sexta-feira, 29 de julho de 2011

CONTO DO JOSÉ FRAJTAG - O EFEITO JANELA cap 1

O EFEITO JANELA

Capítulo 1
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Seria um entardecer como outro qualquer. Em nossa varanda no oitavo andar, eu e Helena apreciávamos a magnífica vista da praia do Arpoador, com o Morro Dois Irmãos ao fundo, quando algo me bateu violentamente no braço. Quando dei por mim, tinha uma pulseira prateada pendurada em minha mão, enquanto um vulto humano despencava rapidamente em direção ao solo, ao som simultâneo dos habituais aplausos dos cariocas, homenageando o lindo pôr do sol. Essa, eu soube depois que foi a primeira de uma série de coincidências.
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Apesar de tudo ter sido muito rápido, eu achei que o tinha reconhecido. Eu não tinha certeza total, mas ele me pareceu ser um vizinho recente, que morava na minha coluna, no décimo andar. Eu olhei para baixo e o vi caído no piso do Playground. Para meu horror, ele ainda se mexia. Ninguém passava por ali naquela hora, o que não era nada extraordinário. Nosso Play é bem equipado, com salão de ginástica, piscina e sauna, mas com a concorrência da praia em frente, dificilmente alguém o frequentava.
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-Que horror Sílvio! Gritava minha mulher!
Eu e Helena, saímos desesperados em direção ao elevador e fomos o mais depressa possível ao Playground. Pelo celular eu ia discando 190, para a polícia, alertando-a do ocorrido. Pelo interfone do elevador, Helena avisava o porteiro, pedindo a ele que fechasse a portaria até a chegada de polícia, para bloquear a saída de um eventual assassino. Pedi para Helena não vir comigo, pois esperava ver algo pavoroso. Ela desceu à portaria aguardando a Polícia.
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Ao chegar ao local da queda, fiquei estarrecido! Nada havia! O piso onde o “corpo” havia caído não tinha marcas e estava seco! Ninguém teria tido tempo de retirar o corpo, lavar e secar o piso! Em cerca de quinze minutos a polícia chegou, com um fotógrafo criminalista e com repórteres, que sempre são avisados, pois captam o rádio da polícia.
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Com gestos brutais, foram logo perguntando onde estava o corpo. Para o meu imenso aborrecimento e o deles também, eu apenas disse o que vi sem tocar no assunto da pulseira. Preferi examiná-la antes de tomar qualquer atitude, o que mais tarde descobrimos ter sido a decisão mais correta que tomei em nossas vidas.
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O porteiro falou que somente alguns moradores haviam saído e que ele não pôde impedi-los, para não arriscar o emprego. Fiquei aborrecido com essa atitude serviçal, e a polícia também, mas mesmo assim dois estranhos foram apanhados pela polícia, ao tentar sair do prédio, mas nada foi apurado com eles, que negaram todas as suspeitas. Foram levados à delegacia, com o porteiro, porém nada havia de contra eles, nem um corpo. O porteiro afirmou que os dois eram visita do sexto andar, o que foi confirmado ao telefone pelo morador, portanto foram logo liberados.
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A polícia usando lentes de aumento pesquisou minuciosamente o piso, apanhando com pinças pequenos fragmentos e varrendo até a poeira existente no Play, para posterior análise.
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Foram pesquisados os apartamentos acima do nosso. O vizinho do décimo andar tinha desaparecido do prédio e o apartamento estava vazio. O síndico consultado não conseguiu dar informação alguma, pois desconhecia esse morador. Não soube sequer dar o seu nome; ele só poderia ser um inquilino, se realmente existisse, pois os proprietários do apartamento estavam no exterior há meses e ninguém sabia onde. Não soube nem dizer se ele havia ido embora naquele dia ou um mês antes. O síndico foi severamente criticado pela polícia, pois pela lei o morador deveria ter sido registrado.
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Os fotógrafos disparavam suas câmeras impiedosamente sobre nós, com os repórteres nos mandando uma saraivada de perguntas, que mal tínhamos tempo de responder. Ficamos a princípio com a fama de sermos um casal que sofreu uma alucinação devida provavelmente ao uso de drogas. Chegaram a afirmar que sabíamos que aquele apartamento estava vazio e que criamos um vizinho imaginário. Protestamos veementemente contra essas suspeitas infundadas e mostramos que éramos bastante confiáveis. Poderiam nos fazer exames que comprovariam não usarmos drogas. Além disso, éramos empresários de sucesso, que nada teriam a ganhar inventando histórias absurdas como essa..
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Os repórteres saíram em campo pesquisando se isso não seria um golpe publicitário. Ou seja, se estaríamos lançando algum produto que fosse ganhar publicidade gratuita, da qual aferíssemos grandes lucros. Nada encontraram que nos desabonasse. As reportagens, no entanto apareceram nos jornais, cada um com uma versão mais maluca que a outra.
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A análise do material coletado no playground nada descobriu! Isso aumentou ainda mais as especulações da imprensa quanto à nossa loucura!
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Um insistia na opção alucinação, outro achava que havíamos visto um holograma e outro insistia que nós estávamos bolando algum plano mirabolante para extrair algum tipo de vantagem disso tudo. Nossa sorte foi a de um porteiro da manhã, finalmente admitiu ter se lembrado desse morador, confirmando que ele realmente existia. Mostrou até uma rubrica sua no livro interno. Antes ele estava com medo e nada havia falado. Tentaram ler a rubrica sem sucesso, pois era um garrancho, que nem farmacêutico decifrava. O porteiro também não se lembrava do nome. Os repórteres e a polícia finalmente cansaram e nos deixaram em paz, mas a historia ficou registrada na imprensa como o “caso do suicida fantasma”.
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Na semana seguinte, um caminhão de mudança, esvaziou o apartamento do estranho vizinho. O motorista do caminhão estava orientado a não responder perguntas.
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A pulseira, que eu não tirava mais de meu braço, estava sempre me fazendo lembrar-me do caso. Não era possível esquecer algo tão estranho, mas eu de propósito não tocava mais no assunto, pois sempre me criava confusões.
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Com o tempo, tudo passa. Após um mês, a coisa foi esquecida por todos, menos por mim. Fiquei com uma fobia de chegar perto de janelas, que de tão radical, eu nem podia ouvir falar em janelas.
(continua...)
Autor:José Frajtag
E-Mail: josefrajtag@ymail.com


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