quarta-feira, 13 de maio de 2015

CONTOS DO MUNIR 005/2015



OLHE AO SEU REDOR
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Vamos caminhar um pouco pelas ruas do Leblon, prestando atenção às pessoas que cruzam nosso caminho.
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Comecemos a caminhada, o homem não tem os dois braços, usa camiseta de manga curta para mostrar os cotós e agitá-los quando pede a sua esmola, impossível negar.
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Ali, bem em frente à Livraria Saraiva, está sentado o senhor com seu cigarro entre os poucos dentes, à sua frente o andador. Está lá todas as noites.
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Mais adiante, o neto de um grande compositor brasileiro, de andar cambaleante, dois passos para frente, um para o lado, outro para trás, a fazer malabarismo com um cigarro. Com a boca joga o cigarro aceso para o alto que gira duas vezes e volta aos seus lábios.
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Lá vai o rapaz, completamente cego, com sua bengala tateando o muro do antigo Colégio Saint Patrick. Quando mocinho ainda enxergava, depois a cegueira veio crescendo até a escuridão total.
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A moça com síndrome de Down, bonitinha recolhia os donativos na hora da missa na Igreja Santa Mônica, ainda faz isso, agora nem se passaram cinco anos, envelheceu, está de cabelos brancos e perdeu a doçura de seu rosto.
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Andemos um pouco mais, a negra desmazelada sentada como se fosse cliente no banco de madeira do Filé do Lira. Antes, vimos o rapaz de classe média, machucou a perna há alguns anos, a enfaixou, recebeu esmola tão boa, quando sentado na Praça Antero Quental confundido com um mendigo. Nunca mais tirou as bandagens. Faz ponto na Bartolomeu Mitre.
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Um flanelinha ali, com pena de um deficiente, ex-surfista ferroviário atropelado e mutilado por um trem, divide com ele suas tarefas.
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Um pouco mais e encontramos o Moacir, corcundinha de rabo de cavalo azul e rosa sentado no seu skate.
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Vemos o meu amigo na cadeira de rodas, não era para estar lá. Tinha um aneurisma, sentia-se bem, os médicos o assustaram ao dizer que poderia se romper e ele teria morte imediata. Fez a cirurgia, não deu certo, passou muitos dias em coma, conseguiu se recuperar, mas perdeu quase que totalmente a mobilidade das pernas. .
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Tem uma fazenda e muito afeto pela criação de seu gado. Depois de quase dois anos sem ir lá, alugou um carro com motorista e foi. No curral ele caminhou.
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Comprou um triciclo elétrico, sorridente vai à Ipanema.
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Outro amigo também está com aneurisma, diz que não opera, e vai levando. Está assim há mais de quatro anos.
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Mais dois outros da turma da Rio Lisboa operaram com sucesso.
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E reparamos no homem moreno de sunga, não importa se inverno ou verão, de bom físico, dá uma parada, gira a cabeça em um gesto brusco, depois o corpo, verifica se alguém o olha. Se sim, fala de forma grosseira, perguntando:
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-O que está olhando?
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Quase uma agressão.
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E assim vamos caminhando pelas ruas do Leblon.
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Vimos ainda mais algumas cadeiras de rodas, às vezes um monte delas em manhãs de sol.
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Embaixo das marquises mendigos dormem.
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Se formos ao Arpoador pela manhã, encontraremos o King, eternamente bêbado, que faz com sua trupe de pobres parte do visual local.
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Talvez vejamos o Marcello, emagreceu vinte quilos, para sentar tem que usar almofada, perdeu quase que totalmente a musculatura dos glúteos, está fazendo quimo. Não perdeu seu sorriso cativante.
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Finda a caminhada, pensamos o quanto somos abençoados.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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