sábado, 21 de maio de 2011

ARTIGO DO SERGIO GUARANYS

O CORUMIM, VISÃO LIVRE
slyguaranys@oi.com.br em 11 mai 2011
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O menino índio quer saber mais, explora as redondezas de sua taba, vai afastando-se seguramente, pois sabe orientar-se bem. Chega ao sopé de um morro que começa a escalar. A cada instante aumenta seu horizonte, vê mais longe mais objetos que ficam pequenos e sem linhas. Já no topo querendo ver melhor põe como pala diante da testa a mão desocupada afastando efeito prejudicial de claridade, por que se a pusesse em escudo diante dos olhos nada veria.
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Nossa vida é contínua exploração de redondezas, com elevações, aumentos de horizontes e de presenças realizando trocas de coisas definidas por coleções sem nome. Rejeitando perder objeto indefinido em meio a numerosos traços distantes vale a pena selecionar algum ainda desprovido de utilidade indicada, mirar nele desviando de sua vizinhança a atenção. Enquanto a visão percebe formas e cores da figura do objeto, a mente poderia associar a vista com funções, histórico e outras imagens onde estaria.
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Replicamos a opção do corumim ora levando a mente em pala perscrutando a situação do objeto, ora em escudo criando uma atitude dele. Ganhamos tempo tratando antes dos indivíduos coleções deles, onde mais tarde enxergamos que alguns indivíduos importam mais que as coleções onde estiverem. Situações nocivas criadas por indivíduos notáveis ficam disfarçadas pela massa e pela distância como se aguardassem ser toldadas por clamores de origem ruim.
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Proclamando semelhança entre União e Estados, pela qual têm poder executivo e legislativo, Ulisses deu aos Municípios poder legislativo. Não creio que ignorasse falta de senso municipal a exigir legislativo, mais bem sabia que partidos políticos devem emanar de disputa de opinião pública, antecipando que na falta de disputa entre partidos ficaria mais provável a disputa entre as pessoas, mais fértil quanto mais local fosse. Esse o motivo do poder legislativo municipal. Enxerguem o absurdo: um legislativo que não tivesse nas leis sua motivação, mas tendo motivo na disputa partidária, seria incorrigível devido à impossibilidade de suscitar argumentos contrários à existência dele. Nada a espantar em conseqüência o enorme número de municípios – 5564, também enorme o de vereadores – 57000 e o de funcionários das câmaras municipais – 837000. Nem ladrões nem inúteis, desfrutam a arrecadação e o fingimento partidário entregues a eles. Nem atentam para déficit financeiro de seu município. Sem nada enxergar criaram desfrute irrecorrível do PIB e descompromisso com a Coisa Pública. Com a mão em escudo diante dos olhos estão livres de ver todas as repulsas dirigidas aos políticos. O custo enorme desse poder contrasta com as carências de ensino primário, de atendimento ambulatorial e de urbanização inicial, deveres municipais mais importantes de modo visível e incômodo a sugerir redução do custo do poder, ao menos por ser mais fácil que atender as carências. Os corumins de verdade, crianças dos municípios nunca enxergarão correção do contraste. A mera sobrevivência do Poder Legislativo Municipal é paradigma da categoria política brasileira.
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A Independência tornou dispensável a Brigada Policial criada por D.João VI para impor a vontade real sobre as províncias, pois o Exército subordinado a D.Pedro não conhecia contestação. Para não desempregar o pessoal da Brigada, ele foi distribuído pelas províncias em milícias especialmente criadas para recebê-lo. Mais tarde com a criação da República transformando em Estados as Províncias, as milícias se tornaram Forças Públicas também evitando desempregar o efetivo. Heterogêneas porque algumas eram tropa de combate, outras conviviam com polícia e porque os Estados tinham diversidade constitucional, houve aturdimento inicial. Essas Forças adotaram modelo e título militar a fim de ganhar permanência sem a obrigação de ser polícias. Ganharam permanência, embora faltando propósito e autenticidade. Assombraram o Exército, pois tinham remuneração maior. A Revolução de 1964 ensejou mediante a Inspetoria de Polícias Militares ingresso de pessoal do Exército nessas polícias coincidente com ambição de poder de alguns Estados. Este arranjo esbarrava na ação policial civil, pois a militar era uma dupla negação---nem prevenia mediante policiamento nem investigava mediante diligência. Conseguindo evitar correções inconvenientes, os Estados deram situação constitucional às polícias militares, deixando para uma descomprometida regulamentação posterior a norma dessas polícias. Acontece que polícia de qualquer tipo e país precisa impedir que seu pessoal participe do produto de crimes e sentencie infratores. A Polícia Civil, que policia e investiga não aceitou repartir produto---argumento indeclarável, nem adotou sentenciamento---que a converteria em criminosa. Em vez de permanecer o organismo, permaneceu o abuso: não há inteligência porque não há caráter, não há rede dupla de informação porque a informação é indiscreta. Comparando ao corumim no topo do morro, D. João usou primeiro a mão em pala criando a Brigada, depois D. Pedro em escudo dividindo em Milícias. Os eventos seguintes aumentaram confusão, inutilidade e permanência, com despesa gigantesca, transformação de muitos policiais militares em milicianos e de segmentos policiais em organizações criminosas. Assunto Polícia ficou mostrengo, prenhe de tentativas incapazes de produzir: redução de contravenção, instrução útil de processos e rapidez de coerção policial, como a Academia de Polícia e as Delegacias Especializadas. Explorando existência de duas polícias, várias organizações adquiriram aspecto policial como a Judiciária e a Rodoviária, outras militar como os Bombeiros Municipais, outras ainda com implicação até penitenciária. E sustentação constitucional. Sem conseguir entender o que avistar no Assunto Polícia, o corumim da história deve retornar à taba até o Assunto ser reiniciado em termos inéditos em vez de corrigidos.
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Terminada a Segunda Guerra Mundial militares regressados da Itália depuseram o Presidente Vargas, entregaram em 1946 o Distrito Federal a Mendes de Morais como Prefeito e Ranieri Mazzilli como Secretário de Fazenda, que em 1947 não reajustaram salários dos professores primários. Essa atuação da sinistra dupla foi imitada pelos 20 outros Secretários de Fazenda dos Estados, causando frustração imediata de vocações juvenis para o magistério, destruição do entusiasmo dos professores em produzir futuros pais e mães de alunos orgulhosos de saber e ao fim de uma geração, extinção da formação primária do povo brasileiro. Vinte e cinco anos depois, em 1972 terminou o ensino primário, jamais recriado. Durante os vinte e cinco anos outros procedimentos firmaram essa destruição: professores diplomados fugiam da regência de turmas para inspetores, pesquisadores, coordenadores, administradores, cooperadores de ensino, recebiam mais, trabalhavam menos e conseguiram sem querer nem saber, fazer novos alunos chegarem à escola sem serem responsáveis por seus atos, sem saberem propriedade e, pior sem saberem de onde vinham. Não admira que nenhum Ministro, Secretário, Agente de Educação desde 1960 em diante soubesse como atuar para recriar formação do povo. Nenhum sabe que professor é o membro encarregado e remunerado pela Sociedade para fabricar pais e mães. Andaram dando aumentos salariais pífios aos professores, além de inferiores em valor aos salários dos “ores”, os fugitivos da regência de turmas. Já não adianta ao corumim contemplar cuidadosamente as escolas primárias, se em qualquer cenário delas vê alunos ameaçando todo mundo, depredando qualquer patrimônio, sem mostrar cara de atenção. Temos que dizer serem meliantes os funcionários operadores de material didático, merenda, impressos sigilosos e medições eivadas de tolerância, tal a freqüência de furtos, agressões, desperdícios, perdimentos e fraudes. Com mão em pala ou em escudo o corumim enxerga péssima homogeneidade. Países resolvidos complementam formação primária com mídia e com consumo. O cidadão deles após o primário entra na mídia opinando, explora para opinar a mostra de consumo, pois a formação primária dele serviu para ter critério útil, calcado nos sentimentos básicos de clã (quem somos, quem são os outros), de propriedade (quem é o dono disto e daquilo) e responsabilidade (quem responde pelos este ou aquele dano). O cidadão dos não desenvolvidos não tem critério, logo despreza mídia e consumo.
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Em 1948 um grupo de cidadãos reagiu à falta de instituição dedicada ao estudo de ações de âmbito nacional, cuja conclusão seria útil ao Governo Federal. Naquela época o órgão mais erudito do Exército era a Escola de Estado-Maior, o da Marinha era a Escola de Guerra Naval. A concepção dessa instituição consistiria em congregar os melhores estudiosos do país e encomendar a grupos deles os estudos desejáveis, mesclando aulas de trabalho em grupo com pesquisas dos temas escolhidos, ritual das Escolas. A instituição recebeu o infeliz título de Escola Superior de Guerra, infeliz porque associava a idéia de guerra à Defesa da Nação contra ações estrangeiras, além de ensejar na instituição divisão indesejável entre componentes civis e componentes militares. Até hoje a idéia de Defesa está circunscrita ao campo militar. Imediatamente um grupo de oficiais do Exército passou a conspirar com o propósito de impedir na instituição comparações normais e inevitáveis entre civis e militares. Procuravam o absurdo de, mediante articulação marginal, superar a desvantagem numérica dos militares frente aos civis num ambiente onde eventuais vantagens não serviam a qualquer propósito. Articulados preponderaram redigindo e impondo à Escola um Estatuto que mediante semântica impedia debate. A semântica consistiu em atribuir o nome de debate a um ritual autoritário e o de Estratégia a um arranjo artístico dos verbetes recursos e óbices em vez de técnica de manejar crescimento, assim privando o país de aprender a ciência Estratégia. Graças ao Estatuto a Escola nunca produziu para o país um estudo sequer. Houve um instante em que o Mal. Castelo Branco enviou um de seus generais ao Comte. da Escola, Gal. Mamede para trazer o suposto Plano de Governo, inexistente. Esse instante sucedeu outro em que o Pres. Juscelino declarou vir da Escola o Plano de Metas anunciado e adotado por ele. Os militares jamais estudaram Governo porque nenhum Comandante da Escola executou essa idéia e o Estatuto dá a ele essa discrição. Não puderam aproveitar a oportunidade da Revolução para elevar quanto pudessem o país, nem para consolidar a própria atuação como o PT tenta hoje. O pequeno índio permanece espantado com o que avista no campo militar e na Escola. Os militares já sabem como usar a mão em pala para observarem cenário, mas esqueceram como usá-la em escudo a fim de imaginarem a própria recolocação na Sociedade. Essa recolocação inclui colegiados consultores, exercício de direção em estatais para clarear a imagem delas em vez de remunerar antigos sicários, situar a remuneração funcional deles em acordo com o restante da administração federal e com o tirocínio deles. Até hoje têm servido como vitrine para orientar cobiças de cabos eleitorais porque essa atuação é exercida sem peias pelos mais diversos dirigentes, em consonância com a baixa qualificação deles, mas com imperdoável assentimento dos militares. Perante o mau desempenho dos civis os militares têm preferido manter-se visivelmente corretos a praticar reprovações aos civis, mas já deveriam ter percebido a inconveniência dessa omissão e descoberto por locutores legais desempenhos defeituosos nos três poderes.

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