CONTO DE FLORENÇA
A Medusa
.
Eu tinha quinze anos, nunca tinha ouvido falar da
Medusa. Meu cabelo era encaracolado e era muito cabelo. Estava me preparando
para o concurso da Escola Naval.
.
Conheci o João Celso, era um cara grandão, moreno,
arrimo de família, muito inteligente, culto, se autodenominava “gênio”. João
Celso morava com a mãe viúva em uma pensão no Flamengo. Estávamos no mesmo
curso preparatório, ele tinha certeza que passaria e antecipou-se comprando uma
espécie de suéter azul, peça de uniforme dos aspirantes da Marinha: Era fácil
de identificar, trazia as letras EN estampadas na frente, conhecida como Camisa
de Frio. Veteranos da Escola o viram, não o reconhecendo como aluno o interpelaram
e ele ficou numa saia justa. Quando ingressou na academia, já tinha seu apelido
consagrado e que o acompanhou por sua vida militar.
.
Acabamos no mesmo camarote, dizia que antes de
cortar o cabelo, exigência obrigatória do regulamento, eu parecia a Medusa. Fui
conferir, fiquei feliz por não ter mais a semelhança, meu cabelo escureceu e se
tornou liso.
.
Muitos anos mais tarde, visitando a Galeria Uffizi
em Florença, me deparei com o original da Medusa de Caravaggio. Como estava só,
pedi a um americano que tirasse uma foto minha junto ao quadro. Por
brincadeira, lembrando-me do Camisa de Frio, abri a boca no instante do flash.
O turista ao olhar a
imagem, não percebendo minha intenção, disse:
.
-Não ficou boa, vou tirar outra.
.
Autor: Munir Alzuguir
E-Mail:
alzumunir@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário