quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

CONTOS DO MUNIR - 27





Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com
DELEGACIA DE POLÍCIA II
Era a segunda vez que eu marcava presença na 39ª Delegacia. Já era quase de noitinha. Lembrei-me de que lá tinha ido, há alguns anos, a pedido do Zezinho, porteiro do prédio onde eu morava, para soltar o seu tio que fora preso por estar sem documentos.
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Mas, dessa vez, a história era diferente. Ela se inicia na manhã desse mesmo dia.
Saí de casa para ir ao condomínio onde mora o meu filho, de onde sou o nobre e sacrificado síndico; são cinqüenta e dois apartamentos e cinqüenta e duas divergências: a cor das grades, as flores do jardim, as vagas de garagem, o uniforme dos porteiros, a forma das lâmpadas, a decoração da portaria, dos elevadores e outras coisas mais.
Existe um livro vermelho na portaria, na verdade, já é o segundo, onde os condôminos registram as queixas graves: infiltrações, cachorros soltos, marretadas de obras, tamancos barulhentos, arranhões em carros ( foi na garagem do prédio- “sic” ) e mais algumas de que já nem lembro.

A primeira coisa que faço é ver o livro vermelho. Nem vi; o porteiro-chefe me olhou meio assustado. Disse-me para ligar urgente para casa, minha mulher havia telefonado, preocupada, querendo saber se eu havia sofrido algum acidente. Na verdade, a única ocorrência desagradável de que eu me lembrava era de ter pisado em um cocô de cachorro e dito o sinônimo em voz alta. Liguei e perguntei se ela agora era paranormal. Explicou-me, haviam ligado do banco, indagando se eu estava realmente em uma clínica de acidentados.

Fui direto ao banco.
Agora foi a vez de uma das atendentes dos guichês, Luiza, antiga conhecida, me olhar espantada. Contou-me: dois homens a procuraram, um jovem que trazia nas mãos um folheto de uma clínica de traumatologia ali de perto, o outro, um senhor de cabelos brancos, aparência respeitável. O moço dissera que, impossibilitado de me locomover, eu lhe havia pedido que fosse buscar um novo bloco de cheques. Ele exibira a carteira de identidade, apresentara-se como mensageiro e mostrara também um papel escrito à máquina com a minha assinatura, solicitando que lhe fosse entregue o talão. Dizia mais: quinta-feira foi dia de lavar roupa na minha casa e eu havia esquecido a requisição do talão no bolso de uma calça e a máquina a tinha destruído. Daí a razão da folha datilografada. O velho ficou atrás observando.


Luiza, desconfiada, achando que eu tivesse sido vítima de um seqüestro relâmpago, pediu ao rapaz que voltasse mais tarde por não ter o talonário pronto. Comunicou o fato à Segurança e ligou para minha casa.


Acreditando que o acontecimento terminaria aí, fui ao clube almoçar com companheiros de turma. Depois do almoço, aquele sono de aposentado em frente à televisão em uma poltrona confortável. Já nem pensava no caso, quando a telefonista do clube me localiza, dizendo:
- sua esposa está a sua procura.

Achei que ela, talvez, quisesse alguma coisa da cidade. Não era. Estavam solicitando minha presença na 39ª.

Lá fui eu para a delegacia. Não era mais dia. Não sabia o que queriam comigo. O pessoal da delegacia estava com a cara séria e cheguei a pensar se não teria sido melhor ter ido lá acompanhado por um advogado. Mostrei minha identidade de oficial e o escrivão informou que haviam prendido o rapaz do talão de cheques. Entregou-me o papel datilografado onde se lia: “Eu. (meu nome completo, que não é fácil), autorizo o senhor fulano de tal (nome do mensageiro) carteira profissional n° tal a receber um novo talão de cheques, por me encontrar impossibilitado de me locomover”. Constava no papel o número da conta, do meu CPF, de minha identidade, meu endereço e estava assinado por mim. O escrivão perguntou-me se a assinatura era minha, tal a semelhança.

O escrivão chamou o mensageiro, um rapaz magrinho, baixo, de bermudas, a barba por fazer e, como nunca tinha me visto e nem eu a ele não me identificou, tirando qualquer dúvida do escrivão, que começou a contar como foi a história da prisão do rapaz: ele havia retornado à agência para buscar os cheques, foi identificado e solicitado a acompanhar dois policiais que estavam à paisana.

Os policiais o intimaram a dizer onde estava o outro. Seguiram para uma pracinha ali perto, os policiais, mais atrás. Quando se encontraram, foram ambos convidados a comparecer à agência do banco. O mais velho mostrou uma carteira da OAB, dizendo-se advogado; os policiais, experientes, pediram que ele então os ajudasse.

Ao chegar ao banco, o senhor, ao ver a moça do guichê (Luiza), iniciou um comportamento insólito: fazia caretas e trejeitos, parecendo estar tendo um ataque e como usava dentadura a colocava metade para fora. Isso confundiu a moça que disse não ter certeza se era a mesma pessoa que havia visto pela manhã.

A essa altura interrompi o relato do escrivão e perguntei onde estava o outro. Ele me disse, apontando para a calçada:
- está ali!

Olhei e não vi, perguntei novamente: onde? Ele tornou a dizer, apontando para o mesmo local:
- ali! Ali ao lado daquela moça chorando, sentada no meio-fio, ali naquele saco preto, ele morreu!

O escrivão continuou a história. Os policiais convidaram o senhor a ir até a delegacia. Ele, ao entrar no carro da polícia, ingerira uma grande quantidade de pílulas. Chegara morto. A moça era sua filha. Moravam na mesma rua do prédio onde sou o síndico e que fica em frente a 39ª.
O velho era mesmo advogado...

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