CONTINUAÇÃO DO CONTO
DEZEMBRO 2014
PRIMEIRA PASSAGEM TRÁUMATICA
Dois anos
após 1964, quando se estabeleceu o Governo Militar, um Marechal, candidato a
Presidência, iniciou sua campanha.
Em julho
iria a Recife por via aérea.
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O
aeroporto de Guararapes estava lotado pelas pessoas que o aguardavam.
Pouco
antes da hora prevista de chegada um aviso comunicava que o avião sofrera uma
pane e o Marechal viria de carro. O público começou a se retirar.
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À época, a
esquerda radical ainda não seguia a doutrina de Antônio Gramsci, praticava o
terrorismo.
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Um
guarda-civil, ex-jogador de futebol encontrou no saguão do aeroporto uma maleta
abandonada e a levava para entregá-la ao setor competente. Ocorreu uma violenta
explosão ferindo o policial, ocasionando mais tarde a amputação de sua perna
direita.
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Uma dezena
de vítimas, algumas gravemente. Morreram no atentado um secretário de governo e
o almirante sogro do Galego que lá estava aguardando o provável futuro
Presidente.
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A filha do
almirante, mulher do Galego, em um gesto de nobreza abdicou da metade da pensão
a que tinha direito em favor da madrasta, agora viúva.
SEGUNDA PASSAGEM LENITIVA
O Galego
se recuperou bem da cirurgia do estomago, passou a andar de bicicleta, tinha
vendido o cavalo. Ficava horas no mar, como era volumoso era fácil flutuar.
Nunca usou protetor solar, achava que era coisa de gay, não que fosse
preconceituoso, era seu jeito.
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A mulher
dele descobriu que ela era portadora de um câncer, mesmo assim o acompanhava
aos domingos na ida à praia.
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Os dois
ainda davam saltos mortais à beira-mar.
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Um domingo
voltando do banho de mar, o Galego estava tomando um suco em casa vendo uma
revista se deparou com a foto da atriz Juliana Paes em trajes não muito
ortodoxos.
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Mostrando
a fotografia para a mulher disse:
-Olha só a
Juliana Paes.
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Inclinou a
cabeça fechando os olhos.
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A mulher
pensou que ele estivesse dormindo e o chamou várias vezes. Tentou despertá-lo
em vão.
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O Galego
havia partido em uma paz tranquila.
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TERCEIRA PASSAGEM SOFRIDA
A viúva do
Galego passou a se tratar com radioterapia e quimo, sofrendo os efeitos
colaterais adversos. Nunca manifestou tristeza. Sua vontade de ajudar o
primogênito, que não conseguia se livrar do cigarro, nem permanecer em um
emprego por mais de três meses, prolongava sua vida. Adquiriu para ele um
pequeno apartamento na Barra da Tijuca.
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O filho a
venerava, muito carinhoso com a mãe, não a deixava só por um instante.
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O
inexorável aconteceu e ele mudou-se para a Barra.
QUARTA PASSAGEM DRAMÁTICA
O porteiro
do prédio, seu João, na Barra da Tijuca estranhou que o rapaz alto e gordo do
apartamento setecentos e dois não descera naquela manhã de quinta-feira.
Percebia de longe que era ele. Não só pela tosse contínua. Mal se abria a porta
do elevador, um forte odor de fumo invadia a portaria.
Pensou:
-Talvez
ele não venha hoje dar o seu passeio matinal para fumar mais um cigarrinho na
praia. Lá pelo por do sol ele aparece.
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À tardinha
chegou o carteiro e disse que tinha uma carta registrada para o setecentos e
dois. Seu João tocou o interfone para lá. Só dava ocupado. Como não via o moço
desde a véspera desconfiou que talvez algo tivesse acontecido. .
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Falou com o
síndico e subiram os dois.
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A porta do
apartamento estava encostada, como o moço costumava deixar. A televisão ligada.
Da entrada gritaram chamando o morador. Como não tivessem resposta, entraram.
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Inicialmente
viram a poltrona e o piso manchados de sangue. Um cigarro se apagara por si no
cinzeiro depois de quase consumido. O rastro de sangue prosseguia até a
cozinha. Encontraram o corpo do filho mais velho do Galego estendido no chão,
sangue já coagulado escorrido de sua boca, a mão agarrada ao interfone.
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Nota: O
Galego e a mulher como citado eram Kardecistas, daí o termo passagem.
Praticavam a caridade em uma clínica espírita na Tijuca.
Autor:
Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
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