desculpa, tem um jantar para ir.
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Lane me pergunta se não é perigoso ela ir até a drogaria sozinha. Digo que não. .
Volto para casa para dar comida ao cão.
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Nicole fica uma semana sem atender as minhas ligações.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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