O TEMPO
A jovem
senhora olhava aturdida para a porta corrediça preta da livraria. Nela afixado
um cartaz branco com a palavra “ALUGO” e um telefone celular.
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Era um
sábado, cinco horas da tarde de um verão muito quente.
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O local era um
ponto de encontro com seu namorado que conhecera lá. .
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Acertaram que ambos,
aos sábados, estariam àquela hora, em frente à Saraiva na Ataulfo de Paiva caso
as comunicações falhassem, o que vinha acontecendo sistematicamente no Leblon.
O Metrô, em construção, cortava as linhas de telefone e a Internet.
.
Na
Livraria, há mais de quatro anos, se olharam pela primeira vez. Ele, lendo um
livro, interrompeu a leitura ao vê-la chegar, seus olhos se encontraram, o tempo
parou, ele desviou a cabeça ao perceber que ela estava acompanhada por um rapaz
jovem. Ela percebeu e propositadamente disse:
.
- Filho
senta aqui que a mãe vai pedir um café.
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O
desenrolar do romance foi natural.
.
Naquele
sábado o namorado não apareceu, e também não se comunicaram mais. Parecia que
nunca haviam estados juntos. Não mais se viram.
*****
A moça do
cachorrinho pintava os cabelos de preto, tinha os quadris largos, mas ainda
assim tinha charme, ia sempre ao café, o peludinho quieto ao seu lado.
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Morava
lá pelos lados do Alto Leblon.
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Um companheiro
nosso da mesa onde nos sentávamos à tardinha no Armazém do Café, sabia da sua
história: um dia o marido saiu de casa e a deixou só com o bichinho, a partir
de então só tinha olhos para ele, não namorava e nem flertava com ninguém,
talvez com a esperança da volta de seu companheiro.
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Ela passou
a vir só, um mês, dois meses, até que apareceu com um filhote de Yorkshire.
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Os cabelos
da moça continuavam pretos, os quadris mais largos e estava usando óculos.
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Era mais
bonita com o cachorrinho velho.
*****
Pedro
tinha três anos, o avô o colocava na cadeirinha trazeira da bicicleta e o
levava até ao Arpoador, naquele tempo não se usava capacete, as laranjinhas
ainda não existiam, a frequência de ciclistas era baixa, as colisões e
atropelamentos, raros.
.
O menino ia de short e camiseta. Na praia se despia e
mergulhava nu, para depois voltar na bicicleta com a roupa seca. Sua memória
talvez registrasse a época em que, operado do coração aos sete meses e abriu o
peito, passou muito tempo envolvido com ataduras e gazes. Odeia ter algo
molhado sobre ele.
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Subindo
nas pedras ao sentar-se na parte mais alta exclamava:
-Eu sou o
rei do mundo.
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Fomos ao
cinema ver o Rei Leão. Ao ouvi-lo rugir: “Eu sou o rei do mundo” no alto de um
monte, virou-se para mim e disse:
-Vô, eu já
falei isso.
.
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A Tutsi
Bertrand andava sumida do Leblon. O avô de Pedro a encontrou.
-Tutsi onde
andava você?
.
E ela:
-Estava em
Boston, o meu neto foi operado para fechar um buraquinho que tinha no coração.
.
-Que idade
ele tem?
.
-Sete
anos.
.
Disse a
ela que parecia assustada:
- O meu
foi com sete meses. Esquia, faz alpinismo. Amanhã ele recebe o diploma de
Engenheiro de Produção. É um rapaz bonito.
.
Ela abriu
um sorriso de esperança.
Autor: Munir
Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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