Nicole escreveu uma carta para o psiquiatra de Plantão.
A carta já foi
recebida por algumas poucas pessoas e respondida.
Abaixo
a carta da Nicole, e carta de uma psicanalista da linha freudiana.
CARTA
DA NICOLE AO PSICANALISTA DE PLANTÃO
.
Nasci no interior de um
Estado, e, embora seja como dizem, uma “garota da roça”, tenho doutorado em
Medicina, Administração de Empresas e em Economia. Atualmente sou Diretora
Executiva de uma Companhia Multinacional de medicamentos, sócia proprietária em
cinquenta por cento.Considero-me bem sucedida, sou financeiramente independente.
.
Sou uma mulher bonita e
fisicamente atraente, embora já tenha filho com mais de trinta anos. Falo assim
sem falsa modéstia, pois onde chego, atraio a atenção de homens e mulheres. Mais
ainda, como não tenho preconceitos, e adoro poesia, arte e moda, conheço
poetas, estilistas e arquitetos, alguns homossexuais que se sentem atraídos por
mim e choram suas desditas amorosas no meu ombro.
.
Mostro uma aparência de
felicidade e de “carpe diem”, entretanto, às vezes sinto-me triste.
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Atualmente estou
divorciada, depois de passar um longo tempo por uma situação nebulosa,em
convivência com meu ex-marido, médico, que também é meu sócio.
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Recentemente me envolvi
com um homem livre e mais experiente, que me parece ser uma pessoa de bons
sentimentos. Minhas desilusões são um empecilho para que a ele me dedique da
maneira que me solicita.
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O sexo tem sido
maravilhoso, sinto-me realizada, fico em dúvida se continuo nesse
relacionamento apenas por isso. Tenho também por ele muita ternura e carinho e
não desejaria magoá-lo nunca.
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Sei que meu ex-marido
ainda me deseja,ele é que me socorre nos meus momentos difíceis.Um arrependimento
me envolve. O desejo de separação partiu de mim e só a minha insistência fez
com que ele aceitasse o divórcio.
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Penso que escolhi o
caminho da minha independência ao tempo em que a situação assim exigia. Hoje
temo envelhecer só.
Meu nome é Nicole.
.
CARTA DE UMA PSICANALISTA DA LINHA FREUDIANA
(a
Psicanalista só concordou em escrever, em razão dos laços de amizade com o
autor, e faz a ressalva de que para uma análise mais profunda, seria necessário
que Nicole frequentasse seções de terapia com ela, ou com outro analista )
.
Nicole,
.
Lendo a sua história imediatamente me
veio à memória, numa cadeia associativa, uma bela poesia de Cecília Meireles:
“Ou isto ou aquilo”.
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Ou Isto ou Aquilo
Cecília Meireles
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
A pergunta é simples, de todo ser
humano. A resposta, porém, nem tanto. Conviver com a dúvida, a falta, é tarefa
para a vida toda e penso que não são muitos os que conseguem sustenta-las bem.
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A gente vai se perguntando,
desistindo de perguntar, de ouvir, de se ouvir, lutando, caindo, driblando,
mascarando, protegendo e postergando. Mas há momentos que a vida nos cobra o
acerto de contas: “ou isto ou aquilo”.
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Num exercício de imaginação, fico a
pensar nas inúmeras e incontáveis vezes que você fez isso e aquilo, foi isso e
aquilo para ter isso e aquilo para conquistar sua tão sonhada independência
como todas nós mulheres na era da revolução feminina.
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Hoje temos que responder e corresponder ao que maridos, amantes, amigos,
filhos, chefes, sociedade (e não sei quantos mais) que estão a exigir de nós.
Pior ainda, o que nós mesmas passamos a nos exigir e cobrar.
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Pelo pouco que pude escutar e
compreender, você na sua extensa e bem sucedida trajetória foi dando conta de
tudo com tal eficiência ebrilhantismo que
acabou por acreditar que é possível isto e aquilo. Ainda que, com certa dose de
desconfiança: “mostro uma aparência de felicidade”.
.
O que é felicidade para você Nicole?
.
Novamente a encruzilhada: com este ou
aquele?
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O que dizer a você quando de antemão
sabemos que qualquer resposta não irá responder à sua dúvida, à sua pergunta.
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A caminhada interna nos obriga a
andar um pouco no escuro. Nesses momentos as vozes, os sinais que vem de lá são
preciosos. Podem nos salvar. E também conselho de avó: paciência quando
precisar voltar atrás, tolerância nas dúvidas e quedas, e discernimento para
distinguir os atalhos necessários das pistas falsas e escorregadias.
.
Em tempo: acho que está é a maneira
mais simples e verdadeira de me apresentar a você: sou “uma menina da roça”.
Apesar de muitos e muitos anos viver nesta maravilhosa (nem sempre) cidade do
Rio de Janeiro.
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Nasci e cresci ouvindo histórias. Com
elas eu me encantava, sofria, amedrontava, fantasiava e me alegrava. Acredito
nas histórias infantis.
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Boa Sorte,
.
Marta
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com
...CONTINUA...
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