sábado, 4 de dezembro de 2010

CONTOS DO MUNIR 54

CAMINHANDO
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Outubro, domingo, orla da praia da zona sul do Rio de janeiro. É primavera, só os ipês e as flores é que sabem. Parece mais um dia de outono ou inverno. Mario já havia cogitado em ir viver em outra capital, talvez Natal, onde tem sol o ano todo.
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São dez horas da manhã, horário de verão. A avenida da praia está fechada para automóveis. Ainda são poucos os caminhantes.
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Mario, neste dia, resolveu andar, não ficar sentado, como habitualmente, na cadeira de praia para ler o jornal.
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Começou seu passeio no final do Leblon, entrou em um processo de abstração, acreditava que iria encontrar alguém que nem ele sabia. Quando e onde, também eram perguntas sem resposta. Seguiu em direção ao Arpoador.
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Tinha a idéia que, andando-se sempre na direção Leste, retardaria o envelhecimento, as horas custariam a passar. O problema seria à volta para casa, por anulação desse efeito. Por isso, algumas pessoas saiam de casa, e não voltavam tal a sensação de bem estar. Se fosse da Polícia, iniciaria as buscas sempre na direção Leste.
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Costumava medir sua velocidade por alguém que estivesse caminhando e que fosse da sua faixa etária. Quando chegou notou um que ia a sua frente. Seria uma boa comparação. Terminou aí seu mundo real.
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As pessoas se tornaram vultos que ele transformava nas personagens de seus sonhos, nas semelhanças que ele criava.
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E não eram só pessoas, até mesmo um casaco amarelo jogado em uma cadeira, transmudou-se em uma loura. Verdade que a catarata ajudava.
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Só despertava, quando alguém o cumprimentava. Foi assim com Lourdinha uma corretora, antiga conhecida, sabendo que ele estava só, disse que quando ficasse viúva iria lhe telefonar. Ainda bem que o marido dela está em boa forma, pensou. Notou o tênis dela desamarrado e avisou.
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Uma lembrança aflorou dos tempos em que um de seus filhos ainda guri, cabelos claros, olhos azuis, ia com ele a uma loja de artigos de pesca, a dona, uma linda jovem, curtia o lourinho. Disse que era louca por crianças, achava o menino lindo, se ela não tivesse uma até os trinta anos iria convocá-lo. Casou com um campeão de judô estéril. Felizmente, não o chamou. Suspirou aliviado, imaginando o possível mata-leão.
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Já tinha andado quase dois quilômetros sem sentir. Percebeu que o “terceira idade”, sua referência, estava bem à frente. Em mistura de devaneio e percepção, a imagem de quem ele queria ver delineou-se. Apressou o passo estimulado por esse desejo.
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Via as moças, confundindo-as com Luiza, aquela que desejava encontrar, ora era um chapéu de abas largas, uma saída de praia parecida ou qualquer outro detalhe que a lembrasse, o jeito de andar, o cabelo, os óculos, um boné. Certa vez aproximou-se demais e a moça virou o rosto assustada. Pediu desculpas encabulado.
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A peregrinação a Santiago de Compostela, realizada muitos anos antes, surgiu em sua memória e lhe fez lembrar que a direção do caminho era em sua maior parte, de Leste para Oeste. Voltara amadurecido, o que confirmava sua teoria.
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Foi seguindo em frente, sempre buscando o impossível. A praia de Luiza era outra.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

Um comentário:

  1. Lindo artigo grande Munir!
    Fica aqui uma pergunta... moro na costa leste Australiana, sera que meu processo de envelhecimento seguira as mesmas regras??
    Abraco,

    Fernando

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