terça-feira, 4 de novembro de 2014

CONTOS DO MUNIR 017-2014


CONTO DE FLORENÇA
A Medusa
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Eu tinha quinze anos, nunca tinha ouvido falar da Medusa. Meu cabelo era encaracolado e era muito cabelo. Estava me preparando para o concurso da Escola Naval.
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Conheci o João Celso, era um cara grandão, moreno, arrimo de família, muito inteligente, culto, se autodenominava “gênio”. João Celso morava com a mãe viúva em uma pensão no Flamengo. Estávamos no mesmo curso preparatório, ele tinha certeza que passaria e antecipou-se comprando uma espécie de suéter azul, peça de uniforme dos aspirantes da Marinha: Era fácil de identificar, trazia as letras EN estampadas na frente, conhecida como Camisa de Frio. Veteranos da Escola o viram, não o reconhecendo como aluno o interpelaram e ele ficou numa saia justa. Quando ingressou na academia, já tinha seu apelido consagrado e que o acompanhou por sua vida militar.
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Acabamos no mesmo camarote, dizia que antes de cortar o cabelo, exigência obrigatória do regulamento, eu parecia a Medusa. Fui conferir, fiquei feliz por não ter mais a semelhança, meu cabelo escureceu e se tornou liso.
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Muitos anos mais tarde, visitando a Galeria Uffizi em Florença, me deparei com o original da Medusa de Caravaggio. Como estava só, pedi a um americano que tirasse uma foto minha junto ao quadro. Por brincadeira, lembrando-me do Camisa de Frio, abri a boca no instante do flash. O turista ao olhar a imagem,   não percebendo minha intenção, disse:
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-Não ficou boa, vou tirar outra.
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Autor: Munir Alzuguir
E-Mail: alzumunir@gmail.com

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