sexta-feira, 21 de maio de 2010

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG

José Roberto 3.2

Meu nome é José Roberto da Silva 3.2. É isso mesmo que vocês estão percebendo. Sou o segundo filho natural, do terceiro clone de José Roberto da Silva 0.0, o fundador da dinastia. Nós o chamamos de Zero Beto! Ainda está vivo com seus 125 aninhos. Moramos todos no Recife. Em Pernambuco, dirão vocês, mas não sejam precipitados, pois erraram e por milhões de quilômetros. Essa Recife fica em Marte!
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Nasci em fevereiro de 2084 nessa cidade mesmo que é uma das várias que são controladas pelos Países Unidos, ou em inglês UC ( Iússi). Aqui em Marte somos todos Iússis além de obviamente marcianos. Na Terra o UC ainda não controla todo o planeta, mas está caminhando para isso com cada vez mais novos paises membros. O Brasil foi um dos primeiros participantes após polêmicas que se arrastaram por dezenas de anos. Mas finalmente em 2060 os UC foram finalmente fundados e os resultados são espetaculares.
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Não há mais guerras entre os membros e mesmo fora da UC não há mais rivalidades e sim o anseio em fazer parte da União. Porém é muito difícil, pois para entrar para a União é necessário abdicar de muitos preceitos, principalmente políticos e religiosos, pois a UC é completamente laica. Além disso, o custo de se importar algo da Terra é proibitivo. Cada um que chega só pode ter cinco kg. de bagagem. Portanto o que não é produzido em Marte é como se não existisse. É mais um motivo para que se cortasse tudo o que é supérfluo. Templos, estátuas de santos ou deuses são considerados como tal e proibidos. Nem feitos em Marte. Rezar só em casa. Todos têm de obedecer a regras econômicas e democráticas muito complexas, serem totalmente tolerantes e adotar o Inglês como a língua oficial. Quem não se adapta é gentilmente convidado a voltar para a Terra.
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Judeus ortodoxos, como exemplo, tiveram muitas dificuldades para vir, sem abdicar de sua religião, pois ela é impossível de ser praticada pela ausência de templos, de alimentos Kasher, que aqui pela nossa política laica são proibidos. Fabricar produtos Kasher em Marte? Para isso precisaríamos de um rabino, o que seria impossível. Outro problema é o da impossibilidade de se respeitar o sábado, pois os nossos não coincidem com os da Terra. Esse último problema foi até resolvido pelos judeus moderados, que adotaram o horário de Jerusalém, para tanto. Mas os ortodoxos não aceitaram esses problemas e não virão jamais a Marte.
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Os muçulmanos ortodoxos também teriam dificuldades em se enquadrar, pois são muito religiosos e seria impossível rezarem voltados para Meca. A comida Halal também sofre o mesmo problema da Kasher. Entretanto membros moderados do Islam já fazem parte, como os que vêm do Afeganistão, do Iraque, da Turquia, do Kuwait e da Indonésia, todos eles países democráticos e tolerantes. Eles criaram uma Meca Virtual e rezam em suas casas, voltados para lá.
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Nosso ano tem 687 dias, que dividimos em 98 semanas de sete dias. Usamos pelo habito trazido da Terra, quatro estações e 12 meses com os mesmo nomes dos da Terra, só que dez deles têm 56 dias ou 8 semanas e dois deles, junho e dezembro têm 63 dias e nove semanas. Nessas contas sobra um dia, sem numero, que cai sempre após o ultimo dia do ano, que dedicamos ao Réveillon e à confraternização universal. Nele jogamos todos os erros de relógio e assim às vezes esse dia tem alguns minutos a mais ou a menos que os dias normais. Com isso os anos são sempre iguais. O dia primeiro de janeiro é sempre segunda feira e o dia 63 de dezembro, um domingo. A duração do dia é bem próxima da terrestre e o dividimos em 24 horas. Para isso usamos relógios especialmente adaptados para os marcianos, pois o tamanho das horas, dos minutos e segundos é 2,7% maior que o da Terra.
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Vocês preconceituosos devem estar curiosos em saber o que um descendente de nordestinos brasileiros está fazendo aqui. Ora que coisa! Isto sempre me ofende e muito! Para começar é muito fácil para nós rezar para o nosso Santo Padim Ciço, que não tem tantas regras. Mas leiam a historia toda e compreenderão:
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Logo que o Brasil entrou para a UC, houve um progresso econômico gigantesco. Passamos a ter liberdade total de movimentação entre todos os paises membros. Acabaram os passaportes e a moeda passou a ser uma só, que se chamou Credit. É uma palavra que é reconhecida no mundo inteiro, com o mesmo significado e com poucas variações de pronuncia. Foi um nome usado por vários autores de SF. No Brasil é Crédito. Tivemos o prazer de ver que o símbolo Cr$, que já foi nosso velho conhecido foi adotado em todo o planeta. A palavra dólar, que trazia conotações imperialistas e foi repudiada por todos com uma só exceção, que vocês podem imaginar de quem. O fato do Inglês ter sido oficializado, contribuiu para a decisão pois seria excessivo duas concessões para os Imperialistas.
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Quem não estava satisfeito em receber um salário muito baixo, emigrava sem nenhum problema. Em poucos anos os empresários no Brasil e em outros lugares não tiveram outro jeito. Ou aumentavam os salários ou ficariam sem empregados. Hoje a renda per capita é quase igual em todos os membros da União por capilaridade, que é a palavra da moda.
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O dinheiro passou a circular e passamos a ter sobra de capital. Os problemas básicos estavam resolvidos a não ser um:
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O crescimento da população mundial, embora baixo dava a certeza aos cientistas de que em algumas centenas de anos a Terra não teria espaço suficiente. Uma das soluções que surgiram foi a de colonizar Marte. Nos últimos anos, foram aperfeiçoados meios de transporte muito eficientes na Terra e também para viagens ao espaço. Porém essa ideia foi abandonada por ser inviável ao menos nos próximos 50 anos. Precisaríamos de naves absolutamente gigantescas para a “fuga”. A Terra teria de achar nesse período um meio de controlar a sua população por seus próprios meios. Marte não seria por enquanto um escape populacional e sim seria um local voltado a pesquisas e a fabricação de produtos muito especiais que devido a gravidade mais baixa de Marte e a particularidades do nosso clima seria mais vantajoso e barato de se fazer aqui.
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Uma das facilidades foi a construção no topo de uma das montanhas da Guatemala de um gigantesco espaçoporto. Esse País até então quase desconhecido, bem perto da linha do Equador ficou importante após cientistas encontrarem meios de controlar seus vários vulcões. Lançar foguetes de lá ficou muito mais barato do que de qualquer outro local.
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O passo seguinte foi comprovar a existência de água em abundancia em Marte. Ai foi uma corrida no mundo para escolher os primeiros que iriam povoar o planeta vermelho. Tinham de ser escolhidas as pessoas mais duras e capazes de trabalhar pesado. Outros eram escolhidos por ter um grande conhecimento científico. Através de uma espécie de vestibular, o José Roberto da Silva, o nosso patriarca foi um das centenas de brasileiros escolhidos, que aqui aterrissaram ou amartissaram, como nós os Iussis dizemos. Grande parte dos vencedores brasileiros era de nordestinos. Isso nada teve de estranho, pois eram pessoas que tradicionalmente eram muito adaptáveis a qualquer ambiente. O Nordestino é antes de tudo um forte.
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O fator mais importante que possibilitou a qualidade de vida atual em Marte foi o de que muitos desses primeiros habitantes se sacrificaram para criarem num ambiente extremamente hostil, através de plantas especialmente adaptadas, o clima e atmosfera mínima necessária para suportar a vinda dos demais. No começo os nossos heróis tinham de usar trajes espaciais. Essa fase levou cerca de 20 anos. Nosso Zero Beto sobreviveu e graças a isso esse seu amigo escreve esse relato.
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O ambiente hoje aqui em Marte é muito bom para prolongar a vida, mas à custa de muita atividade. A gravidade é bem mais baixa que a da Terra e isso nos faz ter muito mais facilidade para caminhar, erguer pesos. Ela é apenas o suficiente para manter os ossos fortes, mas só através de muita ginástica que é obrigatória para os que têm atividade sedentária. Quem não a praticasse, e já houve alguns loucos rebeldes, em poucos anos teria tantos ossos fraturados que morreria.
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Aliás, fazer ginástica aqui é uma delicia, pois pesamos um terço do que pesaríamos na Terra. Qualquer um de nós é capaz de dar saltos que na Terra seriam considerados mortais. Aqui são tão fáceis de dar, que ninguém se impressiona. Eu moro no segundo andar de um edifício e quando quero sair, nem me preocupo em usar as escadas; pulo a janela e chego com rapidez ao térreo, sete metros abaixo.
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Houve um controle total no transporte dos colonos e com isso não há doenças nem muitos insetos. Estes foram os mais fáceis de ser eliminados no principio. Os poucos que sobreviveram nas naves foram eliminados de uma maneira muito simples. Bastava que os passageiros das naves vestissem seus trajes espaciais e abriam-se as comportas da nave. O quase vácuo era suficiente para fazer a mágica. Eles ferviam e morriam em minutos. Hoje não é mais tão fácil, pois aos poucos está sendo criada uma atmosfera, que já está equivalente a que existe no alto do Everest. Cada nave que chega hoje em dia tem de ser desinsetizada quimicamente.
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Não há mais necessidade de trajes pesados, pelo menos para nós que já estamos adaptados. Uma simples máscara concentradora de oxigênio e grandes chapéus para nos protegermos do sol, bastam para sairmos de casa. O sol é mais distante, porém a atmosfera é muito mais rala e assim os raios ultravioletas são tão perigosos quanto na Terra. A UC nos promete que em apenas cinquenta anos, teremos uma atmosfera igual a dos Países andinos e ai as máscaras, muito incomodas e os chapelões, serão coisa do passado. Teremos a possibilidade de ver passarinhos voando ao ar livre, coisa que só conheço de filmes. Os poucos que temos ficam dentro de ambientes fechados e muitos não voam, pois a atmosfera é muito tênue e não suporta a sustentação dos maiores. O mesmo acontece com aviões e helicópteros, que só serão possíveis em vinte anos.
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Tudo o que é uma vantagem por um lado, nos cria dificuldades do outro. A facilidade que temos com a gravidade baixa, provocou o aparecimento de espertinhos que invadiam apartamentos para roubar. Ao quebrar as janelas para isso, matavam todos os moradores que estivessem sem mascaras, pois o ar escapava instantaneamente, expondo os moradores ao ar rarefeito. Surgiu então a necessidade de criar equipamentos sofisticados para impedir os criminosos.
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Eu criei a solução que foi adotada por todos e com isso fiquei rico. É simples, embora cruel; Um sensor permite movimentos de queda, como os meus, quando pulo pela janela e os aceita, mas filma e dispara raios laser quando capta pulos ou movimentos em sentido contrário, provocando sérios ferimentos nos espertinhos, mas sem mortes. No dia seguinte ao fato, todo cidadão que for apanhado com ferimentos típicos de laser são presos. Confrontados com as filmagens, são processados e despachados de volta a Terra. Em pouco tempo o problema acabou, até que...:
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Gente! A imaginação corre solta quando a intenção é burlar a lei. Um criminoso criou uma roupa à prova dos raios laser e conseguiu burlar o nosso equipamento, roubando um dos apartamentos e de novo assassinando os moradores. Na filmagem ele aparecia mascarado. A polícia levou muito tempo para pegar o safado, mas ele cometeu um erro que possibilitou a sua prisão: O tecido que poderia resistir ao laser só existia à venda em um único lugar em Marte e aí foi fácil saber quem o comprou. Esse foi executado! Minha empresa foi acionada para dar uma solução definitiva: Ao equipamento laser foi adicionado um alarme que chama automaticamente a policia. Além disso, o dinheiro agora é todo virtual e as trocas ou vendas são registradas, tornando o dinheiro roubado inútil. Todos criaram em seus apartamentos um quarto do pânico onde dormimos. Os objetos valiosos de todo mundo agora terão chips com GPS e serão registrados por quem quiser. Resolvemos definitivamente o problema! Até quando? Quem sabe? Cada terra com seus problemas@
Autor:José Frajtag
E-Mail:
josefrajtag@ymail.com

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