quarta-feira, 5 de maio de 2010

CONTOS DO MUNIR 38 - SEU NAGIB

SAARA
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A PAZ É POSSÍVEL
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SEU NAGIB
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Era uma vez um menino chamado Nagib, tinha treze anos quando seus pais, preocupados com as perseguições religiosas a católicos no Líbano, resolveram embarcá-lo em um navio com destino à América.
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O Império Turco-Otomano começava a desaparecer, era o ano de 1913, os muçulmanos e cristãos viviam em conflito. A idade de convocação era de catorze anos.
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Com dificuldade seu pai conseguiu um passaporte assinado pelo Sultão Turco Mehmet V, ainda ostentava a insígnia do Império Otomano.

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O garoto Nagib aparentava, por sua robustez, idade bem superior; era de tez morena, quase parda, cabelos lisos e negros como seus olhos. Um árabe típico.
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A passagem de terceira classe tinha sido paga, mas o rancho não, por isso o menino foi engajado como tripulante e trabalhava em serviços de faxina.
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Nagib já entendia o francês, aprendera no colégio. Na viagem travou amizade com uns meninos judeus refugiados da Rússia e que seguiam o mesmo rumo. Devido à facilidade que tinha com idiomas, assimilou muito do que diziam em russo.
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O porto de destino era Nova Iorque, lá um tio o aguardava. Iria continuar seus estudos, junto com seus primos, em uma escola pública no subúrbio.

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Um surto de tracoma a bordo fez com que as autoridades americanas proibissem não só o desembarque, como o navio de atracar.
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O navio seguiu viagem para o Rio de Janeiro, a vigilância sanitária brasileira, mais tolerante, permitiu a saída para terra de todos que desejassem.
Nagib sabia que morava no Rio, em uma república no Campo de Santana, um irmão mais velho por parte de pai, sabia também que a Rua da Alfândega concentrava um número razoável de libaneses.
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Encontrou o irmão que lhe deu guarida, mas alertou-o que ele teria que sobreviver com os próprios ganhos.
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Mascate não poderia ser; demandava capital para comprar a mala, as linhas, os tecidos, agulhas e outros materiais.
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Iria ajudá-lo. Ainda possuía o cesto de vime desde quando começara sua vida no Brasil vendendo frutas, sugeria que Nagib fizesse o mesmo.
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Com um quitandeiro patrício propôs vender laranjas e ficar com a menor parte do lucro
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Colocou o cesto na cabeça, mas antes lavou as frutas e passou flanela tornando-as reluzentes. Foi a pé para o bairro de Santa Tereza, onde seu irmão transitava como mascate.
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Não provara as laranjas, caras em sua terra de origem. Vendeu todas.
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Com o produto da venda comprou mais laranjas. Deu-se ao luxo de comer uma, achou deliciosa.
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Repetiu o ritual de torná-las mais atraentes e novamente teve sucesso na venda.
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Algum tempo depois já tinha capital para ser mascate. Comprou um terno usado no brechó e combinando com o irmão foram para Santa Tereza. Venderia nas ruas de subida, a numeração só de um lado, condição estabelecida na sociedade que se iniciava com o mano.
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Assim trabalharam em harmonia por muito tempo. Economizaram e abriram uma portinha de um minúsculo armarinho ali mesmo na Praça da República. Era o único armarinho que vendia laranjas, desta vez, situação imposta por Nagib.
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O sonho de vencer era muito forte na dupla, alguns anos mais tarde legalizaram a sociedade cujo logo era um globo terrestre, uma águia de asas abertas no topo, tendo em suas garras uma balança de pratos. A águia de ouro no topo do Teatro Municipal do Rio de Janeiro talvez tenha sido a inspiração.
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Nesse tempo já haviam alugado uma loja na Rua da Alfândega para venda de tecidos por atacado aos armarinhos da Tijuca e de outros bairros.
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Haviam se mudado para Ipanema, à época um areal. Moravam em uma casa grande no centro de um terreno de aproximadamente mil metros quadrados na proximidade da praia.
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Nagib, como vendedor externo, conheceu na Tijuca a mocinha clara de olhos quase verdes cabelos castanhos tendendo ao louro, filha de um dono de armarinho cliente da loja.
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As idas a Rua Hadock Lobo onde ficava o armarinho eram freqüentes.
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O sonho de Nagib, agora também do irmão era ter uma terra onde plantassem laranjas.
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Haviam adquirido a área em Ipanema onde moravam, terreno arenoso, não servia para plantio.
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O anúncio de um milhão de metros quadrados à venda em Campo Grande, subúrbio do Rio ao preço convidativo equivalente a troca pelo de Ipanema os seduziu.
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O local era acessível por trem, aproximadamente o mesmo tempo que levavam de Ipanema a loja.
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Ajudados pela tradição genética de plantadores de oliveiras, iniciaram o cultivo dos laranjais. Breve estariam vendendo no Rio e exportando para o mercado sul-americano.
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Nagib casou-se com a menina da Tijuca e para lá se mudou.
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Pagava um aluguel; inalterado por mais de vinte anos permitiu que economizasse e mais tarde viesse a comprar na mesma rua uma casa de dois andares.
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A sociedade com o irmão chegava ao fim. O irmão mais velho ficou com a antiga loja e deu em dinheiro a parte de Nagib. O terreno de Campo Grande repartido.
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O libanês, a princípio chamado de turco por causa de seu passaporte, alugou e depois comprou um prédio comercial na Rua Senhor dos Passos, parte do Saara, como ficou conhecida a área onde árabes e judeus conviviam e ainda convivem em fraternidade consagrando uma Paz possível e futura no Oriente Médio.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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