terça-feira, 14 de outubro de 2014

CONTOS DO MUNIR 014/2014



A vizinha da cobertura

Na cobertura tem piscina, lá só vi o pessoal do apartamento uma vez, quando nova, depois, só os filhos da empregada.

A vizinha, loura, ainda mais ou menos jovem, tem um cachorro da raça Chow Chow, parece um leão em miniatura e tem a língua azulada, dizem que era o cão favorito dos imperadores chineses, chama-se Hope. O nome foi dado porque seu marido gostava de cães, ela não; andavam meio brigados, e o cãozinho foi presente dela, vinha com a esperança de paz, é manso, não incomoda ninguém.

Há muito tempo não a vejo acompanhada, a não ser pelo cão que a segue por toda a parte.

À tardinha, estava o nosso grupinho no Armazém do Café, e passam ela, o cão e uma empregada que usa um uniforme azul, mais escuro ainda, tem uma cicatriz branca atemorizante no lábio inferior, provavelmente de queimadura.

A loura ao voltar sem a doméstica, nos diz que está com medo, Está sozinha, acredita que aquela moça que trabalha em sua casa tenha furtado três mil reais, não tem certeza, mas ao meio-dia quando regressou inesperadamente ao apartamento, ficou espantada com a reação da serviçal, tremendo ao vê-la.

Pediu que ela descesse, e a esperasse no portão do edifício. Foi olhar no quarto dela, encontrou a porta trancada.

Perguntava para nós se deveria mandar abrir ou não. O chaveiro cobrava duzentos reais para isso. Nós dissemos que sim, parece que ela não aceitou. Disse que iria despedir a empregada.

Na outra tarde, passaram novamente por nós, a loura, a moça de azul e também o cão. Fez um sinal discreto, como se pedisse sigilo.
Duas horas mais tarde, volta só a escura da cicatriz branca, o rosto sério, traz o Hope.

Olho do meu terraço, a piscina está vazia.
Desde aquele dia, não vi mais ninguém da cobertura do lado.

Curioso, pergunto ao porteiro. Ele me diz que a dona viajou e a empregada levou o Chow Chow para a casa dela ????

A atendente do Armazém, que sabe tudo da Rua Rita Ludolf, diz que o marido da minha vizinha sumiu.
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Dois meses se passam.

No Origami, restaurante japonês ao lado do Café, a mesa festiva de jantar, a minha vizinha, o marido e filhos que eu já não via há tempos, comemoram alegres. O Hope, ao lado parece sorrir mostrando sua língua azul.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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