segunda-feira, 11 de junho de 2012

CONTOS DO MUNIR 88


VIAJANDO NO TEMPO
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Descendo as pedras do Arpoador, vinha o Professor, como eu e o Fernando o chamávamos.
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O Professor, que chegara cedinho para pescar, voltava, caniço a tiracolo, um embornal embrulhando peixe,barba longa, espessa e branca, calça jeans, colete bege, sandálias de couro, óculos de aro de metal.
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Eu estava sentado à mesa em um dos banquinhos de cimento conversando com Marcelo. Pedro viajara para Maricá, pela manhã telefonei para a casa dele, uma voz feminina atendeu, disse não saber se ele estava ou não. O Bebeto, em Buenos Aires, dava noticias por email.O Joni só vinha quando o Bebeto (PQP) estivesse, era segunda-feira, o Nemias não viria.
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As meninas de shortinho, na praia do Diabo, brincavam com seus cachorrinhos, até que a Guarda Municipal chegasse e as espantasse dali.
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Um emergente sentou-se e tentou engajar-se no papo, começou a chamar a mim e Marcelo de paizões. Não sou elitista, mas não gosto de chato de espécie alguma.
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Aproveitei a deixa e fui ao encontro do Professor.
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A última vez que o vimos, eu estava com Fernando, faz bastante tempo, agora Fernando mora na Austrália, antes estava na Nova Zelândia e casou-se lá com uma natural da ilha. Ele tinha um cachorrinho preto da raça Pinscher, certa vez o Nick, era o nome do cão, estava em uma posição que me lembrava uma gárgula, semelhante as que existem no pátio da Escola Naval e da Catedral de Notre Dame. Falei para o Fernando. Ele não sabia o que era gárgula e me xingou até a última geração.
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Naquele tempo, o cenário no Arpoador era um pouco diferente, ainda existia o antigo prédio dos Correios ,as moças de shortinho eram outras, vinham de bicicleta. As praias do Diabo e a do Arpoador davam livre acesso aos cães e ao jogo de frescobol. A V. ainda era estudante de Turismo, moça mais bonita da praia, a C. comprou uma bicicleta Trek, incrementada que foi roubada no mesmo dia, na nossa frente, por um cara armado com um 38. O Fernando, felizmente, não estava presente, ficou indignado porque não reagimos. O Zé Leite vinha de bicicleta e mesmo com sua perna vitimada pela paralisia infantil, salvava os afogados. O PW ia correndo e o Geraldo andando. Dr. Agenor completava noventa anos, viveu até aos cem , lúcido. O Miltinho, dentista, amigo do Grego, se diz herdeiro de uma grande fortuna, providenciou a derrubada do prédio dos Correios, abandonado, transformado em um antro de marginais.
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O Grego ainda namorava uma aeromoça.
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Agora o PW, depois que roubaram sua bicicleta, vai nas de cor laranja da Prefeitura.
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O Pedro usava cavanhaque e o Marcelo bigode. O Paulo dono do Blue, um cão Collie, parecido com a Lassie dos filmes, começava a paquerar a T. O Armandinho também ia, agora ele anda mancando, me pergunta sempre pelo Marcelo, já disse para ele pegar um ônibus e ir até lá.
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Parei o professor, estranhando que ele reaparecesse depois de tanto tempo. Fiz a mesma pergunta de antigamente:
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- Professor, quanto pegou?
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Esperando a resposta que sempre dava:
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-Quatro, dois fugiram e um escapou.
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Nunca havia entendido a sua matemática.
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Agora ficava claro para mim: - Dois não morderam a isca e um fugiu do anzol, o quarto levava para casa no embornal azul. Só que eu o achei um pouco diferente: a barba mais branca, os dentes estragados, a roupa mais desgastada, os aros dos óculos não mais de ouro, menos afetivo.
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A resposta que recebi foi bastante diferente:
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-Peguei trezentos xereletes que já distribui pela turma, meus quatro filhos médicos só gostam de robalo, aparece com a maré vazante.Foram eles que me deram esse caniço japonês de titânio. Custa muito caro, a minha pensão da Marinha não permitiria esse gasto.
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Meus pensamentos me levaram aos pernoites na Força de Submarinos e às madrugadas de pescaria nas pedras da Ilha de Mocanguê nos anos do Regime Militar.
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Então percebi:O Professor era o Suboficial meu professor de pesca, enquanto eu pescava um, ele pescava cinco xereletes.
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Em uma noite pesquei cinquenta, seguindo suas instruções:-“É preciso sentir o toque da fisgada, se não ele come sua isca.”
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Por isso ele não estranhou quando o chamei de Professor.
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Nós dois temos nomes bastante diferentes, ele lembrou-se do meu, dizendo-o por inteiro. O dele; Índio Brasil Couto.
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O outro Professor, soube depois, já não morava no Arpoador e nem na terra há mais de dez anos.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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