Professor de Física
COM UM POUCO
DE TOM VERMELHO
Conheci
Leonilda no antigo Colégio Vera Cruz, talvez o único com piscina no Rio. Ficava
na Tijuca na Rua São Francisco Xavier, bem pertinho do Colégio Militar. De vez
em quando, saía um barraco entre seus alunos.
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Leonilda
era de uma turma abaixo da minha, namoramos todo o tempo de colegial, cabelos
castanhos, não era nenhum tipo de beleza, mas atraía pelo porte físico, tinha
mais de um metro e setenta, usava saltos altos, sua conversa, inteligente.
Acreditando
ser a mulher de meus sonhos, terminei casando com ela, tão logo nos formamos.
Ela em Administração, eu em Física.
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Sempre
detestei concursos, entrei para a Universidade por uma bolsa de estudos, era
bom aluno.
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Leonilda
passou em primeiro lugar na Receita Federal e logo promovida a Chefe de
Auditoria.
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Eu dava
aulas em vários colégios, tendo de correr de um para outro. Comprei uma moto,
me arriscando, como os entregadores de pizza, no trânsito do Rio.
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Minha
mulher, de automóvel, possuía vaga privativa no prédio onde trabalhava.
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Leonilda
era estéril, pensamos a princípio em adoção, um exemplo em família nos fez
desistir. Também não tínhamos nem cachorro, gato ou passarinho. Sempre tive
vontade de ter um filho, um gato ou um cachorro; passarinho, não; crueldade
prender na gaiola. Quando menino, eu tive uma cadelinha que me amava.
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Nas
férias, viajávamos para Paris, Nova York e toda a Europa. Cada viagem era uma
nova lua-de-mel.
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Nos
primeiros anos de nosso casamento nós fazíamos sexo às claras, depois eu mesmo
apagava as luzes.
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Leonilda
passou a usar de artifícios para apimentar a relação, creio que se matriculou
secretamente em algum curso especializado.
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Vestia-se
de menina de colégio, de odalisca, de babá, de garota de programa, de
marinheira e outras tantas fantasias usando máscaras pretas, lingeries
sensuais, meias arrastão, algemas e até chicotinhos.
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Sempre
calçando sapatos vermelhos Loubotin de saltos de cristal.
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Perfumava-se
com Chanel e me untava com cremes de sabores morango ou chocolate que depois
ela degustava.
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O tempo
inexorável, entretanto, fazia seu efeito, já estávamos completando quase trinta
anos de casados e os efeitos especiais viraram rotina.
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Eu
continuava na minha batida cansativa de professor, e nem mesmo a Física
Quântica, que passei a estudar, me animava.
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Para nos
curar da mesmice, tivemos a ideia de viajar pelo Brasil de carro. A primeira
parada seria São Paulo.
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Um novo
Shopping acabara de ser inaugurado. Só lojas de grife, fomos ver.
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Leonilda
encontrou uma vaga, no estacionamento quase lotado, no quinto andar a uns vinte
e cinco metros de altura. A vista maravilhosa para o Viaduto do Chá. O
automóvel, ao lado do nosso, saiu, liberando o espaço. A mureta reforçada de
uns oitenta centímetros defendia possíveis quedas de veículos.
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Minha
mulher ficou bem próxima ao murinho, no espaço da vaga liberada. Sua altura
acrescida pelos sapatos ultrapassava de muito a proteção construída.
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A
imaginação do professor de Física se pôs a trabalhar, calculei que, na posição
em que se encontrava um pequeno desequilíbrio formaria uma alavanca que a
precipitaria no espaço. Percebi também que estava no ponto cego do retrovisor.
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Ela
deslumbrada com o visual, não percebeu o Mercedes, que de ré estacionava.
Mercedes são carros muito silenciosos.
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Li uma vez
que o Presidente da Mercedes Benz ouviu do Diretor da fábrica, que o único
ruído que se escutava era o tic-tac do relógio, no que ele retrucou: tira o
relógio.
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Leonilda
caiu no piso do Shopping, estatelando-se a uma velocidade destrutiva. Teve, é
claro, morte imediata.
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Na hora
fiz o meu papel de marido desesperado.
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Era casado
com Leonilda em comunhão de bens. Passei a receber a pensão de Auditor.
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Afinal,
professor no Brasil ganha pouco.
Né?
Autor: Munir
Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
Este professor é bem calculista e cruel, né? Gostei do conto!
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