terça-feira, 26 de janeiro de 2016

CONTOS DO MUNIR 002/2016-O TEMPO


O TEMPO

A jovem senhora olhava aturdida para a porta corrediça preta da livraria. Nela afixado um cartaz branco com a palavra “ALUGO” e um telefone celular.
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Era um sábado, cinco horas da tarde de um verão muito quente.
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O local era um ponto de encontro com seu namorado que conhecera lá.  .
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Acertaram que ambos, aos sábados, estariam àquela hora, em frente à Saraiva na Ataulfo de Paiva caso as comunicações falhassem, o que vinha acontecendo sistematicamente no Leblon. O Metrô, em construção, cortava as linhas de telefone e a Internet.
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Na Livraria, há mais de quatro anos, se olharam pela primeira vez. Ele, lendo um livro, interrompeu a leitura ao vê-la chegar, seus olhos se encontraram, o tempo parou, ele desviou a cabeça ao perceber que ela estava acompanhada por um rapaz jovem. Ela percebeu e propositadamente disse:
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- Filho senta aqui que a mãe vai pedir um café.
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O desenrolar do romance foi natural.
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Naquele sábado o namorado não apareceu, e também não se comunicaram mais. Parecia que nunca haviam estados juntos. Não mais se viram.
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A moça do cachorrinho pintava os cabelos de preto, tinha os quadris largos, mas ainda assim tinha charme, ia sempre ao café, o peludinho quieto ao seu lado.
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Morava lá pelos lados do Alto Leblon.
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Um companheiro nosso da mesa onde nos sentávamos à tardinha no Armazém do Café, sabia da sua história: um dia o marido saiu de casa e a deixou só com o bichinho, a partir de então só tinha olhos para ele, não namorava e nem flertava com ninguém, talvez com a esperança da volta de seu companheiro.
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Ela passou a vir só, um mês, dois meses, até que apareceu com um filhote de Yorkshire.
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Os cabelos da moça continuavam pretos, os quadris mais largos e estava usando óculos.
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Era mais bonita com o cachorrinho velho.  
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Pedro tinha três anos, o avô o colocava na cadeirinha trazeira da bicicleta e o levava até ao Arpoador, naquele tempo não se usava capacete, as laranjinhas ainda não existiam, a frequência de ciclistas era baixa, as colisões e atropelamentos, raros. 
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O menino ia de short e camiseta. Na praia se despia e mergulhava nu, para depois voltar na bicicleta com a roupa seca. Sua memória talvez registrasse a época em que, operado do coração aos sete meses e abriu o peito, passou muito tempo envolvido com ataduras e gazes. Odeia ter algo molhado sobre ele.
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Subindo nas pedras ao sentar-se na parte mais alta exclamava:
-Eu sou o rei do mundo.
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Fomos ao cinema ver o Rei Leão. Ao ouvi-lo rugir: “Eu sou o rei do mundo” no alto de um monte, virou-se para mim e disse:
-Vô, eu já falei isso.
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A Tutsi Bertrand andava sumida do Leblon. O avô de Pedro a encontrou.
-Tutsi onde andava você?
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E ela:
-Estava em Boston, o meu neto foi operado para fechar um buraquinho que tinha no coração.
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-Que idade ele tem?
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-Sete anos.
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Disse a ela que parecia assustada:
- O meu foi com sete meses. Esquia, faz alpinismo. Amanhã ele recebe o diploma de Engenheiro de Produção. É um rapaz bonito.
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Ela abriu um sorriso de esperança.

Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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