sábado, 28 de maio de 2011

CONTOS DO MUNIR 65

GINASIANOS
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Victor Meirelles, Luiz Cavalcante, Eduardo Silva, Carlos Eden, Julio Serra, Julio Afora, Dimitri Quadros e Antonio Alves são colegas no Educandário São Bartolomeu.
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Todos na idade média de 14 a 15 anos à exceção de Carlos Eden que conta 18.
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Victor, não contrariando o nome, é um desenhista talentoso.
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Luiz tem uma perna mais curta, usa um sapato especial para compensar.
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Eduardo, aparentemente, uma figura padrão de menino dessa idade.
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Julio Serra é baixinho, gordo e enfezado. Refreando assim qualquer provocação, lembra muito o reizinho de antiga história em quadrinhos. É filho do dono da padaria vizinha ao colégio.
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Julio Afora apesar da idade já é politizado. Tem uma enorme simpatia pelo comunismo, é católico fervoroso e acredita que o regime russo se aproxima da verdade cristã.
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Dimitri é ortodoxo, fala russo e grego, está no Brasil há sete anos, aparenta ser mais velho, já tem barba.
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Antonio Alves usava sempre calças compridas para encobrir as pernas inchadas por elefantíase.
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Carlos Eden é a ovelha negra da turma, é o oposto do que o seu nome indica. Mais velho do grupo, exerce liderança, pratica pequenas maldades, como a de deixar bilhetes pornográficos nas carteiras das meninas assinados em nome de um determinado admirador, levando ao fim o namoro. Funcionou durante algum tempo, até ser descoberto. Como é bem maior que os outros, não houve represália.
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O Colégio tinha um grande laboratório de Física e Química, bem equipado, armários de vidro chaveados guardavam os aparelhos e amostras de pedras não preciosas.
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Carlos Eden planejava fazer uma incursão no laboratório. Não poderia executá-la sozinho. Alguém teria que ficar de guarda, consultou sua gangue e todos toparam, acreditando ser uma aventura sem consequências. Luiz, o da perna mais curta, quis ir, foi rejeitado. Dimitri, que de início havia concordado, desistiu por receio dos pais. Julio Serra e Antonio Alves declinaram quando souberam dos detalhes do plano: teriam que pular uma janela.
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O grupo ficou reduzido a Carlos Eden, Julio Afora, Vitor Meirelles e Eduardo Silva.
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Soou o toque de fim das aulas da sexta-feira, os moços ficaram por ali, era inverno, anoitecia cedo.
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Carlos Eden liderava sua equipe como profissional, já havia feito um briefing de como se processaria a ação e distribuído as tarefas. Estava de posse das chaves dos armários, a intenção era permanecer o fim de semana com os objetos do saque e devolvê-los na segunda-feira pela manhã, antes do início das aulas. A responsabilidade da devolução seria individual, um desafio para a garotada.
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Seu Joaquim o inspetor de disciplina não era fácil.
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Cada um dos garotos escolheu sua prenda.
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Carlos Eden pegou um dos três antigos microscópios.
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O laboratório ficou sempre com os dois restantes, nunca deram por falta.
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Victor Meirelles um pedaço de carvão, achou que poderia desenhar com ele, nunca devolveu.
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Julio Afora ficou seduzido por uma pequena lente de aumento, planejava devolvê-la na manhã de segunda. Não conseguiu. Seu irmão caçula a escondeu. Gastou toda a mesada na compra de uma lente maior, ficou sem ir ao cinema e só a pôs de volta na terça-feira.
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Eduardo Silva retirou o menor cristal de quartzo das muitas amostras existentes. Pretendia retorná-la na segunda, medrou de seu Joaquim, acabou escondendo no fundo do armário de roupas de seu quarto. No domingo, quando foi à praia o jogou no mar. Algumas semanas depois ao caminhar pela areia, topou com um pedaço de quartzo, não sabia dizer se era o mesmo. Acabou levando para casa.
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Os anos se passaram...
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O retrato de Carlos Eden apareceu no jornal como suspeito assassino de um crime em Copacabana.
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Victor e Luiz Cavalcante tinham passado no concurso para o Banco do Brasil.
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Julio Serra transformou a padaria do pai em uma lanchonete, é agora um senhor bonachão gordo e rico.
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Julio Afora cursou Sociologia virou deputado pelo PCB, mas antes fundou a Igreja Agentes de Deus.
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Dimitri Quadros deixou crescer a barba, ficou parecido com Van Gogh, cursou Belas-Artes, é um pintor conceituado.
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Antonio Alves cursou Direito, só usa terno.
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Eduardo Silva fez Engenharia Eletrônica, montou uma empresa especializada em corte de cristais para televisões a cores, ele próprio os lapidava até chegar a frequência exigida. Comprava quartzo aos quilos.
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Havia pensado em devolver o cristal afanado com uma confissão pública, não o fez. O Educandário São Bartolomeu não mais existia.
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Fui visitá-lo já doente com leucemia, resultante do pó de cristal absorvido ao longo dos anos no seu laboratório.
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Vi o cristal na sua mesa. Perguntei se era lembrança de sua empresa. Disse que não, era impuro demais para corte.
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Foi quando me contou essa história.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:alzumunir@gmail.com


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