domingo, 8 de maio de 2011

ARTIGO DO AUGUSTO ACIOLI

“Bullying, Trote & Morte”
por Augusto Acioli de Oliveira, economista

Vez por outra surgem palavras ou expressões nos diálogos do dia-a-dia de nossas ruas que surpreendem até mesmo aqueles mais letrados ou melhor pontuados no quadro geral do grau de alfabetização da população brasileira.

Palavras estrangeiras como cheeseburger, hot-dog, hamburger, ... incorporaram-se com rara desenvoltura e naturalidade aos diálogos de pessoas que apesar de desconhecerem suas origens lingüísticas, rapidamente, passaram a traduzir seus significados em idioma pátrio, adaptando-os, inclusive, a cardápios tupiniquins: daí, X-Burguer, X-Tudo, Dog-Tudo, Cachorro-Quente, ...

De uns tempos para cá nossa mídia começou a dar destaque à palavra bullying, em face de seguidos problemas surgidos nas escolas do país envolvendo jovens voltados para a prática de violência em relação a colegas mais fracos, fisicamente, inseguros ou precariamente assistidos por pais, professores e autoridades.

Afinal de contas, o que este termo inglês significa?

“Bullying é uma forma utilizada para descrever-se atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do inglês bully, "tiranete" ou "valentão") ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz (es) de se defender.” (fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre)

Chega a soar como hilário o fato de somente agora os principais noticiosos haverem começado a divulgar, com alguma insistência, algo que já vem atemorizando e coagindo escolares e cidadãos, com crescente intensidade, ao longo das 05 (cinco) últimas décadas.

Paralelamente, será que a memória popular esqueceu as famosas turmas de ruas, clubes, colégios, pitboys ... que ainda se postam na saída de festas, jogos ou aulas e esperam suas desatentas vítimas para agredi-las ou massacrá-las nas calçadas diante de transeuntes paralisados pelo medo?

Os alegados desconhecimentos de tais ocorrências, o silêncio imposto pelos mais fortes ou posturas hipócritas daqueles que deveriam zelar pela integridade física dos personagens-alvo têm contribuído para cobrir de humilhações, hematomas ou tingir com sangue, rostos, corpos e vestes daqueles que não sabem ou conseguem defender-se das retaliações promovidas por insanos.

Minha convicção de que “Bullying & Trotes” fazem parte do mesmo problema foi fortalecida ao assistir, em passado recente, uma entrevista concedida por diretor de conhecida e respeitada instituição federal de ensino informando aos jornalistas que a prática de trotes era algo que se assemelhava a uma tradição daquela Casa e que ele mesmo, seu administrador, havia passado por tal iniciação ou batismo, daí, entender o fato como de pouca importância, por ser temporário e se incorporar às memórias futuras de todos aqueles que cursarem aquele prestigiado centro de formação profissional. Obviamente, sua leitura míope sobre o assunto não alcançava ou admitia a possibilidade de que os agraciados por aquela “distinção carinhosa” poderiam estar em desacordo com tal prática.

Se alguém ainda tem dúvida de que o exercício da covardia possui limites está enganado, pois milhares de adultos guardam nas caixas-pretas de suas mentes pavorosas histórias de abusos diversos, inclusive sexuais, sofridos em colégios, clubes, condomínios, etc., a título de trotes.

Equivocam-se aqueles que imaginam que esses tipos de ocorrência somente têm lugar em centros de recuperação ou detenção de menores, delegacias policiais, penitenciárias, ...; esses locais são, tão somente, os de maior visibilidade.

Procurem informar-se e começarão a perceber que nem sempre as áreas de lazer de prédios residenciais, instituições de ensino ou agremiações esportivas são lindas e coloridas para todos aqueles que por elas circulam.

Olhem bem para uma criança de 05 (cinco) anos e, em seguida, para seus coleguinhas de 06 (seis), 07 (sete) e 08 (oito) anos e irão constatar significativas diferenças nas constituições físicas dessas 04 (quatro) faixas etárias.

Daí, um infante mal orientado em cenário doméstico pode vir a desenvolver um perfil violento e adotar posturas anti-sociais em face de seus amiguinhos provocando-lhes severas contusões, muito embora suas respectivas diferenças nominais de idade não alertem para tal possibilidade. É muito comum ouvirmos: “Não se metam: é briga de crianças!”.

O que devemos fazer então?

Educá-las, a partir da mais tenra idade para a vida em sociedade e, progressivamente, instruí-las quanto às suas responsabilidades. É óbvio que aqueles que assistem a seus pais ultrapassarem os sinais vermelhos ou aos demais carros pelo acostamento, dirigirem alcoolizados, acionarem a buzina, a todo instante e por qualquer motivo, xingarem e ofenderem aos demais motoristas, urinarem, cuspirem ou jogarem lixo nas ruas, conduzirem ferozes cães, sem focinheira, desrespeitarem os demais banhistas disputando partidas de frescobol ou participando de acintosas e irresponsáveis rodas de futebol de areia à beira-mar e no meio do público, jamais entenderão tais ocorrências como algo errado e sim, como ensinamentos a serem seguidos. Um menor que presencia familiares ofenderem-se e agredirem-se, rotineiramente, com gestos, palavras, ações ou objetos, terá muita dificuldade para absorver e neutralizar a repercussão de tais atos em sua formação cidadã.

Isso ajuda a explicar a evolução, banalização e crescimento de crimes como o bullying, trotes, etc., que nada mais são do que estágios avançados de um comportamento anti-social que agrega deformações de caráter a impunes atos de sadismo e barbárie.

Que pena deveria ser aplicada aos assassinos de um jovem calouro de uma faculdade de medicina, filho de descendentes chineses, recém-aprovado em concurso vestibular que, ao comparecer ao trote realizado nas dependências de uma universidade foi, covardemente, torturado, com requintes de crueldade, em uma piscina existente naquela unidade escolar, por colegas veteranos prestes a fazerem o Juramento de Hipócrates, performance que lhes foi permitido realizar algum tempo após o trágico episódio.

A lamentar que tais criminosos tenham conseguido diplomar-se naquela ciência, estejam livres e exercendo uma atividade profissional que se caracteriza, justamente, por salvar vidas, curar ou minorar o sofrimento daqueles que padecem enfermos, enquanto as feridas dos familiares, amigos e colegas do estudante cuja vida foi brutalmente ceifada permanecerão abertas e sangrando até o dia em que a justiça divina lavre sua sentença e corrija a imperdoável omissão da sociedade dos homens.

Embora o foco das lentes esteja, hoje, voltado somente para jovens e unidades de ensino, todos nós sabemos que em pátios ou playgrounds de condomínios, praças, ruas ou esquinas de qualquer cidade do Brasil ou de outros países, bullying, trotes, ou que nome queiram conferir a tais brutalidades, sempre estarão presentes.

Somente aqueles que viveram tais pesadelos sabem o que significa sofrer ofensas e ameaças diárias à integridade física sem dispor de meios para a elas se contrapor.

Em minha juventude eu era magro, de baixa estatura, com desempenho escolar satisfatório, e sempre procurei me relacionar bem com os demais colegas, porém, isso não me livrou de, vez por outra, sofrer ameaças de agressões patrocinadas por pessoas covardes e fisicamente mais fortes.

Essa foi a razão que me levou à prática do Judô, principalmente, para desenvolver a autoconfiança, a disciplina e o aprendizado de defesa pessoal. A partir daí, nunca mais sofri qualquer ato de confrontação que não soubesse como reagir ou a ele me opor. Passei a entender que a razão da agressividade dos outros é, justamente, causada pelo grande vazio existente em suas vidas, gerado por absoluta insegurança, pavores, angústias e situações não resolvidas que pululam em suas mentes, levando-os, inclusive, à pratica de ações capituladas no código penal, que objetivam mascarar uma realidade intestina que um simples espelho seria capaz de desnudar.

Quantos cidadãos que foram com seus familiares à praia em busca de lazer já sofreram fraturas e lesões provocadas por boladas na vista, cabeça, seios, costas, bem como pancadas desfechadas por violentas raquetadas? E o elevado número de agredidos diante de seus próximos por ousarem reclamar de tais infratores? Como devemos denominar tais situações?

Quanto ao trote, de qualquer tipo, que considero tal qual a maconha como o primeiro e transparente degrau na escala de violência entre iguais, está a merecer ações institucionais que o reprimam em seus aspectos negativos, porém, transformem sua natureza em elemento de fortalecimento das relações entre os cidadãos seja estimulando campanhas de doações coletivas de sangue a hospitais, realização de bailes para recepcionar e entrosar os calouros no cenário estudantil, tal qual aqueles promovidos nos anos cinqüenta e sessenta pelos integrantes do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da antiga Universidade do Brasil, situada no bairro Praia Vermelha, na Cidade do Rio de Janeiro que, não satisfeitos ainda idealizaram, projetaram e construíram o primeiro teatro de arena naquele campus, recebendo o Presidente da República Juscelino Kubitscheck e o então Magnífico Reitor, Prof. Pedro Calmon na data de sua inauguração e lá realizaram o primeiro, inesquecível e histórico show de bossa-nova no país.

É, naqueles tempos, enfrentava-se o hoje conhecido “bullying”, a violência dos trotes e outros males, com música, dança, arte cênica, cine-clubes, concursos e exposições diversas, gincanas, enfim, atividades recreativas que seguiam em paralelo à vida escolar e cujo principal objetivo era criar um clima de perfeito entrosamento comunitário.

Penso que o ponto de partida para que se possa reduzir e, progressivamente, eliminar a prática do bullying, trotes,... é através da própria sociedade constituída assumindo o papel de educar o cidadão, de forma compulsória, desenvolvendo e implantando ações institucionais que inibam a prática de atos anti-sociais, tipo: “Lei Seca” neles, andou com cachorro nas ruas sem focinheira e atestado de vacinação apreenda-se o animal e responsabilize-se o condutor; circulou pelo acostamento ou em ziguezague por rodovias e vias públicas, apreenda-se o veículo, detenha-se o infrator e aplique-se elevadas multas e severas punições; jogou frescobol, rodas de futebol de areia à beira-mar em prejuízo da circulação de banhistas, detenha-se o transgressor (es) conduzindo-o (s) à delegacia policial da jurisdição, para abertura de processo criminal, destinando-se os equipamentos assim apreendidos para doação a entidades assistenciais,...

Em outras palavras, basta aplicar o lema de nossa bandeira: “Ordem e Progresso”.

Concluo este texto apresentando minha proposição para sejam proibidos no Brasil os chamados trotes ou quaisquer atos e práticas que contribuam para humilhar, fragilizar moral ou fisicamente os cidadãos que estudam, trabalham, residem em nosso país, ou por aqui transitam. O respeito aos direitos humanos não pode continuar sendo entendido, nesta terra, como um conceito a ser aplicado somente em face de clamores pontuais e sim como um bem intangível essencial, inegociável e eterno que contemple todos os segmentos da sociedade brasileira.
Autor: Augusto Acioli de Oliveira - Economista
email: augao148@gmail.com

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