quinta-feira, 14 de julho de 2011

ARTIGO DA MAGDA VON BRIXEN

Olha que coisa mais … feia
http://www.oecocidades.com/2011/07/12
Perplexidade. Tenho um filho indigenista vivendo em contato visceral com a Amazônia, e foi através dele que o Zé Castanheira entrou na minha casa um dia depois de sua morte. Vendo e ouvindo os dez minutos da sua fala mansa no TED x Amazônia – mais um Zé, brasileiro e vigoroso, contando sua emocionante história – me quedei muda. Assisti mais uma vez: o exemplo contundente de sustentabilidade, possível lá na floresta e a todos nós, sendo transmitido em palavras simples, sem demagogia ou xiitismo.

Ele mesmo transformava sua fonte – a castanheira viva – em óleo e outros derivados, mas preservando-a como a um caríssimo membro da sua família. “No meu próprio lote estou industrializando… Eu faço óleo de castanha de primeira qualidade, rico em selênio, bom pra todo tipo de comida, fritura, e se usa como óleo de oliva na salada. Do resíduo, que chama bagaço, se faz sorvete, biscoito, o que sua imaginação der pra comer… Isso já tá indo pro mercado aos poucos, o pessoal da universidade, da CPT (Comissão Pastoral da Terra) está me comprando direto este óleo, que além de ser bom pra comer é ótimo remédio, como vocês sabem: o selênio combate o câncer, agregando valor à floresta.”

Emocionante assisti-lo, dramático saber que pessoas assim estão sendo eliminadas sumariamente: simples, honesto, verdadeiro, espontâneo, calcado no script natural de quem vive coerente com o que diz, por isso mesmo flecha certeira em nossos corações e mentes. “Se o negócio tá preto, eu vou lá e tiro o cipó, faço dez cestos num dia, faço R$ 100,00; faço vinte cestos, R$ 200,00 (…) e ela (a floresta) tá lá, continua me dando, no dia que eu quero vou lá e apanho.”

Zé fazia o dever de casa, da floresta, do planeta: desenvolvimento sustentável, tema da grande conferência mundial que vai acontecer agorinha mesmo por aqui, na urbe carioca, a Rio+20, em 2012. Zé não vai mais fazer cestos, ouvir passarinhos, o balanço do vento nas castanheiras ou o estridente guincho da motosserra que cala a voz da floresta. “Ela é viável em pé. É uma coisa que você não agoa, você não bota adubo, você só tem o trabalho de ir buscar o que ela produz.”

Você que me lê, já ouviu o barulho de uma motosserra abaixo da sua janela e, em poucos segundos, o estrondo seco de uma árvore caindo? Pois é, eu já. “… Lá na minha pequena propriedade eu produzo óleo de castanha, manteiga de cupuaçu, polpa de cupuaçu, faço artesanato de cipó e em madeira. Agora, eu aproveito as madeiras que a natureza derruba, que a natureza põe no chão pra mim. E no lugar daquela que caiu, eu planto outra. Então, a floresta é sustentável, duas vezes mais em pé do que derrubada. Que quando você derruba, você só tem uma vez; e quando você deixa ela em pé, você tem ela para sempre.”

E a voz mansa do Zé acordou este barulho aqui dentro, reverberando uma memória recente – incomensurável distância entre os dois fatos em si, sua magnitude e consequências envolvidas; mas, em comum, a mesma insanidade voraz humana que não olha à frente nem para os lados, só o imediatismo de alguns poucos interesses espúrios.

16 de fevereiro de 2011, Ipanema, Rio de Janeiro.

O apartamento em que eu estava então morando na Rua Joaquim Nabuco tinha uma vista verde lindíssima de amendoeiras e uma outra espécie de árvore de copa imensa, que fazem parte do conhecido ‘corredor’ verde dos fundos da Joaquim Nabuco – ele se estende do Colégio São Paulo, no início da Av. Vieira Souto, ao prédio nº 240 da Rua Francisco Otaviano. O charme dos prédios desse local são justamente os apartamentos de fundos, pela vista verde que os separa do mar. Viveiro rico de bem-te-vis e outras tantas espécies de pássaros, famílias inteiras de micos ali vivem e se alimentam das sementes dessas árvores, produzindo uma festa diária aos olhos e ouvidos. Tudo isso em pleno bairro de Ipanema, sempre tão cantado apenas pela beleza e poesia da sua praia, das suas garotas.

Pois estava eu às 10h trabalhando no computador, de frente para este oásis, quando ouvi um barulho insistente de motosserra – achei que era mais uma obra na vizinhança. De repente, ouvi também um estrondo fortíssimo de árvore abatida e então pulei pra janela: uma das copas frondosas já era uma clareira para as janelas dos prédios nº 6 e nº 8 da Av. Vieira Souto, este último o abatedor das árvores, pois algumas delas estão no seu terreno de fundos. Da minha janela mesmo falei com um dos operários, que disse ser de uma empresa particular contratada para ‘limpar’ o excesso das copas etc. etc. Só que a ‘limpeza’ estava sendo feita cortando já a metade dos troncos de duas árvores – enquanto eu telefonava a amigos para saber o que fazer RÁPIDO, falando com o operário e, ao mesmo tempo, com meu porteiro pelo interfone, a motosserra era mais rápida ainda e já abatia a segunda copa. Os micos saltavam guinchando pra tudo que é canto e as aves voavam ruidosamente, com os bem-te-vis fazendo altos e inúteis protestos contra os céus. Vi, na minha frente, o desenho em microcosmo do que vai acontecendo por nossas matas e florestas. Impassíveis e com técnicas bem rudimentares, os operários iam em frente, balançando perigosamente em cordas que pendiam dos próprios galhos grossos que iam sendo abatidos.

No meu prédio ninguém sabia nem fazia nada, do porteiro ao síndico, que disse mesmo nada poder fazer porque as árvores pertenciam ao prédio vizinho. Não havia nem como aguardar a imprensa, porque a motosserra continuava eficiente seu trabalho a cada segundo e o resultado era irreversível!…

Telefonando para todas as instituições ligadas ao assunto, acabei descobrindo que havia o que fazer sim: acionei a PATRULHA AMBIENTAL, serviço do setor de Parques e Jardins da Prefeitura, e o caminho foi ágil e eficiente após dar o histórico e endereço do caso. Me atendeu Janaína, que rapidamente acionou um ‘patrulheiro’ já em trânsito ali por perto, Alexandre, que chegou com uma escolta policial e assim teve acesso aos porteiros e ao devido prédio depois. Facultei meu endereço para que ele pudesse fotografar o ‘abatedouro’ (antes fui até lá pegar o nº do edifício em questão para a denúncia, porque da Av. Vieira Souto não se percebia absolutamente nada, nem o barulho da motosserra…).

A motosserra parou na hora. Pude ver da minha janela a empresa se retirando. O primeiro round estava ganho, pois eles não tinham em seu poder a licença de poda, obrigatória no caso. No dia seguinte a Patrulha Ambiental me telefonou dizendo que o prédio conseguira a licença – e eles não podiam impedir a poda das árvores, somente monitorar se essa poda ficava nos limites do razoável, sem comprometer a sobrevivência das árvores. Alexandre voltou realmente à tardinha, segundo meu porteiro, para verificar o trabalho. Embora já tivessem cortado toda a copa de mais uma árvore no final da manhã e uma imensa clareira agora devassasse grande parte dos apartamentos de dois prédios, no lugar dos pássaros e micos que enchiam de paz nossos cansados olhos dos computadores, várias árvores de Ipanema, com certeza centenárias, foram então preservadas – pelo menos por enquanto.

“De nossa janela tínhamos uma bela vista arborizada que, por muito pouco, escapou de ser totalmente abatida pela sanha de uma motosserra. Ganhou-se uma batalha, mas não a guerra. Purificado pelas folhas de dadivosas amendoeiras e outras árvores centenárias, esse oásis faz parte do abençoado trecho que liga Copacabana a Ipanema – o Arpoador – e funciona como um verdadeiro pulmão da área. Ajudando a manter o ecossistema, serve de morada a pássaros, micos e outros bichinhos”, diz a proprietária do apartamento que eu então alugava, a médica Anna Saraiva, hoje moradora de Teresópolis – RJ e adepta de práticas agroecológicas – há três anos se dedica ao cultivo de plantas alimentícias e medicinais em área urbana, valendo-se da homeopatia nesse manejo.

Atualmente, para grandes podas (como esta), é necessário licença – quer dizer, é o caminho correto, muita gente não tira mesmo. Aí, se denunciado ao órgão competente, multam. O Parques e Jardins dá a relação de empresas credenciadas para fazer a poda dentro dos critérios corretos de preservação das espécies.

Para quem se interessar pelo histórico completo, o que consegui levantar é que a síndica do prédio nº 8 resolveu contratar o serviço para não correr o risco de ter que pagar indenização ao meu prédio, caso as árvores destruíssem o telhado da garagem pela queda de grandes galhos em temporais. Acontece que eu soube, por reunião de condôminos, que o telhado dessa garagem ia ser trocado em breve, pois estava realmente velho e podre. Ele é que precisava ser renovado, no lugar de retirar as copas de árvores que vão levar dezenas de anos para recuperar seu tamanho – se conseguirem! Através de alguns vizinhos mais antigos, também descobri que o ‘sonho’ do nosso síndico era justamente construir mais um andar de garagem (ela é térrea atualmente), e as copas das árvores dos prédios vizinhos, que avançavam pelo telhado da garagem, ‘atrapalhavam’!

O que resta é fazer pressão SIM, senão, aos pouquinhos, vão retirando as árvores de todo o espaço urbano com a desculpa de não comprometer o patrimônio construído; e vão construindo mais e mais garagens, na contramão de todo o bom senso e dos investimentos atuais que visam o equilíbrio do meio ambiente com o fator urbano, apontando para a crescente emergência do transporte alternativo: bicicletas, metrô, ônibus, de preferência nesta ordem…

Zé Claudio Castanheira se considerava filho da floresta. Emocionado, ele dizia: “essas árvores que tem na Amazônia são minhas irmãs. Quando eu vejo uma árvore dessas em cima de um caminhão indo para a serraria, me dá uma dor, é mesmo que eu estar vendo um cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque é vida, é vida pra mim que vivo na floresta, é vida pra todos vocês que vivem nos centros urbanos, porque ela está lá purificando o ar, ela está lá dando retorno pra nós…”.

Patrick Howlett-Martin, diplomata francês aqui no Rio, diz sobre o assunto: “Tive o mesmo problema no ano passado e não sabia a quem recorrer… são moradores, síndicos e porteiros que decidem cortar árvores sem o mínimo constrangimento. Tenho um pequeno apartamento na Rua Francisco Otaviano, no nº 240, que dá nesse corredor verde. Como, na época, o porteiro do prédio ao lado cortou árvores e grandes galhos do jardim dos fundos do edifício, fui averiguar quais as razões da mutilação de espécies tão sadias. Pois o estrago foi realizado por ele num domingo, cumprindo ordens do próprio síndico, que mandou cortar as árvores. ‘Coincidentemente’, em janeiro deste ano, durante uma reunião de condomínio no mesmo prédio, o síndico propôs fazer um estacionamento asfaltado no lugar do jardim, para isso tendo que cortar definitivamente as árvores centenárias do espaço. Tal proposta, felizmente, não obteve quorum e foi rechaçada, mas temo que o assunto não tenha sido enterrado de vez. É assustador…”.

Hoje, ao escrever este artigo, fui checar os telefones que, em fevereiro último, me apoiaram tanto no que considerei ser a minha responsabilidade – queria disponibilizá-los a todos. Com surpresa, os números diretos do Parques e Jardins, da Ouvidoria da Comlurb e, principalmente, da eficiente Patrulha Ambiental, foram todos substituídos e centralizados pelo número 1746, uma Central única da Prefeitura. Ao invés da atenciosa Janaína, entra o serviço eletrônico e você deve escolher a opção 3 – então uma atendente anotará sua denúncia, acionando a Patrulha Ambiental.

Quis localizar Alexandre, porque gostaria de entrevistá-lo. A atendente me forneceu o telefone da Secretaria de Meio Ambiente, à qual a equipe da Patrulha se reporta: (21)2976-3149. Ninguém atendeu a minhas inúmeras tentativas. Tomara que a eficiência do atendimento direto de quatro meses atrás não seja perdida e a Central atue com mais agilidade ainda, acionando os patrulheiros da vez.

Mas, me deu saudades da dupla Alexandre-Janaína…
Autora: Magda von Brixen
E-Mail: mvonbrixen@terra.com.br
Publicado Originalmente em http://www.oecocidades.com/2011/07/12

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