quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

CONTOS DO MUNIR 024/2014



CONTINUAÇÃO DO CONTO 
DEZEMBRO 2014
PRIMEIRA PASSAGEM TRÁUMATICA

Dois anos após 1964, quando se estabeleceu o Governo Militar, um Marechal, candidato a Presidência, iniciou sua campanha.
Em julho iria a Recife por via aérea.
.
O aeroporto de Guararapes estava lotado pelas pessoas que o aguardavam.
Pouco antes da hora prevista de chegada um aviso comunicava que o avião sofrera uma pane e o Marechal viria de carro. O público começou a se retirar.
.
À época, a esquerda radical ainda não seguia a doutrina de Antônio Gramsci, praticava o terrorismo.
.
Um guarda-civil, ex-jogador de futebol encontrou no saguão do aeroporto uma maleta abandonada e a levava para entregá-la ao setor competente. Ocorreu uma violenta explosão ferindo o policial, ocasionando mais tarde a amputação de sua perna direita.
.
Uma dezena de vítimas, algumas gravemente. Morreram no atentado um secretário de governo e o almirante sogro do Galego que lá estava aguardando o provável futuro Presidente.
.
A filha do almirante, mulher do Galego, em um gesto de nobreza abdicou da metade da pensão a que tinha direito em favor da madrasta, agora viúva.

SEGUNDA PASSAGEM LENITIVA

O Galego se recuperou bem da cirurgia do estomago, passou a andar de bicicleta, tinha vendido o cavalo. Ficava horas no mar, como era volumoso era fácil flutuar. Nunca usou protetor solar, achava que era coisa de gay, não que fosse preconceituoso, era seu jeito.
.
A mulher dele descobriu que ela era portadora de um câncer, mesmo assim o acompanhava aos domingos na ida à praia.
.
Os dois ainda davam saltos mortais à beira-mar.
.
Um domingo voltando do banho de mar, o Galego estava tomando um suco em casa vendo uma revista se deparou com a foto da atriz Juliana Paes em trajes não muito ortodoxos.
.
Mostrando a fotografia para a mulher disse:
-Olha só a Juliana Paes.
.
Inclinou a cabeça fechando os olhos.
.
A mulher pensou que ele estivesse dormindo e o chamou várias vezes. Tentou despertá-lo em vão.
.
O Galego havia partido em uma paz tranquila.
.
TERCEIRA PASSAGEM SOFRIDA

A viúva do Galego passou a se tratar com radioterapia e quimo, sofrendo os efeitos colaterais adversos. Nunca manifestou tristeza. Sua vontade de ajudar o primogênito, que não conseguia se livrar do cigarro, nem permanecer em um emprego por mais de três meses, prolongava sua vida. Adquiriu para ele um pequeno apartamento na Barra da Tijuca.
.
O filho a venerava, muito carinhoso com a mãe, não a deixava só por um instante.
.
O inexorável aconteceu e ele mudou-se para a Barra.

QUARTA PASSAGEM DRAMÁTICA

O porteiro do prédio, seu João, na Barra da Tijuca estranhou que o rapaz alto e gordo do apartamento setecentos e dois não descera naquela manhã de quinta-feira. Percebia de longe que era ele. Não só pela tosse contínua. Mal se abria a porta do elevador, um forte odor de fumo invadia a portaria.
Pensou:
-Talvez ele não venha hoje dar o seu passeio matinal para fumar mais um cigarrinho na praia. Lá pelo por do sol ele aparece.
.
À tardinha chegou o carteiro e disse que tinha uma carta registrada para o setecentos e dois. Seu João tocou o interfone para lá. Só dava ocupado. Como não via o moço desde a véspera desconfiou que talvez algo tivesse acontecido. .
.
Falou com o síndico e subiram os dois.
.
A porta do apartamento estava encostada, como o moço costumava deixar. A televisão ligada. Da entrada gritaram chamando o morador. Como não tivessem resposta, entraram.
.
Inicialmente viram a poltrona e o piso manchados de sangue. Um cigarro se apagara por si no cinzeiro depois de quase consumido. O rastro de sangue prosseguia até a cozinha. Encontraram o corpo do filho mais velho do Galego estendido no chão, sangue já coagulado escorrido de sua boca, a mão agarrada ao interfone. 
.
Nota: O Galego e a mulher como citado eram Kardecistas, daí o termo passagem. Praticavam a caridade em uma clínica espírita na Tijuca.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário