quinta-feira, 17 de março de 2011

CONTOS DO MUNIR - 60

CONTEMPLANDO AS ESTRELAS
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Deitado no convés de tábuas corridas do veleiro, Luiz olhava o céu. O crepúsculo vespertino estava terminando. Luiz deu graças por não estar no turno de navegação, era sua hora de folga. Lembrou-se de uma poesia de seu tempo de menino: “ora direis ouvir estrelas”- nunca entendera corretamente o sentido que Bilac emprestava em seus versos.
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Agora as estrelas começavam a aparecer na noite, chegando Sirius, Aldebaran, Betelgeuse, Bellatrix, Rigel, Vega e tantas outras que só no mar se podem ver.
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O barco cruzava o Atlântico, da America do Sul à África.
Passou a associar cada uma das estrelas às moças que marcaram sua vida até então.
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Sirius, mais brilhante de todas, sua ex-namorada no Rio e as sensações que ela transmitia, desde o primeiro beijo na boca.
Rigel, mais perto do horizonte, uruguaia, enfermeira, estudante de medicina e com quem ele perdera sua virgindade.
Seu nome era um poema, Stella Acosta Belmar. Haviam se conhecido três meses antes, em sua primeira viagem ao Uruguai.
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Fora uma percepção estranha, primeira vez nu na cama com uma mulher, se sentira como um bebê saindo do ventre materno; lembrança freudiana do parto?
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Era véspera de partida e quinto dia do veleiro no porto.
Veio-lhe à memória, ambos entrando em um táxi em Montevidéu, ela sussurrando ao seu ouvido para falar ao motorista algo como “amueblado”, que ele não conseguia pronunciar e que ela mesma acabou dizendo, e o táxi parando em um motel.
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O banho gelado pela manhã, não sabia ligar a água quente, o regresso atrasado para bordo, o comentário irônico do oficial de serviço:- “começou cedo”.
No bolso, um envelope com a mecha de cabelos negros que ela cortara ao se despedir:-“ guarde por toda sua vida.”
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Seus pensamentos se voltaram para Bellatrix, a jovem de cabelos ruivos. Parecia apaixonada partindo sua carteirinha de estudante ao meio, pedindo que ele trouxesse a metade que ela lhe estava dando quando regressasse da viagem.
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Mas Sirius continuava com seu brilho ofuscando as demais.
Inconscientemente, estava ouvindo estrelas e compreendeu Bilac.
Naquele momento, fazia a opção de seu futuro.
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Meses depois, o veleiro regressava ao seu porto de origem-Rio de Janeiro.
Uma carta o aguardava, era de Rigel -Acosta Belmar. Dizia que ficara noiva e iria casar-se, em outro trecho, que Luiz custara a atinar com o significado, escrevera: “tuvo que operar-me” (sic).
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Muitos anos se passaram. .
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Luiz agora estava só.
Estava reformando o escritório, antigo quarto da menina que se casara. Ao desmontar o velho armário, encontrou em uma gaveta um envelope amarelado pelo tempo, dentro dele a mecha negra e intacta dos cabelos da uruguaia.
Em outra gaveta, a metade da carteirinha de estudante nunca devolvida.
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Deitado agora na rede, no terraço, Luiz contemplava o céu no crepúsculo vespertino.
Sirius lá no alto parecia que adquirira um fulgor mais intenso pela nova luz que lhe fora adicionada.
Estrelas que Luiz não conhecia começaram a surgir.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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