quarta-feira, 4 de maio de 2011

CONTOS DO MUNIR - 62

O TEMPO E PESSOAS-sete de abril de 2011
Parte 1
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NAHOUN
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Nahoun, trinta e poucos anos quando o conheci. Vive em Brasília, em uma casa no Lago Sul, empresário de sucesso, mora também na Delfim Moreira, orla do Leblon, badalado bairro do Manuel Carlos e brasileiramente conhecido pelas novelas da TV Globo.
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Nahoun tinha o hábito de nadar do Arpoador até o Leblon, precisamente até a esquina da Rua Rita Ludolf com a praia onde fica o prédio do seu apartamento. Ao sair do mar, corria mais 6 km, uma espécie de triátlon, de sexta a domingo. As segundas, regressava a Brasília sede de sua empresa.
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De físico privilegiado, atraía as meninas da praia, nem precisava sair de casa, elas iam lá. Às vezes, vinha acompanhado já de Brasília.
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Sua face parecia ser esculpida. Traços angulosos em harmonia de um desenho bem feito. Tinha o sorriso largo, os dentes, aparentando sair de um clareamento, outra particularidade de seu rosto.
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Tudo indicava que iria envelhecer saudavelmente. O destino o apanhou no Arpoador. Escorregando no limo da pedra de onde mergulhava, bateu com a nuca, não chegou a perder os sentidos, ficou um pouco tonto e logo se recuperou. Achou que não era nada de grave, nadou e correu como sempre fazia.
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Quase três meses depois, começou a sentir leves tremores que, entretanto, não afetavam a seu desempenho físico. Submeteu-se a minuciosos exames que nada revelaram. Seu corpo sofria alterações: uma inclinação do tórax para frente, a princípio quase imperceptível, acentuava-se com o tempo. Em um ano, já se podia notar. A natação não sofrera efeitos, a corrida, entretanto, mais lenta, os tremores se acentuaram. Baterias de exames, tomografias: foi virado pelo avesso, os resultados sempre negativos atestavam uma saúde invejável.
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Seu equilíbrio tornava seu caminhar difícil, não deixava de fazê-lo. Inclinava-se para frente a cada passo em um balançar constante, a compleição física pouco se alterava quando sentado.
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Agora era pouco visto no Rio. Quando nos encontrávamos, estava sempre alegre, contando suas façanhas amorosas. O tempo foi se encarregando de incliná-lo cada vez mais, o balançar ficou desengonçado, o equilíbrio complicado, e emagrecera um pouco. Dizia, feliz, que sua performance na cama era de um rapaz de vinte. Já estava com quase setenta.
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Encontrei-o no carnaval deste ano no bloco “Empurra que Pega” no Leblon. O ritmo da bateria aliado à senha disseminada, latinha de cerveja na mão, integrava os foliões em um caos ordenado. Nahoun tinha agora acompanhante, uma senhora, que aparentemente não o deixava cair. No entusiasmo dele, ela é que era arrastada por aquele homão cambaleante, quase inclinado em noventa graus.
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Nahoun parecia mais contente do que nunca, avançava desequilibrado no meio dos carnavalescos, foi quando topei com ele.
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Nós dois, já meio sob o efeito de nossas senhas, a minha latinha era de vodka e a dele, percebi pelo olor, algo mais forte. Sorrimos os dois. Ele com o sorriso de trinta anos atrás como se fosse o mesmo jovem. Eu nem tanto. Perguntou a razão do meu sorriso triste. Não consegui responder.
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Percebi então que o tempo fora mais cruel comigo.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com

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