segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

CONTOS DO MUNIR - 57

REDE SOCIAL
Mario ficou fascinado ao ver o rosto da moça no site “ENCONTRE”. Mas vinha acompanhado de um aviso: para ver mais fotos envie pelo menos cinco suas.
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Não hesitou, escolheu as do verão passado: surfando no Arpoador, esquiando em Angra, saltando do trampolim na piscina do Clube, correndo a Maratona nas primeiras posições, voando de asa-delta e fazendo pose de atleta.
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Voltou à internet para ver se Luiza, era esse seu nome, havia cumprido o prometido.
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A moça era realmente linda, as fotos, com datas, eram bem recentes. Já tinham sido acessadas por mais de cem usuários, que também enviavam apreciações. Scaneou e enviou o seu diploma de engenheiro eletrônico formado em Harvard.
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Começou a ler os comentários, muitos em formatos padronizados, copiados do Manual de Conquistas pela Internet. Luiza respondia todos de forma particular, sem nenhum comprometimento, revelando uma inteligência criativa, talvez até tivesse uma secretária que fizesse esse trabalho, pois calculou, em aproximadamente oito horas, o tempo gasto no computador.
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Mario tentou fugir dos padrões e escreveu em árabe e latim, sem utilizar o “traductor” do Google.
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O texto em árabe era um verso de Gibran:
أنا غريبة عن جسدي. في كل مرة ننظر في المرآة، لا أرى شيئا على وجهي أن نفسي لا ليشعي،
،في عيني وأنا أرى شيئا لا تعترف أعماقي.
أنا الغريب، وهناك في العالم الذين يعرفون كلمة واحدة من لغة نفسي...
Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...
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Em latim, da Divina Comédia:
Grant in medio itinere: Me in tenebris Jungle,
amissa rectam viam
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Da nossa vida, em meio da jornada,
achei-me numa selva tenebrosa,
tendo perdido a verdadeira estrada.
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Sua resposta veio em um dialeto mandarim. Mario sentiu-se desafiado, teve que procurar o Chang, colega da Universidade, para a tradução.
Texto de Luiza traduzido por Chang após alertá-lo para que tomasse cuidado: não sabia onde estava pisando...
"Caro Mario,
A princípio, pensei ser você um artista do Cirque du Soleil ou dublê de Hollywood. Creio que você é apenas pretensioso, provavelmente incapaz de produzir versos originais. Entretanto, mexeram comigo. Se o seu diploma é verdadeiro, talvez possamos continuar nossa conversa
."
Um diploma do MIT também em mandarim a nomeava como Ph.D em linguística.
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Resposta de Mario:
"Luiza,
Não era minha intenção exibir-me, na verdade quis refletir minimamente a beleza do ser humano, tão bem mostrada em você.
O meu diploma talvez seja, agora, a única realidade de tudo que enviei para você e, hoje, eu seria capaz de criar um algoritmo para tentar, mais do que nunca, compreendê-la.
Não se assuste com a foto que envio, é de um mês atrás. Acredito e tenho grande esperança que vou poder abandonar essas muletas depois da micro-cirurgia a que irei me submeter em Houston na próxima semana
."
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Luiza afastou do computador a cadeira de rodas a que estava presa desde a bala perdida alojada em sua coluna, acionou a web câmera e enviou para Mario:
"Vejo você em Houston."
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A história poderia terminar aqui, e deixar ao leitor imaginar o desfecho...
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Luiza encontrou-se com Mario em Houston. Ambos foram operados com sucesso e sem sequelas pelo mesmo cirurgião, Dr.Rawda Ebdoeceick.
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Vivem agora em Ipanema, são eternamente gratos a Deus, a Mark Zuckerberg e ao Dr.Rawda.
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Luiza recebe até hoje, sem tomar conhecimento, fotos no Site “ENCONTRE”.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

3 comentários:

  1. Muito bom, vô, parabéns! Adorei! beijos,
    Bibi.

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  2. CREIO QUE É UM BOM CONTO, TAMBÉM COM DANTE E GIBRAN NÃO É VANTAGEM
    alzumunir@gmail.com

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  3. Munir,belo conto!Alias ,todos são muito bons.A cada conto ,voce se supera.Parabens.Aguardo ansiosamente o próximo.Abraço, Lavínia.

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